30 de set. de 2015

Celebração de santos e santas

            A Igreja sempre celebra o Mistério Pascal de Cristo. Esta é uma máxima da Teologia Litúrgica. Um modo de dizer que nós, em todas as celebrações do Ano Litúrgico, especialmente na Eucaristia, celebramos o Mistério Pascal de Jesus Cristo. Isto vale também para as celebrações que envolvem os santos e as santas. Dito de modo negativo: não celebramos os santos e as santas dirigindo a eles nossas súplicas e louvores, mas celebramos a vida de homens e mulheres, que chamamos de santos e santas, por participarem plenamente do Mistério Pascal de Cristo e nele se santificaram.
            Na Igreja antiga, os catecúmenos, antes de serem batizados, tinham nos mártires um exemplo do seguimento fiel do Evangelho com a entrega da própria vida. Os mártires, ainda hoje, são apresentados como exemplos de fidelidade, pois, perseguidos e ameaçados de morte, não abandonaram a fé e entregaram suas vidas por amor a Jesus Cristo. Eles participaram e participam plenamente do Mistério Pascal de Cristo até as últimas conseqüências, entregando suas vidas por fidelidade ao projeto do Pai. No rito do Batismo, e em outras celebrações sacramentais, a presença dos santos e santas se faz presente como exemplo de vida cristã e como participantes na intercessão da Igreja. A Ladainha, cantada ou recitada em algumas celebrações tem, portanto, duas finalidades: mostrar o exemplo de vida de homens e mulheres que se mantiveram fiéis ao projeto divino e, a presença dos santos e santas na invocação de toda a Igreja, a terrena e a aquela que já vive com Deus, para que o projeto divino aconteça entre nós.
            Outra dimensão importante da presença dos santos e santas nas celebrações litúrgicas encontra-se na doutrina da “Comunhão dos Santos”, que professamos no Credo. Um modo de entender que quando a Igreja celebra a Liturgia não a realiza somente aqui na terra, mas também em comunhão com todos os santos e santas, isto é, com aqueles que formam a Igreja triunfante, aquela parte da Igreja que já participa da santidade divina. Isto está bem claro no convite para o canto do “Sanctus”; a conclusão de todos os Prefácios diz: “por isso com todos os anjos e santos, cantamos”.
            Como dito, a presença dos santos e santas é presença suplicante. Já nos referimos à Ladainha de todos os Santos e Santas, entendendo que os santos e santas, que vivem na Igreja celeste, rogam por nós e conosco intercedem ao Pai. Mas, existe também a súplica presente nas celebrações, especialmente presente na Oração Eucarística I e mais resumida nas demais anáforas. Na anáfora litúrgica I, a Igreja faz memória daqueles que viveram na fidelidade do Evangelho quase como um reforço diante de Deus, para que atenda os pedidos da Igreja. A mesma dimensão de súplica se faz presente nas celebrações com festas ou memórias de santos e santas. Todas as coletas do santoral sempre intercedem ao Pai a graça de viver e participar da santidade divina como aquele santo ou santa que se está celebrando (dimensão exemplar) e, para que Deus atenda a súplica da Igreja com a ajuda intercessora dos santos e santas.  
            Para concluir, um detalhe e uma interrogação. O detalhe é quanto ao espaço celebrativo, nem sempre bem considerado em nossas igrejas. Uma vez que a Liturgia não é dirigida aos santos e santas, mas sempre ao Pai, por Cristo, no Espírito Santo e, considerando o que foi dito até o momento, de que os santos e santas intercedem em nossas celebrações conosco a Deus, vale lembrar a prática de colocar as imagens ou ícones dos santos e santas não na frente da assembléia (no presbitério), mas nas laterais da nave. Este é um modo visível de entender que, do ponto de vista teológico litúrgico, que os santos e santas são cristãos e cristãs exemplares que ainda continuam participando da mesma assembléia litúrgica, embora na dimensão celeste. Quanto à pergunta, faço a seguinte interrogação: diante de tal proposta teológica litúrgica, considerando que toda celebração é dirigida ao Pai, por que ainda se permite intenções de Missas em ação de graças a Nossa Senhora ou a algum santo ou santa?
(Serginho Valle)






23 de set. de 2015

Liturgia, crise, política e moral

A frase “celebrar a vida” sempre aparece em textos litúrgicos, em palestres a reflexões sobre a Liturgia. É uma frase genérica e, por isso, aberta a muitos aspectos da vida pessoal e social. Um destes aspectos é a questão política, da qual fazem parte os celebrantes. Mas, quando este tema aparece celebração, muita gente torce o nariz, e muitos alegam que se está transformando o presbitério em palanque político.
            Defendo que a celebração precisa manter suas características religiosas, especialmente a dimensão orante. Mas, juntamente com a dimensão orante, existe aquela reflexiva, própria da Lectio Divina, que antecede a celebração (na preparação) e que a contextualiza, particularmente no momento da homilia. Ou seja, é a Palavra que conduz a vida pessoal, social e política para dentro da celebração. Isto ajuda-nos a perceber que o tema “política, crise e moral” tem sentido quando introduzida no contexto da proclamação da Palavra. Neste caso, a “celebração da vida” comporta também a questão política. Vários textos bíblicos proclamados nas celebrações relatam fatos políticos, seja do Antigo como do Novo Testamento. O ponto está em compreender que aqueles fatos políticos, relatados em tantas Liturgias da Palavra, revelam a ação divina na condução do povo, para que a vida do povo fosse preservada.
            O critério proposto pela Pastoral Litúrgica, e com sustentação na Teologia Litúrgica, orienta a ler a realidade pessoal e social com a luz da Palavra; favorecer de modo cristão, sempre iluminando-se na Palavra, a compreender a proposta divina para este momento histórico e, propor um compromisso de mudança social a partir da Palavra de Deus. Quando a política aparece nas celebrações não se tem em mente uma opinião partidária, a defesa ou a promoção de um político, ou a preferência por uma ideologia; nada disso. Mas única e exclusivamente analisar a realidade sócio-política atual à luz da Palavra de Deus.
            Dois exemplos clássicos ajudam-nos a compreender este fato. A Liturgia do 26º Domingo do Tempo Comum - C proclama, na 1ª leitura, um texto de Amós (Am 6,14-7). É uma crítica severa aos governantes e políticos que vivem as custas do povo, acumulando riquezas pela corrupção e empobrecendo o povo pobre pela carga de impostos. É um texto que retrata, fotografa, a realidade brasileira deste momento histórico. Aqui, a Liturgia chama atenção dos celebrantes para os políticos mal-intencionados que pensam unicamente em si e nos interesses de seus partidos. Um modo de perceber que se trata de um pecado social que desagrada a Deus. Se o padre, na homilia, fizer uma comparação com a gestão política brasileira não está nem a favor e nem contra um partido político, mas a favor do pensamento divino, que condena quem se serve do poder para enriquecer-se e oprimir o povo.
            Um outro exemplo vem do Evangelho: a multiplicação dos pães (Jo 6,1-15), proclamada no 17º Domingo do Tempo Comum – B. A homilia poderá ressaltar o valor da partilha, o gesto do garoto que oferece a Jesus tudo que tem, ou, fazer uma homilia para espiritualizar o fato ou, ainda, se deixar iluminar pelo contexto social atual e refletir sobre uma nova ordem política, não fundamentada no capitalismo do lucro financeiro, mas na partilha, na valorização da pessoa humana. No atual contexto social e político, no qual se revela um esquema corrupto de políticos e empresários, esta seria a escolha mais real e oportuna. Neste caso, o padre ao condenar tal estrutura e propor uma nova ordem social, não está fazendo propaganda política, mas refletindo a atual conjuntura política e social à luz do Evangelho e da Doutrina Social da Igreja.
            Em conclusão, a celebração litúrgica não se caracteriza como celebração moralizante ou espiritualista, mas uma celebração que se apóia na moral e na espiritualidade fundamentada na mística do discipulado. Isto significa propor viver e analisar o contexto social e político em coerência com o Evangelho, inspirando-se no modo como Jesus viveu na sociedade e no modo como Jesus se relacionava com o poder político do seu tempo. Com tal princípio, é possível distinguir que a celebração litúrgica não é, em sua origem, partidária, porque não se fundamenta em ideologias sociais, mas no projeto do Reino de Deus. Assim, aquilo que na sociedade e na política não condizem com os valores do Reino de Deus, ilumina a celebração e a torna profeticamente denunciadora. Aquilo que na sociedade e na política não se ajusta ao projeto divino do Reino faz da celebração um momento para propor caminhos novos e atividades transformadoras na política e para a sociedade a partir da Palavra de Deus.
            Nenhuma celebração litúrgica, portanto, é analgésica ou alienante das questões sociais. Ao contrário de ser alienante ou analgésica, toda celebração é provocativa e propositiva de uma nova ordem social a partir de uma nova proposta política, sempre iluminada pela Palavra, proclamada em todas as celebrações. Mas, bem entendido, trata-se de uma dimensão.

(Serginho Valle)

22 de set. de 2015

Sexta-feira Santa

A Sexta-feira Santa é um dia litúrgico solene, no contexto da Páscoa anual, no qual a Igreja celebra a oblação suprema do amor de Jesus ao Pai pela Salvação da humanidade (Jo 13,1; 14,31). É o dia da Paixão e Morte de Jesus, que entregando seu Espírito ao Pai (Jo 19,30) concede à sua Igreja o Espírito Santo. É um dia de penitência e, em certo sentido, de luto. Um dia que a Igreja convida seus filhos, filhas, homens e mulheres de boa vontade a contemplar a grandeza da oblação da vida divina, em Jesus Cristo e, ao mesmo tempo, a exaltação da glória divina presente no supremo sacrifício oblativo de Jesus Cristo (Jo 12,23-28).
A Liturgia das Horas, na Sexta-feira Santa assume a característica de celebração solene, com a mesma estrutura ritual da Missa: três leituras, das quais a terceira é a Paixão do Senhor, segundo o evangelista João; a Oração Universal, no lugar do sacrifício Eucarístico; a Adoração da Cruz e a Comunhão Eucarística. Para dar mais ênfase ao Sacrifício do Calvário, oferecido por Jesus Cristo uma vez para sempre (Hb 7,27), a Igreja faz memória na Sexta-feira Santa do amor divino oferecido de modo extremado em favor dos homens e mulheres de todos os tempos. A Comunhão é realizada com os pães (hóstias) consagrados na Missa de Quinta-feira Santa — Missa in Coena Domini —, também conhecida como Missa dos pré-santificados. 

18 de set. de 2015

Temporal

O Temporal é considerado parte essencial do Ano Litúrgico. Consiste no desenvolvimento anual do Mistério Pascal de Jesus Cristo, introduzindo a Igreja no aprofundamento da vida Trinitária. O Temporal se compõe dos Ciclos do Natal e da Páscoa, entre os quais acontece o Tempo Comum. O Temporal é distinto do Santoral, o qual contém o exemplo de homens e mulheres que viveram o discipulado de Jesus Cristo de modo pleno e radical, nas mais diferentes esferas da vida humana. Desta forma, o Temporal comporta períodos característicos do Ano Litúrgico e o Santoral contém as celebrações dos santos e santas, fixados em datas precisas. Salva exceções, o Temporal tem preferência sobre o Santoral. 

16 de set. de 2015

Compromisso concreto da celebração

            O título completo desta reflexão deveria ser: “o compromisso concreto como conseqüência de cada celebração litúrgica, especialmente da Missa”. Por isso, o título acima está abreviado como “compromisso concreto da celebração”. Um título que reponde à questão: como a Eucaristia favorece o caminho do discipulado?
            Quem usa as propostas celebrativas do SAL – Serviço de Animação Litúrgica – está acostumado com uma sugestão que denominamos de “compromisso concreto”. Trata-se de uma proposta de vivência iluminada na celebração de cada Domingo. Uma proposta de vivência concreta inspirada na Palavra da celebração, especialmente no Evangelho, que pode ser de caráter pessoal, comunitário, espiritual, familiar, pastoral... Por ser concreto, vem com matizes de praticidade, como por exemplo, realizar alguma atividade ou obra de misericórdia, ou com matizes de crescimento na espiritualidade, ou com alguma proposta de atividade pastoral em vista do bem da comunidade etc...  tenha o matiz que tiver, sempre se sintoniza com a pedagogia do crescimento no discipulado a partir da Palavra, da celebração em sua totalidade e do contexto social no qual a Liturgia é celebrada. De onde vem isso?
            O Documento 43 da CNBB — “Animação da Vida Litúrgica no Brasil” (1989) —, a partir do n. 64 apresenta seis dimensões da Liturgia: memorial, glorificação da Trindade, ação de graças, súplica de intercessão, pedido de perdão e compromisso. Quanto à dimensão do compromisso, o Documento 43 diz:

Quando se tem consciência de que pecar é condição da humanidade toda, de que a unidade de todos os homens e mulheres é obra do Espírito Santo, e de que a glória de Deus é a realização de seu povo também na História, é fácil compreender que a Liturgia, além da conversão pessoal, comporta um compromisso social. O Reino de Deus que se realiza onde Deus reina por sua graça, também se explicita no pão de cada dia, na convivência fraternal e nos anseios de libertação de todo o mal. A Liturgia não nos convida apenas para ouvirmos falar do Reino, mas para nos impelir e animar a construí-lo.” (Doc 43, 72-73).

            O compromisso concreto, no Documento 43 da CNBB, do ponto de vista teológico e espiritual, tem um caráter reparador, não no sentido de “consertar” os estragos do pecado no contexto comunitário, mas de reparar, de colaborar com o Espírito Santo para refazer o novo. Lembremos que é o Espírito Santo aquele que “renova a face da terra”, como cantamos nos hinos pascais de Pentecostes. A celebração, sempre no contexto do Documento 43, envia para o compromisso de colaborar com Deus, para que os valores do Reino aconteçam na história da sociedade, através da fraternidade, da convivência solidária, da libertação do mal. Um compromisso, portanto, que tem a ver principalmente com o projeto divino do Reino de Deus. Este é um modo de entender que a celebração não acaba na igreja, mas continua na vida. Quem fez experiência de Deus celebrando a Liturgia age conforme o projeto divino, de modo prático no concreto da vida comunitária e social.
            Quando trato deste tema, gosto de fundamentá-lo na passagem evangélica de Lc 10,25-37. Um Doutor da Lei se levanta e pergunta a Jesus: “quem é o meu próximo?” Jesus responde com a parábola do “Bom Samaritano”. Chamo atenção para a conclusão de Jesus, que responde ao Doutor da Lei nestes termos: “vai e faze tu também o mesmo” (Lc 10,37). Sempre dizia em minhas aulas, cursos e palestras que considero esta frase de Jesus o modo mais adequado para o envio de toda celebração litúrgica, especialmente da Missa. Depois de ouvir a Palavra, depois de partilhar a Palavra na homilia, depois de celebrar a fração do Pão e do Vinho, o celebrante deveria ouvir, no momento do envio: agora você deve fazer o mesmo que celebramos aqui dentro. Esta é, aliás, uma compreensão do desejo de “celebrar a vida”. Celebra-se aquilo que se vive e vive-se aquilo que é celebrado.
            Este fundamento bíblico torna-se ainda mais profundo se consideramos o contexto da Última Ceia, quando a Eucaristia é instituída e iluminada pelo gesto do lava-pés (Jo 13,5). De um lado, o recado que a celebração litúrgica sempre encerra um forte apelo ao serviço. De outro lado, os mesmos joelhos que se dobram em adoração a Jesus sacramentando, também se dobram para servir; “Jesus ajoelhou-se e começou a lavar os pés de seus discípulos”. A exemplo da conclusão da parábola do Bom Samaritano, Jesus conclui o gesto propondo seu compromisso concreto: “vocês viram o que eu fiz ... façam o mesmo” (Jo 13,14; Lc 10,37).
            A celebração litúrgica, em todos os sacramentos, especialmente a Eucaristia, em certo sentido, nos coloca na posição de quem interroga Deus sobre como devemos agir, como devemos viver concretamente aquilo que celebramos. Sua Palavra orienta como agir e a homilia atualiza a Palavra para a realidade concreta do agir no contexto social da comunidade. Cada celebração é, igualmente, um “ver” como Deus e como Jesus agem, para depois de ver, refletir, rezar e celebrar, viver e agir concretamente do mesmo modo. É desta forma que a celebração litúrgica vai modelando o coração dos celebrantes, não apenas como devotos ou orantes (que também é um efeito concreto), mas como discípulos e discípulas que agem e vivem como o Mestre.
            Diante de tais considerações, fica claro que a Equipe de Celebração, juntamente com a homilia do padre e com o ministério da música, precisam estar afinados para facilitar uma proposta concreta e vivencial em cada celebração.  
(Serginho Valle)


14 de set. de 2015

Sacramentário

Do latim “sacramentarium”. Nos primeiros tempos da Igreja, o Sacramentário era o livro do altar, usado pelo padre para a celebração da Eucaristia. Ele continha as orações coletas, Prefácios e Oração Eucarística. Os antigos Sacramentários são denominados como Sacramentário Veronense ou Leoniano (do século IV – V), Sacramentário Gelasiano (do século VI – VII) e Sacramentário Gregoriano (do século VII). Estes sacramentários são as principais fontes do atual Missal Romano.

Atualmente, com o termo Sacramentário se designa o Ritual (livro) quem contém os ritos e orações de alguns Sacramentos e sacramentais. 

9 de set. de 2015

Espírito Santo na Liturgia

Inicio pedindo desculpas pelo título: genérico demais. É assunto para uma enciclopédia litúrgica, dada a dimensão de textos, tratados e considerações teológicas sobre a ação do Espírito Santo na Liturgia. 
Meu professor de Liturgia Oriental, Padre Daniel Gelsi, um dos professores mais sábios que tive na vida, definia a ação do Espírito Santo na Liturgia com a imagem de um “corifeu”. Quem é o corifeu? Os dicionários descrevem o corifeu como o regente do coro nas tragédias gregas; a pessoa que aconselha, fomenta ou incita o personagem a assumir uma atitude diante de um momento da vida. A figura e a atividade do corifeu facilitam nossa compreensão sobre a atividade do Espírito Santo, nas celebrações litúrgicas. É o Espírito Santo quem conduz a celebração, que garante a veracidade do culto celebrativo e, através da Liturgia, “aconselha”, no sentido que inspira cada celebrante a sintonizar sua vida com o ato celebrativo do qual participa em vista de viver aquilo que celebra e celebrar o que vive.
É do conhecimento de todos o axioma da Teologia Litúrgica: sem o Espírito Santo não existe Liturgia. É uma verdade. De onde a interrogação sobre a veracidade de muitas celebrações litúrgicas, especialmente aquelas Eucarísticas, feitas de modo improvisado, sem invocar a ação do Espírito Santo (epíclesis) em Orações Eucarísticas, proclamadas ao gosto e aos sentimentos do padre e não da Igreja, com improvisações nem sempre felizes.
Mas, não é somente na Oração Eucarística que o Espírito Santo age, na ação celebrativa. Uma das fórmulas de acolhimento celebrativo confessa a “comunhão do Espírito Santo” na totalidade do momento celebrativo: “a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai e a comunhão do Espírito Santo.” Compreende-se a assembléia litúrgica não como “platéia”, mas o “corpo de místico de Cristo” que congrega os celebrantes num culto “em Espírito e Verdade”, ou seja, no Espírito Santo de Deus e na Verdade, que é Jesus.
Também a Liturgia da Palavra acontece pela e na ação do Espírito Santo, enquanto inspirador para acolher e compreender a Palavra divina na vida de cada celebrante. Na Liturgia da Palavra, o Espírito Santo atualiza a Palavra para o hoje da comunidade, para o hoje da vida de cada celebrante. Por isso, é importante que a Palavra seja bem proclamada, como é muito importante que a comunidade e cada celebrante se disponha a acolher a Palavra divina em sua vida, oferecendo condições para que o Espírito Santo possa agir na vida pessoal. Ainda na Liturgia da Palavra, é preciso compreender que a homilia também é feita (deveria) na ação do Espírito Santo. Mas, isto não significa improvisação — como se o Espírito Santo mantivesse uma linha direta com o padre, no momento da homilia —. A homilia é fruto da ação do Espírito Santo que se faz presente no modo como o homiliasta prepara a homilia, deixando que a Palavra fale em sua vida no decorrer da semana, por exemplo, não somente do ponto de vista teórico, mas também vivencial. Por ser um momento de atualização na vida da comunidade e de cada celebrante, nenhum homiliasta tenha a pretensão de considerar-se apenas bom comunicador; é preciso que se considere mais que isso, se considere um facilitador do Espírito Santo agindo na vida dos celebrantes.
Um dos momentos mais solenes da ação do Espírito Santo acontece pela atividade “epiclética” da Igreja. Epíclesis é uma palavra de origem grega, que significa invocação. Esta acontece de modo especial na proclamação da Oração Eucarística, quando a Igreja invoca o Espírito Santo duas vezes e para duas finalidades diferentes. Na primeira, invoca o Espírito Santo para consagrar os dons do pão e do vinho em Corpo e Sangue do Senhor e, na segunda invocação epiclética — esta sem a imposição das mãos —, para que a Igreja de Cristo seja congregada num só Corpo e num só Espírito. Por se tratar da invocação do Espírito divino, a Oração Eucarística acontece no mais profundo e total silêncio. Por ser momento especial e único do Espírito Santo, uma vez que o silêncio é o local da manifestação do Espírito divino, qualquer fundo musical, por exemplo, é intromissão indevida e de muito mal gosto, do ponto de vista da actio liturgicae.
Nos demais sacramentos também existe o rito epiclético, pelo qual se invoca o Espírito Santo, com o gesto da imposição das mãos sacerdotais. Assim acontece na Unção dos Enfermos, na absolvição dos pecados, na ordenação sacerdotal, na bênção matrimonial, no Batismo e na Crisma. Todos os sacramentos invocam o Espírito Santo e conferem o Espírito de Deus aos celebrantes. Por isso, quando comungamos a Eucaristia, comungamos também o Espírito Santo de Deus, quando fomos batizados, fomos mergulhados no Espírito Santo; na Crisma, fomos confirmados no Espírito Santo. Na Unção dos Enfermos e na Penitência somos fortalecidos e perdoados pela ação do Espírito Santo. No Matrimônio, invoca-se o Espírito Santo para que o casal, impregnados do amor (caridade) divino “permaneçam fiéis na aliança conjugal”. Não existe sacramento sem a presença atuante do Espírito Santo.
A Igreja conserva o costume da imposição das mãos sacerdotais para invocar o Espírito Santo e como gesto de transmissão do Espírito Santo. Outra característica que revela a ação do Espírito Santo no momento celebrativo é o silêncio. O silêncio é o espaço onde se move o Espírito Santo. Por isso, a Liturgia da Palavra (em todas as celebrações) acontece no silêncio, não somente para ouvir a Palavra, mas para que o Espírito Santo possa agir no coração de cada celebrante. Isto torna estranho no uso de folhetos, com os celebrantes distraindo-se (barulho mental) com a leitura pessoal, em vez de ouvir silenciosamente a proclamação da Palavra, além da já referida desastrosa invasão de fundos musicais na consagração Eucarística. O mesmo se diga em momentos silenciosos da celebração que são invadidos por orações (inclusive pela secreta do sacerdote, por exemplo, da antes da comunhão). Silêncio tolhido por músicas ou mensagens ou, pior que isso, pelos avisos paroquiais depois da comunhão, quando se silencia para se orar no Espírito e para permitir ao Espírito orar silenciosamente dentro do comungante.
Inconcebível, do ponto de vista teológico-litúrgico, é fazer a imposição das mãos na Unção dos Enfermos com palavras ou orações suplicando curas. Exceto no Sacramento da Penitência, toda imposição das mãos é silenciosa. Muitas celebrações extra-sacramentais, como noites de louvor, com ênfase na invocação do Espírito Santo são barulhentas demais e correm o risco de confundir reações emocionais com acolhimento ou ação do Espírito Santo. O que vale para a Liturgia vale para as celebrações da Palavra, Adoração, Vigílias, louvores...
Uma questão igualmente importante é refletir os “sinais” da ação do Espírito Santo na comunidade, como fruto das celebrações litúrgicas. Não milagres, curas ou coisas do gênero, como muito se difunde, quase reduzindo a isso a eficácia do Espírito Santo. Penso nos sinais do crescimento fraterno, no interesse de uns pelos outros, na preocupação em atender os que se sentem colocados à margem, na importância que a comunidade dá aos doentes... é no amor fraterno que o Espírito Santo reflete na comunidade aquilo que foi celebrado na Liturgia. O Espírito Santo é impedido de agir onde existe indiferença para com o projeto divino e apatia fraterna para com os necessitados. “O mundo é incapaz de receber” o Espírito Santo, diz Jesus (Jo 14,17) porque está indiferente a Deus e é vesgo aos precisados de socorro. Se nas celebrações da comunidade acontece a atuação do Espírito divino e este mesmo Espírito não tem condições de motivar atitudes cristãs, então é preciso celebrar com mais silêncio para se ouvir e perceber com mais atenção a ação do Espírito Santo. A alegria celebrativa não se encontra nos exageros de canções, de súplicas ou na multiplicação de gestos, mas no acolhimento do Espírito Santo de Deus.
Serginho Valle


Pala

Do latim “palla”: manto, lenço. A pala é um utensílio litúrgico, feito de linho branco rígido (engomado), de formato quadrado, com a finalidade de cobrir o cálice. Trata-se, como dito, de um utensílio para cobrir o cálice protegendo-o de sujeiras ou de insetos que possam cair dentro do cálice, durante a celebração a Missa.

A pala não é um utensílio “obrigatório”, digamos assim, mas útil naquelas comunidades e igrejas onde existe a possibilidade de cair algum tipo de corpo estranho no vinho. Nas comunidades e igrejas onde não existe tal risco, seria até melhor que o cálice ficasse exposto sem a pala para realçar o sua mensagem simbólica no contexto celebrativo. 

7 de set. de 2015

Opus Dei, sinônimo de Liturgia

“Opus Dei” – “Obra de Deus” ou as “Obras de Deus” — no Antigo Testamento são as maravilhas realizadas por Deus em favor do seu povo e com o seu povo (Gn 2,2-3; Is 5,12; Jr 48,10). No Novo Testamento, Jesus ensina que a “opus Deis” (a obra de Deus) consiste em crer naquele que ele enviou (Jo 6,28-29). Para São Paulo, a missão do Apóstolo consiste em colaborar com a “opus Dei”, com a “obra de Deus” em favor do povo (1Cor 3,9; 15,18), cuja atividade apostólica se caracteriza em continuar a obra de Cristo (“opus Christi”) (Fl 2,30), realizada no Mistério Pascal. Toda vida cristã, na prática, tem em vista colocar em ação — atualizar na sociedade — a “opus Dei” (a obra de Deus) para que o Reino de Deus aconteça entre nós.  
Dentre as atividades de atualizar a “opus Dei”, a Liturgia ocupa um posto central, pois a Liturgia é o conjunto de atos que condensa a colaboração de Deus e de seu povo, o momento mais integral e mais expressivo desta colaboração, para que a “opus Dei” (a obra de Deus) aconteça na terra.
É por isso que a expressão “opus Dei” tornou-se, no decorrer dos séculos V e VI, principalmente na Regra de São Bento, sinônimo de Liturgia. A expressão “opus Dei” tem a particularidade de poder significar, seja a obra do povo diante de Deus, através das celebrações litúrgicas, seja a obra divina em favor do povo, graças a ação memorial que acontece através da Liturgia.

A “opus Dei”, portanto, é uma feliz expressão para significar a Liturgia como o encontro de Deus com o povo na confirmação e na renovação da Nova Aliança. (SV). 



4 de set. de 2015

Unção dos Enfermos

A Unção dos Enfermos continua na Igreja a obra de misericórdia realizada pelo Senhor em favor dos enfermos, através da imposição das mãos (Mt 8,3.15; Mc 6,5). Ainda entre nós, Jesus enviou os Apóstolos em missão para expulsar os demônios e ungir os doentes com óleo (Mc 6,13). 
Na sua despedida, Jesus indica os sinais que acompanharão os que crêem (Mc 6,17) e, entre estes, o mandato de impor as mãos sobre os enfermos para que fiquem curados (M 6,18). É o que também se lê na Carta de Tiago (Tg 5,14-16)

Alguém dentre vós está doente? Mande chamar os presbíteros da igreja, para que orem sobre ele, ungindo-o com óleo no nome do Senhor. A oração feita da fé salvará o enfermo, e o Senhor o levantará. E se tiver cometido pecados, receberá o perdão. Confessai, pois, uns aos outros, os vossos pecados, e orai uns pelos outros para serdes curados. A oração fervorosa do justo tem grande poder.

O rito celebrativo da Unção dos Enfermos realiza-se com um ato penitencial e uma prece litânica (Ladainha de Todos os Santos e Santas), a Liturgia da Palavra, a imposição das mãos, feita somente pelo padre, a unção do Óleo dos Enfermos com a fórmula sacramental, a oração do Senhor e a bênção final.
Além do alívio espiritual que quase sempre acompanha e se faz presente na celebração deste sacramento, a Unção dos Enfermos age sobrenaturalmente, na ordem da graça, proporcionando o conforto espiritual no enfermo, principalmente a pacificação de sua alma e o perdão dos pecados e de suas penas.
A Unção dos Enfermos não é “extrema unção”, como se dizia antes da reforma da Liturgia, que estava reservada aos moribundos. Como diz o nome do Sacramento, é uma Unção dos Enfermos ou, uma Unção para os Enfermos. Por isso, todo enfermo grave, como em qualquer situação particular que a vida se torne debilitada, ou simplesmente na velhice avançada, pode-se celebrar a Unção dos Enfermos.
O ministro do sacramento da Unção dos Enfermos é o bispo ou o padre, uma vez que o mesmo comporta o perdão dos pecados. (SV).



2 de set. de 2015

Equipe de celebração e Pastoral da Esperança

            Muitas são as comunidades paroquiais que criaram a Pastoral da Esperança, com a finalidade de atender famílias e pessoas em casos de morte e de pós-morte. O contexto desta reflexão tem a ver com a relação entre a Pastoral Litúrgica e a Pastoral da Esperança. Duas pastorais que, especialmente em comunidades mais numerosas, precisam atuar conjuntamente.
            A Pastoral da Esperança nasceu da necessidade de ajudar o padre no atendimento de pessoas e famílias enlutadas. É um trabalho que exige preparo psicológico e espiritual de seus agentes, para que saibam ser presença, especialmente silenciosa e de fé, no difícil momento da morte. Mas, não é sobre este aspecto que dirijo minha reflexão. Contextualizados na dimensão litúrgica, a Pastoral da Esperança tem, entre as suas atribuições, realizar algumas celebrações, como o rito de encomendação dos falecidos, além de outras celebrações no decorrer dos dias pós-morte e, até mesmo na Missa de 7º Dia. De onde sua relação com a Pastoral Litúrgica.
            A relação entre as duas pastorais, a Litúrgica e da Esperança, acontece em dois modos. Naquele prático, pela qual a PL oferece subsídios para que as celebrações sejam bem feitas e aconteçam de modo participativo e, no segundo modo, propondo aos dirigentes de celebrações orientações e até mesmo formação para celebrar do melhor modo possível. Neste segundo elemento inclui-se a formação de uma ou de mais Equipes de Celebrações, de acordo com a necessidade da comunidade.
            Quanto a Equipe de Celebração para a Pastoral da Esperança, esta é formada por um dirigente (aquele que presidirá a celebração), um leitor, um salmista, um intercessor (que fará as preces dos fiéis e ladainhas) e um ou mais músicos. Não se pode celebrar o momento da morte de modo improvisado, com uma única pessoa fazendo tudo sozinho, mesmo que esta “única pessoa” seja o padre ou o diácono. Esteja portanto a presidência da celebração das exéquias a encargo do padre, do diácono ou de um leigo, sempre contará com uma Equipe de Celebração. Além do respeito para com a Liturgia, a Equipe de Celebração torna-se uma presença qualificada da comunidade rezando com a família.
            O mesmo modo de proceder deverá acontecer nas celebrações que a Igreja propõe para os dias pós-morte até a Missa de 7º Dia. Seja que se faça uma novena, seja que se reze o terço ou outra forma celebrativa, haverá uma Equipe de Celebração para rezar com a família enlutada de modo organizado, sereno e com todo respeito que a experiência dolorosa da morte exige. Não se pode improvisar, principalmente quando a Pastoral da Esperança age em nome da comunidade visitando famílias enlutadas. Não há necessidade de grandes aparatos e nem de longas celebrações, mas há sim a necessidade de se fazer bem feito com uma presença qualificada e confortadora.  
            Os ritos exequiais contemplam sempre a proclamação da Palavra. O mesmo deveria acontecer nas celebrações dos dias pós-morte. Sejam três dias de celebrações, sejam novenas ou sete dias — dependendo do costume de cada comunidade — sempre deverá haver a proclamação da Palavra. Sempre, mesmo que seja a recitação do terço; proclama-se a Palavra, cantam-se duas ou três canções, e recita-se o terço.
            É dever da Equipe Litúrgica, juntamente com o padre, ter conhecimento do conteúdo das orações feitas nestas ocasiões. Isto é importante, seja do ponto de vista doutrinal, seja na modalidade oracional. A CNBB, aqui no Brasil, propõe um roteiro exequial para tais celebrações. A Equipe Litúrgica da comunidade, juntamente com a Pastoral da Esperança tenham conhecimento de tal ritual e se propõe a adaptá-lo (se for o caso) e implantá-lo na comunidade.
            Um dado, já mencionado anteriormente, mas sempre necessário, é quanto a qualificação dos membros da Pastoral da Esperança, especialmente aqueles que dirigem e participam das celebrações. Por qualificação entende-se que sejam pessoas serenas, com maturidade psicológica e espiritual capazes de lidar, sem exageros e sem frieza, com a situação de dor e sofrimento provocados pela morte. Isto reconhecendo que um modo de a Pastoral da Esperança exercer de modo eficaz suas atividades pastorais passa pela celebração, de onde a necessidade de pessoas preparadas e de celebrações qualificadas.
Serginho Valle


Naveta

Diminutivo latino de “navis”, com o significado de pequena nave (naviozinho). A naveta é um pequeno recipiente, no formato de uma nave miniaturizada, utilizada para se colocar o incenso usado no turíbulo ou num incensório, em ritos celebrativos da Liturgia. 

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