27 de fev. de 2016

Kyrie eleison

A aclamação “kyrie eleison”, que foi traduzido em português como “Senhor tende piedade de nós”, encontra-se na tradução grega da Bíblia dos Setenta (conhecida como “Septuaginta) do Antigo Testamento, traduzida entre os séculos III ao I a.c. A aclamação é encontrada, por exemplo, nos salmos 4,2; 6,3; 9,14; 25,11 e em outros salmos. No Novo Testamento, a aclamação “kyrie eleison” passou a ser dirigida a Jesus Cristo, como lemos em Mt 15,22 e Mt 20,30.
             O “Kyrie eleison” entrou na Liturgia cristã no século IV, na Síria e na Palestina, durante o rito da Oração dos Fiéis, como aclamação dos celebrantes que participavam da Missa. No Ocidente, São Bento (século VI) menciona o “Kyrie eleison” em sua regra como primeira invocação das ladainhas recitadas no final dos Ofícios. São Gregório Magno (590-604) testemunha que o “kyrie eleison” era cantado em Roma no início da Missa pelo coral e repetido pela assembléia com a mesma melodia. À invocação do “kyrie eleison”, na nossa Liturgia, foi acrescentado o “Christe eleison” que, segundo fontes, tem sido introduzido antes do Papa Gregório Magno (+ 604), já que o mesmo Papa faz referência ao “Christe eleison” como um costume já presente na Liturgia romana. O “Christe eleison” não é usado em Liturgias Orientais.
            De origem Oriental, o “kyrie eleison” fazia parte de uma ladainha, a “ectenia”, também cantado em Roma, nos dias das Estações e nas vigílias da Páscoa e de Pentecostes. Na antiga Liturgia Romana, o kyrie era recitado sem um número determinado de vezes, como acontece atualmente. Era cantado de modo indeterminado sendo interrompido pelo presidente da celebração com um gesto.
No século IX, começou-se a proclamar a aclamação do “kyrie eleison” como recitado atualmente em nossa Liturgia, não somente na Missa, mas também em ladainhas, em Ofícios e em celebrações sacramentais, como por exemplo, na Unção dos Enfermos.
Na Liturgia Romana atual, recita-se quatro “kyrie eleison” depois do ato penitencial, e dois “Christe eleison” quando o ato penitencial não conter a invocação “Senhor, tende piedade de nós”. Mantendo a antiga tradição, o “kyrie eleison” poderá ser proclamado como invocação assemblear durante a Oração dos fiéis.
É importante lembrar que esta aclamação não tem um sentido penitencial em si, como atualmente lhe atribuído por muitos, o que serviu de tema para muitos debates por ter sido incluído como ato penitencial. Trata-se, sim, de uma invocação aclamativa à misericórdia divina, que pode ser para o perdão dos pecados, para suplicar a proteção divina ou para proclamar alegremente a bondade divina para conosco. No contexto celebrativo Eucarístico, o “kyrie eleison” é um louvor ao “senhorio” de Jesus Cristo, o qual é proclamado como Kyrios (ele é o Senhor) e como Christós (ele é o Ungido do Pai, pelo Espírito Santo; o Cristo de Deus).

(SV)

24 de fev. de 2016

Missa é sempre igual

“Não gosto de Missa; é sempre a mesma coisa”. O refrão é conhecido e tão velho quanto quê. Pode ser que você já tenha pensado a mesma coisa. Mas, tenho certeza que mudou de idéia depois que passou a ver sentido na Missa.
            É sempre assim. Quando a gente começa a ir na Missa para passivamente assisti-la, então é a mesmice de sempre. O padre que reza lá na frente e o povo que senta e levanta, ajoelha e canta até terminar. Quando se deixa de ser um passivo assistente e passa a celebrar, a coisa muda. E muda para melhor.
            Muda porque na assistência passiva a gente só vê. E, por ser uma assistência passiva, sempre vê a mesma Missa. Quando a gente celebra, a coisa fica diferente. Cada Missa torna-se uma Missa nova, muito diferente da anterior. Cada vez você tem um sentido novo, uma razão para estar lá celebrando. Haverá domingo que você estará celebrando para pedir alguma ajuda a Deus. Outro, você estará lá para agradecer. Numa Missa você pode estar triste, magoado com alguém, e você quer celebrar com os irmãos a paz. Noutro você quer abraçar o mundo, e você vai para celebrar com os irmãos a alegria de Deus na sua vida. Cada domingo você vai celebrar sua vida diante de Deus e encontrará Deus oferecendo um sentido novo ao seu viver.
            Você então ouve Deus falar pela Bíblia. Depois tem a mensagem do padre, a mensagem das canções, das orações... Cada vez é diferente, muito diferente. Mas tem um algo mais: o pão e o vinho, Corpo e Sangue do Senhor nunca é o mesmo. Cada vez que você come daquele pão é o mesmo Cristo que você comunga, mas é sempre vida divina na sua vida humana divinizando sua existência. E vida divina nunca é igual, é sempre mais vida plena, eterna, interminável... É o novo de Deus agindo e dando sentindo ao nosso viver.
Mas, se existe “assistência passiva”, quer dizer que pode haver uma “assistência ativa?” Sim, do ponto de vista comunicativo, existe uma assistência ativa: é aquela, na qual o espectador sempre vê algo diferente naquilo que já viu anteriormente, desde que olhe cada vez com um olhar diferente. Tem gente que assiste muitas vezes o mesmo filme e sempre vê algo diferente e emocionante; vê o mesmo filme, mas com olhares diferentes A dinâmica da assistência ativa nunca vê a Missa com os mesmos olhos; cada rito, cada palavra, mesmo conhecidos, estabelece uma nova mensagem na vida do celebrante. Mas, para isso é preciso conhecimento e aprendizado do processo comunicativo litúrgico e crescimento na espiritualidade litúrgica, não somente da parte do receptor, também do comunicador.

Serginho Valle

19 de fev. de 2016

Missa do padre chato

Monótono, enrolado, falador, não se entende o que diz, lento, enjoado, chato... e a ladainha vai longe. É tudo que se diz de um padre não sabe dar vida à missa. Um bom presidente é outra coisa. A missa é celebrada. O padre age com calma. A assembléia percebe que ele está rezando, cantando, ouvindo... está presente naquilo que faz.
Mas não é só o padre que dá o tom nisso tudo. A afinação começa com cantos que combinam com os momentos da celebração, leitores que lêem bem e bonito, coroinhas que não distraiam a assembléia, músicos que só tocam quando é momento de cantar, limpeza na igreja, e muito muito mais que isso. Isso sim que é uma celebração bem feita; uma Ação de Graças, uma Eucaristia.
            E o padre chato? Esse é um problema. Tem cura? Claro que sim; e sem fazer  muita terapia. Não é preciso nem brigar com o homem. É muito simples; basta entender uma coisa somente. Entender que a missa não é do padre; é nossa. Isso tira a chatice do padre? Tira!!! Mas tem uma condição. É preciso que todos façam bem a sua parte. A Equipe de celebração tenha tudo preparado com antecedência: leitores, salmista, pessoas que participarão das procissões... Os ministros da música já escolheram as músicas e afinaram os instrumentos na sacristia. E assim por diante. E o padre? Claro que diante disso ele terá que se preparar, senão vai ficar chato prá ele.
            Entendeu? A missa é chata quando o padre tem que salvar a pátria sozinho. Quando tudo está preparado e cada um faz a sua parte, e faz bem feito, a missa acontece sem chatices. Todos celebram com todos.
            E se o padre não se preparar? Bom, daí o pessoal da Equipe Litúrgica vai precisar falar com o padre. Caso isso não resolva, a Equipe de Celebração vá bem preparada... alguém ficará com medo de destoar... aos poucos ele vai percebendo e a Equipe de Celebração o ajudará se livrar de sua chatice para o alívio geral da comunidade.

Serginho Valle

17 de fev. de 2016

No DNA da Liturgia está o serviço (4): ministérios celebrativos

Por fim, neste último artigo sobre a Liturgia como serviço, a consideração da Liturgia através do serviço ministerial. Trata-se do serviço realizado no “durante celebrativo”. Um serviço, no qual o Presidente da celebração age “in persona Christi”, não como substituto de Jesus, mas no lugar de Jesus (SC 7). Um serviço que revela a dinâmica comunitária e serviçal da Salvação, expressão viva de como Deus necessita do nosso serviço para proclamar sua Palavra, para repartir seus Sacramentos....

Serviço na celebração
            O terceiro elemento é a considerar a celebração litúrgica como momento ministerial, como momento de diálogo em forma de serviço. A Liturgia é um constante diálogo: Deus conversa com seu povo através da Palavra, o povo, reunido em assembléia litúrgica, responde com louvores e com um projeto de vida através do discipulado; os celebrantes oferecem sua vida, nos dons Eucarísticos e Deus, pela ação do Espírito Santo, os eucaristiza, quer dizer, tornam santificados pela presença do Senhor entre nós. E assim em todos os sacramentos. É este movimento celebrativo que torna a celebração um “laboratório” da vida cristã, enquanto discípulos de um Mestre que não veio “para ser servido, mas para servir”.
            Considerando de modo prático a Liturgia, do ponto de vista ministerial “ad intra”, no durante celebrativo, os ministérios se multiplicam em vista de uma mesma finalidade: entrar em contato com Deus e permitir que Deus entre em contato com as pessoas, individualmente, e comunitariamente. Quanto a isto, no âmbito litúrgico-celebrativo, o serviço mais relevante se manifesta de modo sacramental, ou seja, com a presença de Jesus Cristo “in persona” agindo na assembléia celebrativa. Trata-se do exercício ministerial da presidência celebrativa, que o sacerdote realiza “in persona Christi”. Entende-se porque o serviço sacerdotal nas celebrações litúrgicas não pode ser confundido com animação de auditório, por exemplo, ou com atividades milagreiras, no caso da celebração da Unção dos Enfermos, ou atividades exorcistas, na celebração da Penitência. O sacerdote age “in persona Christi” e, nesta ação ele é sacramento de Jesus Cristo, alguém que se coloca a serviço da assembléia para ter comunhão e participação na vida divina.
            O padre preside, mas não celebra sozinho. Está acompanhado por uma variedade ministerial,  por uma sinfonia de serviços. Seria extensivo descrevê-los, por isso a opção pela citação dos mais evidentes, a começar por aquele da acolhida. A Liturgia é a celebração do acolhimento comunitário, manifestado na simplicidade de pessoas que acolhem e acompanham os celebrantes no decorrer da celebração. Colocar-se a serviço da acolhida, na celebração, é valorizar cada pessoa que se faz celebrante no ato litúrgico. Outro serviço, essencial no contexto celebrativo, é aquele que se presta ao anúncio da Palavra de Deus, realizado pelos leitores, pelo salmista e pelo diácono, na proclamação do Evangelho, e pelo padre, no papel de homiliasta. Estritamente ligado ao serviço da Palavra está o serviço da súplica, da intercessão, que acontece na proclamação da oração dos fiéis. O suplicante é um ministro, um servidor, que se coloca diante de Deus em nome do povo para interceder pelas necessidades da Igreja, do povo e da comunidade.
            Passando para o serviço que favorece o envolvimento de toda comunidade, encontra-se o ministério da música, que sendo ministério, não vão à celebração para se apresentarem como artistas, mas como servidores da assembléia para que esta cante louvores, súplicas e aclamações a Deus. Outro serviço que diz respeito ao bom andamento celebrativo é feito pelos “arranjadores”, aquelas pessoas que se dedicam a preparar o ambiente físico da celebração. Refiro-me aqui aos que se dedicam a preparar o espaço celebrativo, seja com flores, com símbolos e sinais, com frases… Outro ministério celebrativo é formado pelos chamados “ministros da distribuição Eucarística”, seja no durante celebrativo, como em celebrações sem a presença do padre ou no serviço de levar a Eucaristia aos doentes e prisioneiros.
            Por fim, dois ministérios que se realizam em equipes: a Equipe Litúrgica e as Equipes de Celebrações. São dois ministérios diferentes. A Equipe Litúrgica exerce o serviço de organização de toda a Pastoral Litúrgica da comunidade, ao passo que as Equipes de Celebrações (no plural) são responsáveis pela preparação e, juntamente com o padre, pela realização das celebrações, na comunidade.

Conclusão
            Compreender a Liturgia no enfoque do serviço é dar possibilidade para que a mesma seja definida como celebração do serviço divino e humano. Um modo de compreender todo o Mysterium Salutis como Deus se colocando a serviço do ser humano, para que este seja salvo, ou seja, tenha a possibilidade de comungar e participar da vida divina. Sempre dentro deste enfoque, os ministérios celebrativos não são atividades pessoais, feitos “intuito personae”, mas disposição de pessoas na colaboração do serviço da Salvação, prestado pelo próprio Deus ao povo. Cada ministério celebrativo, portanto, não se preocupa tanto em fazer belas celebrações, mas celebrações que sejam belas por tornarem possíveis o encontro com Deus e com o seu projeto divino.
Serginho Valle


12 de fev. de 2016

Diálogo horizontal na comunicação litúrgica

“Sendo a celebração da Missa, por sua natureza, de índole “comunitária”, assumem grande importância os diálogos entre o sacerdote e os fiéis reunidos, bem como as aclamações, pois não constituem apenas sinais externos da celebração comum, mas promovem e realizam a comunhão entre o sacerdote e o povo” (IGMR 34)

O presente texto da IGMR 34 encontra-se no capitulo II,o qual chama atenção para os diferentes elementos da Missa. No presente artigo, trata-se de um elemento de caráter comunicativo, pelo qual acontece uma participação ativa e efetiva no processo da comunicação Litúrgica.

Do ponto de vista comunicativo, estamos com um modelo de comunicação horizontal, pelo qual, o Presidente da celebração é motivado a dialogar com os celebrantes em vista da promoção de uma comunhão “entre o sacerdote e o povo”. Uma evidência clara que a Igreja não entende a celebração (em todos os Sacramentos) como monólogo, mas como diálogo. Não somente este diálogo horizontal, que é contemplado neste IGMR 34, como também o diálogo vertical, aquele que se realiza entre Deus e os celebrantes. Quanto a isso, a SC 33 faz referência ao diálogo que acontece na Liturgia da Palavra entre Deus que anuncia sua Palavra e os celebrantes que respondem com o acolhimento silencioso e com aclamações, como é o caso do salmo responsorial, a aclamação ao Evangelho e as preces dos fiéis.

O diálogo horizontal, com o qual nos ocupamos neste breve texto, também contém elementos do diálogo vertical, como por exemplo, na estrutura comunicativa prefacial, que abre a Oração Eucarística e se conclui com o convite para se dar graças ao Senhor e nosso Deus, tendo no solene canto do “Sanctus” o seu momento alto, mas em estrutura de comunicação vertical, quer dizer, dos celebrantes para com Deus.

Um diálogo que acontece em forma de oração suplicante é aquele do rito penitencial, com uma interação daquele que preside e apresenta as orações ao Pai, em nome da assembléia, e dos celebrantes que como que endossam a súplica do perdão.

Muitos outros aspectos desse elemento da comunicação litúrgica de diálogo horizontal poderiam ser considerados, mas não é o caso, uma vez que o presente texto trata apenas de uma breve consideração sobre a IGMR 34. Por isso, concluo lembrando que a celebração da Missa é basicamente fundamentada no processo comunicativo dialógico. Até mesmo na Oração Eucarística, quando o padre proclama a anáfora sozinho, ele está em diálogo com Deus, apoiado pelo silêncio ORANTE da assembléia, que confirma o louvor da Igreja, com o mais solene de todos os “améns” da Missa, no final do “por Cristo, com Cristo e em Cristo”.

Descuidar-se do processo comunicativo dialógico na celebração litúrgica pode-se correr o risco de impedir a participação e prejudicar o caráter comunitário da celebração, como destacado na IGMR 34.

Serginho Valle

10 de fev. de 2016

No DNA da Liturgia está o serviço (3): Serviço eclesial

Esta é a nossa terceira reflexão sobre a Liturgia, considerando-a no enfoque do serviço. Nesta reflexão, vamos considerar a Liturgia enquanto atividade eclesial do serviço da Igreja em favor do povo. Uma dimensão da Liturgia que ajuda a compreender, de modo claro e cristalino, uma das primeiras e principais finalidades da ação litúrgica da Igreja: colocar-se a serviço do projeto divino e colocar-se a serviço do povo.
            No primeiro aspecto, este de colocar-se a serviço do projeto divino, a Igreja compreende que quem determina o contexto celebrativo e o “modus celebrandi” é o Mistério da Salvação e não outras finalidades, como por exemplo, usar o momento litúrgico para fazer campanhas ou algum tipo de promoção. Liturgia não é programa de auditório, é celebração memorial, atualização do Mistério Pascal no nosso hoje. Um conceito que não é meramente teórico, mas substancialmente fontal (fonte), no sentido que a Igreja é chamada a ser servidora do projeto divino no mundo e isto acontece especialmente através da Liturgia, “ação sagrada por excelência, cuja eficácia nenhuma outra ação da Igreja iguala, sob o mesmo título e grau” (SC 7).
            O segundo aspecto é a função servidora da Igreja, colocando-se a serviço do povo através da Liturgia. Durante um tempo da história, principalmente da Idade Média, a Liturgia transformou-se em plataforma de expressões artísticas para a música, pela qual promovia grandes compositores, da arte visual, como a arquitetura, da pintura, da escultura, do mobiliário e do vestuário. Acrescente-se a isso a arte cênica, com a introdução de ritos intermináveis, que desviavam a atenção do essencial. Como dizem vários historiadores litúrgicos, uma Liturgia para se ver, para ser assistida e se emocionar, mas pouco orante e provocadora de conversão. Na reforma litúrgica do Vaticano II, com a Sacrosanctum Concilium (1964), a Igreja eliminou aquilo que considerava excessos para propor uma Liturgia mais simplificada em vista de facilitar a participação celebrativa em dois aspectos.
            No primeiro aspecto, a participação tem a ver com aquilo que expressa bem o vocábulo latino “partem caepere”: tomar parte, entrar dentro do processo celebrativo. Mesmo que o “assistir” seja uma forma de participação ativa, a Igreja entende que seu serviço não pode se limitar ao assistir com conotações passivas, e propõe que os celebrantes sejam atuantes na celebração. Destaco três atitudes desta compreensão de participação: rezando, cantando e silenciando. Facilitar e introduzir os celebrantes nesta dinâmica é um modo de serviço, colocando-os dentro do movimento orante, laudativo e reflexivo, presentes em toda celebração litúrgica. Transformar a celebração numa cantoria, com gritos de ordem, por exemplo, é um deserviço ao povo.
            O segundo aspecto do serviço que a Igreja presta na Liturgia, no contexto da participação, é de ordem espiritual e pode ser considerado em duas dinâmicas. Numa delas, a Igreja serve seus celebrantes tornando-os participantes do Mistério Pascal de Cristo, quer dizer, colocando-os dentro do Mistério Pascal de Cristo. Trata-se da dinâmica participativa mais importante, esta de ajudar os celebrantes o tomarem parte dos méritos salvíficos que Deus oferece na ação litúrgica. É o mais importante, porque este Mistério Pascal é atualizado na celebração litúrgica.
Na outra dinâmica participativa, está o processo evangelizador, pelo qual a Igreja se torna servidora do Evangelho e sempre propositora do caminho do discipulado aos celebrantes. É aqui que compreendemos a importância de homilias bem feitas, pelas quais, pouco a pouco, mas ininterruptamente, a Igreja é chamada a pedagogicamente conduzir seus celebrantes no processo do discipulado. A homilia, neste sentido, não é um momento doutrinal ou teológico ou moralista com pregações infindáveis, mas uma proposta existencial de quem vive aquilo que prega. Um serviço que evangeliza não apenas com conceitos e conhecimentos da Palavra, mas com o modo de viver a Palavra.

Serginho Valle

5 de fev. de 2016

Celebração litúrgica como momento orante

Um dado teológico que necessita ser cada vez mais concretizado nas celebrações é considerar a celebração como momento orante, momento no qual a Igreja se coloca em oração diante de Deus. Do ponto de vista da Teologia Litúrgica, esta oração acontece em todos os sacramentos. Na Unção dos Enfermos, por exemplo, a Igreja reza para que o enfermo ungido receba a atenção divina; no Sacramento da Penitência, a Igreja intercede o perdão divino; na Ordem, a Igreja intercede o olhar divino para o candidato que será ordenado para um ministério específico. E assim com todos os Sacramentos e Sacramentais, não somente do ponto de vista da oração suplicante, mas também com relação a oração de ação de graças, cujo momento mais sublime — como diz o próprio termo — é a Eucaristia.
            Em algumas celebrações, como por exemplo, na Unção dos Enfermos, a dimensão orante assume uma função central. A Unção dos Enfermos é, na sua essência, uma celebração orante, com súplicas pela vida do doente, mas também como disposição que prepara os corações, do doente e dos demais celebrantes, para acolher a vontade divina. Na celebração das Exéquias, temos outro exemplo de uma celebração caracteristicamente orante, intercedendo pelo falecido e pelos familiares.
Mas, esta dimensão orante poderá ser dificultada em outras celebrações, inclusive na própria Eucaristia, quando a mesma, por exemplo, é transformada em longas pregações — com pequenas homilias e monições intermináveis a cada momento da celebração —, com canções que pouco conduzem à orar, mas mais para animar, com gestualidades que desconcentram, tirando a possibilidade de silenciar, condição indispensável para a oração cristã. É aquela oração que aprendemos de Jesus a silenciar em locais quietos e no silêncio da noite. Há algum tempo atrás, participei de uma ordenação, cuja celebração era uma atração depois da outra, com símbolos e sinais que,  a um dado momento cansavam dado o volume exagerado de informações. Em vez da oração, a dispersão dos celebrantes.
Não estou propondo essa reflexão para amortecer a dinamicidade celebrativa, mas para fomentar a oração comunitária, resgatando a centralidade orante que nunca pode faltar numa celebração. Na celebração não rezamos em nome pessoal. Por isso, o padre segue o Missal e, principalmente na Oração Eucarística, proclama a oração da Igreja e não aquela que ele inventa em cada Missa. O mesmo vale para dos demais sacramentos. E, mesmo que isso seja uma orientação, não se trata de algo que perturba a oração comunitária e nem tampouco a oração pessoal. Esta é sim prejudicada pelos pendulicários que muitos padres e Equipes de Celebrações inventam, tornando as celebrações intermináveis e, por isso, cansativas e, em muitos casos, impossibilitadas de oração.
Celebrar como a Igreja pede é celebrar de modo breve, com condições para se rezar comunitariamente e pessoalmente. Alguns padres deveriam deixar de se preocupar em agradar os celebrantes com novidades rituais e se proporem a ajudar (e ensinar, se preciso), o povo a rezar. Mas, para isso, ele precisa ser homem de oração. Dificilmente você encontrará um padre de oração agitando demais uma celebração; ao contrário, ele favorecerá o silêncio como local apropriado para rezar.

Serginho Valle

3 de fev. de 2016

No DNA da Liturgia está o serviço (2): Serviço divino

Abri a reflexão sobre a Liturgia iluminando-a com a luz do serviço, de onde o serviço como DNA da Liturgia. Neste segundo artigo, de três outros que virão nas próximas semanas, nosso tema versará sobre o serviço divino, na Liturgia. 
           O principal protagonista e servidor da Liturgia é o próprio Deus, que se coloca a serviço do povo e para o bem do povo. Muitas passagens bíblicas fundamentam o protagonismo divino, na Liturgia. Um exemplo: a proclamação da Lei, na grande Liturgia da Palavra presidida por Esdras (Ne 8,1-9). Diante de povo desorientado e necessitado de um Norte sobre seu destino e como viver, Deus oferece a Aliança e os Mandamentos, não como limites da liberdade, mas como caminhos e como modo de caminhar nas estradas que protegem a vida e o povo. A Liturgia da Palavra é um serviço que Deus presta ao povo, orientando a vida pessoal e comunitária nos caminhos do bem e da vida plena.
Vamos dar um grande salto bíblico para chegar ao texto que melhor evidencia o serviço divino em favor do seu povo: a instituição da Eucaristia com o gesto do lava-pés, revelando como Deus se coloca a serviço do homem e da mulher (Jo 13,4-5). O lava-pés é um exemplo claro, uma evidência, de que nossas Liturgias são celebradas como ação divina, como atividade divina, se quisermos, para servir o homem e a mulher no seu hoje histórico. A Liturgia é um modo de Deus se colocar a serviço do homem e da mulher. Isto é grande porque é santo, motivo fundamental para não transformar a Liturgia em show, aulas temáticas ou afins.
            Neste contexto de serviço divino pela e na Liturgia, o Espírito Santo exerce uma atividade central. Ele é invocado (epíclesis) em nossas Liturgias para atualizar o serviço salvador de Deus em favor do seu povo. É pela presença e ação do Espírito Santo de Deus, nas Liturgias, que as celebrações nunca se tornam lembranças de atos e palavras do passado, mas atualização e presença do gesto salvador de Jesus em nosso meio, em nosso hoje. A ação do Espírito Santo na ação litúrgica garante que as celebrações não sejam ritos vazios, mas plenos da vida divina, de tal modo que toda celebração é um “batismo”, um mergulho no céu, quer dizer, no espaço divino. Quem celebra de qualquer jeito não compreende o Mistério que celebra.
            Para concluirmos este primeiro aspecto, chamo atenção para outros dois elementos. Um deles ajuda-nos a compreender que o serviço mais importante que acontece  na Liturgia não é o que nós, povo reunido em assembléia, prestamos a Deus, mas aquele que Deus presta ao seu povo. O outro elemento é uma curiosidade terminológica: uma das antigas expressões para indicar o “fazer Litúrgico” era “opus Dei” (obra de Deus). Sim, a Liturgia é um serviço de Deus, uma obra de Deus, da qual tomamos parte (partem caepere), isto é participamos e comungamos.
Serginho Valle


← Postagens mais recentes Postagens mais antigas → Página inicial