25 de jan. de 2020

Dimensão orante do canto de comunhão


Dentre os critérios propostos para escolher o canto de comunhão, um deles é a dimensão orante. A escolha do canto de comunhão pode estar relacionada com a Liturgia da Palavra, pode inspirar-se em algum compromisso existencial, derivado do Evangelho, um compromisso eclesial, como é o caso da Campanha da Fraternidade, ou outro critério condizente. Peço permissão para chamar sua atenção para o critério orante na escolha de um canto de comunhão.
            É preciso esclarecer que não se trata de um canto de adoração Eucarística. Aquelas são canções destinadas a momentos adoradores ao Santíssimo Sacramento. A dimensão orante, que me refiro, tem a ver com acompanhar a procissão da comunhão rezando com a canção. Isto acontece de modo especial pelo canto de um salmo. Um exemplo muito fácil para compreender o que digo: se o Evangelho relata a atividade do Bom Pastor, uma excelente escolha para cantar durante a procissão da comunhão seria o Sl 22, seja na versão Bíblica, seja nas versões poetizadas que conhecemos em nossas comunidades.
A dimensão orante, ou a inspiração orante, para escolher a canção que acompanha o rito processional da comunhão deveria e poderia estar mais presente, especialmente naquelas celebrações que a Liturgia da Palavra favorece a opção por uma canção orante. Uma boa inspiração, neste sentido, encontra-se no salmo responsorial, que sendo orante, pode facilitar a escolha. Não se trata, evidentemente, de repetir o salmo responsorial, mas de inspirar-se nele para escolher uma canção orante. Se, por exemplo, o salmo responsorial for o Sl 25, a canção “A ti meu Deus, elevo meu coração”, é uma excelente proposta.
Isso torna-se mais fácil quando o ministério da música conhece as canções, não somente pela letra, mas pela inspiração Bíblica. Infelizmente, este é um exercício que poucos músicos fazem: o exercício de meditar a poesia da canção, de rezar a canção inspirando-se em textos Bíblicos. Se isso acontecesse de modo sistemático, não assistiríamos a triste cena do ministério da música, minutos antes da Missa, escolhendo afobados o que cantar na celebração, muitas vezes com escolhas desconectadas do contexto celebrativo. O critério é cantar rezando e para isso é preciso conhecer a dimensão orante das canções.

Canto de comunhão é canto comunitário
Fomos acostumados, ou ensinados, a entrar na fila da comunhão, comungar, voltar ao nosso lugar e ficar em silêncio, para rezar silenciosamente. Para quem gosta de colocar interrogações do tipo certo-errado, aviso que não está errado fazer isso. Tal procedimento é fruto de uma espiritualidade individualista que perdura na celebração litúrgica, a qual se caracteriza como oração comunitária. É a dificuldade de perceber que se trata de comungar comunitariamente a vida divina, no Pão e no Vinho consagrados, e — caminhando juntos até a Mesa da Eucaristia — comungar a vida de quem celebra, unidos na mesma prece, na mesma mesa, na mesma canção. O rito da comunhão Eucarística não prima pela individualidade, mas pela comunhão, pela fraternidade comunitária. Uma das finalidades do canto de comunhão é expressar a comunhão fraterna.
O momento da oração individual depois da comunhão não está descartado na Liturgia Eucarística. O silêncio acontece depois da comunhão, iniciado quanto os ministros do ministério da música (músicos) param de exercer seu ministério para comungar. É o silêncio pós-comunhão, contemplado nas Instruções Gerais do Missal Romano (IGMR 43; 88). Infelizmente, muitas comunidades adotaram o costume de dar comunhão aos músicos antes dos celebrantes. Invertem assim o momento do silêncio. Aliás, a Liturgia prevê silêncio antes de comungar deste a oração secreta, feita somente pelo padre, em silêncio. Algumas comunidades introduziram esta oração para o povo, impedindo o silêncio preparatório dos celebrantes.
O serviço ministerial da música prevê que os músicos comunguem depois que todos celebrantes comungaram, já que durante o rito da partilha Eucarística, estão servindo pelo exercício do seu ministério musical, tocando e cantando.
Repito, o rito da comunhão Eucarística é um rito comunitário, de uma Igreja viva, Corpo Místico de Cristo, que vai ao altar para comungar o Sacramento do Corpo de Cristo como Igreja que caminha. Por isso, o canto de comunhão, naquelas celebrações que assim favorecem, deveria ser escolhido e cantado como oração comunitária, da qual toda a assembleia participa. Depois que todos cantam, então sim, a Liturgia Eucarística prevê um tempo de silêncio para a oração pessoal. Tenho percebido que muitos padres, por algum motivo, ignoram ou desprezam o silêncio pós-comunhão, esquecendo que o silêncio é parte integrante da Missa e, a pós-comunhão se caracteriza como rito silencioso, por um breve momento, para a oração pessoal.
Serginho Valle
Janeiro 2020

18 de jan. de 2020

Pastoral Litúrgica Paroquial e casamentos


Na maior parte das comunidades, a “indústria dos casamentos” tomou conta das celebrações e ocupa o lugar da Pastoral Litúrgica Paroquial (PLP). Existe todo um comércio que gira em torno das celebrações de casamentos, incluindo a Liturgia. Comércio de olho no vestuário dos noivos, padrinhos e madrinhas, na preparação da festa e, no caso da Liturgia, nos ritos da celebração matrimonial. No que se refere a este último aspecto, a “indústria dos casamentos” assume a função que deveria ser da equipe (ou equipes) de celebrações matrimoniais. Tornou-se uma espécie de “equipe celebrativa terceirizada”. Vou considerar somente o Rito Matrimonial fora da Missa.


            O ingresso da “indústria dos casamentos” na Liturgia começou com a ornamentação, entrou com tudo pela música e, agora, chega aos ritos, com um novo personagem: o cerimonialista. Na Liturgia, temos o cerimoniário, no casamento, o cerimonialista.
            O cerimonialista se apresenta bem vestido e age discretamente, com precisão e classe. Inicia sua atividade na porta da igreja como recepcionista e organizador da procissão de entrada — de várias procissões, algumas das quais semelhantes a desfiles. Em termos celebrativos, exerce a atividade do ministério da acolhida, dedicando atenção especial aos noivos, aos pais dos noivos e aos padrinhos e madrinhas. Procura acalmar os noivos, se necessário, garantindo que tudo acontecerá como preparado.
            Munido de um discreto fone de ouvido e um microfone de lapela, comunica-se com os músicos e com outros atores da celebração, como fotógrafos e cinegrafistas, preparando-os antecipadamente para cada momento e cada rito. Se o cerimoniário atua vistosamente diante da assembleia, no presbitério, o cerimonialista não aparece. Fala baixo no microfone para pedir que os músicos iniciem as canções, alerta o pessoal da imagem (fotógrafo e cinegrafistas) para algum detalhe do rito. Não interfere no padre (ao menos por enquanto), mas no movimento que acontece ao redor da celebração.

Dois sentimentos
            Tenho dois sentimentos diante desse cenário. O primeiro é de admiração porque existe neste desenrolar de ritos todo um exercício de criatividade e de organização celebrativa. Preciso admitir que a “indústria dos casamentos” percebeu que o rito da celebração matrimonial é simples, como é característico da nossa Liturgia, e por isso era necessário introduzir ali o sentimento e a emoção. O rito descrito no Ritual do Matrimônio precisava ganhar vida e isto significou um exercício de criatividade.
            O exercício da criatividade está na decoração do espaço celebrativo, na qualidade artística dos músicos e dos cantores, na discrição do cerimonialista, na introdução de gestualidades. Um dia, um padre me confessou que, na sua paróquia tem uma “empresa que faz casamentos” (nas palavras dele) que, quando atuam, até ele se sente motivado a celebrar melhor para não fazer feio, tal a qualidade com que preparam e conduzem a celebração. Este é o meu primeiro sentimento: admiração com certa dose de santa inveja: por que nossas comunidades não poderiam exercer este ministério com a mesma qualidade e competência?
            Meu segundo sentimento, como liturgista, é de tristeza. Fico triste porque este cenário é indicativo claro da falta de uma PLP. Quem deveria realizar toda esta celebração, e com igual qualidade e competência, deveria ser uma equipe celebrativa (ou várias) designada pela Equipe Litúrgica que coordena a PLP.
Seria uma equipe grande, é verdade, constituída por músicos, ornamentadores, cerimonialista... Uma ou várias equipes de celebração capaz de preparar os noivos para não apenas serem atores na celebração, mas protagonistas. O Rito do Matrimônio proposto pela CNBB, em 1991, tem a finalidade de criar esta participação e comunhão celebrativa litúrgica dos noivos, da família e da comunidade. Não saberia dizer se o rito foi bem acolhido e nem mesmo se é celebrado com certa frequência.

Formação
            Hoje, na situação que chegamos, na maior parte das nossas comunidades, impedir que o pessoal da “indústria dos casamentos” atue é comprar briga. Por isso, em vez do litígio, os coordenadores da PLP poderiam encontrar meios de ajudá-los a celebrar liturgicamente. Refiro-me a um projeto formativo direcionado a esse pessoal.
            A maior parte deles não conhece Liturgia, por isso não se preocupa com o conteúdo. A preocupação é com a encenação, com a beleza do espaço celebrativo, da música, da gestualidade dos ritos. Já fazem bem isso, portanto, o projeto formativo para esse pessoal precisa ser pensado a partir do conteúdo. E, neste caso, estou dizendo que o departamento formativo da PLP pode criar um roteiro formativo de cunho teológico, litúrgico e ritual, por exemplo.
            Outro roteiro formativo, poderá ser focado em grupos específicos. Com os ornamentadores, a formação contará com o conteúdo litúrgico do espaço celebrativo, indicando, desde coisas bem simples, como por exemplo, não fazer do altar uma prateleira de flores, até elementos que fundamentam a Teologia do espaço celebrativo. Claro que isso não deveria ser feito num único dia. Outro exemplo, seria ajudar os músicos a entender como a música litúrgica se comunica na celebração e quais critérios são adotados na escolha de músicas para cada rito, além de outros temas. Conheço uma comunidade que realizou este processo formativo tão bem, que os músicos profissionais não só começaram a participar de um ministério da música, como também se responsabilizaram pela formação de outros músicos.
            Formação importante, e em certos casos, importantíssima, deve ser proposta aos fotógrafos e cinegrafistas, para ajuda-los a realizar o seu trabalho de modo discreto e sem invadir espaços rituais, prejudicando (e enervando) o padre, por exemplo.

Diálogo
            Pela formação, dialogando com essa gente, existe a possibilidade de um enriquecimento mútuo. É um trabalho que vai colocar a PLP em contato com pessoas de outras Igrejas, em contato com pessoas que vêm à igreja só para exercer este trabalho. Por isso, não se trata, somente, de um trabalho organizativo, mas também evangelizador e de crescimento espiritual. Quando se conversa com o pessoal da “indústria do casamento” ouve-se dois assuntos: as queixas que padres (alguns) e o pessoal da Igreja não é acessível para conversar e, a queixa que fazem como fazem porque nunca foram instruídos.
            É um diálogo que pode ser muito proveitoso, porque a PLP vai conversar com pessoas que trazem experiências, queixas, propostas e, em muitos casos, buscando esclarecimentos sobre como agir no desenvolvimento do Rito Matrimonial.
            É um diálogo que não pode ser feito com argumentos do “eu acho bonito” ou do “sempre foi feito assim”. É um diálogo que prima pela qualidade da celebração litúrgica matrimonial, que se caracteriza não somente pela beleza ritual, mas que a beleza ritual realce a beleza espiritual de um casal que é abençoado para iniciar uma nova família. Uma celebração que não seja somente para ser vista, mas vendo-a, torne-se capaz de questionar especialmente a vida dos casais presentes. Celebração evangelizadora, portanto, capaz de tocar a vida.
Serginho Valle
Janeiro de 2020


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