26 de set. de 2020

Liturgia fonte do culto de adoração ao Pai

 

Os dicionários definem “adoração” como culto prestado a Deus, como manifestação de amor extremo por alguém, atitudes e comportamentos que expressam nossa dependência de Deus. No dia 15 de junho de 2011, Papa Bento XVI, na catequese da audiência geral, ensinava que “a verdadeira adoração é o amor”. Amor no sentido cristão de doação, de entregar a vida, de viver a caridade na e pela fraternidade.

            Lembramos que o 1º Mandamento da Lei de Deus diz que devemos “amar a Deus sobre todas as coisas” (Dt 6,4-5; Mc 12,19-34). Na conversa com o Doutor da Lei, Jesus ensina que, juntamente com o maior mandamento encontra-se o segundo, que é “amar o próximo como a si mesmo” (Mt 22,39). Em seguida conta a parábola do Bom Samaritano (Lc 10,25-37). A dedução disso, diz Papa Bento XVI, consiste em entender que a verdadeira adoração a Deus é amar a Deus sobre todas as coisas e amar o próximo como a si mesmo. Traduzindo amor por doação: adorar a Deus é doar-se, dar a vida totalmente a Deus, e dedicar-se pela doação fraterna ao bem do próximo.

 

Adoração em espírito e em verdade

Na conversa de Jesus com a samaritana, no poço de Sicar, Jesus falava que a verdadeira adoração não acontece num ou noutro monte, mas em espírito e em verdade (Jo 4,23). Existem milhares de reflexões sobre esta orientação de Jesus. Limito-me a considerar a Liturgia como fonte onde cada celebrante encontra-se com Jesus Cristo e o ouve repetindo o mesmo ensinamento feito à samaritana: a verdadeira adoração acontece em espírito e em verdade. A Liturgia como fonte da vida espiritual não confina os celebrantes num culto de adoração, mas os envia a viver o que celebram como culto espiritual na vida concreta. A Liturgia é promotora de uma espiritualidade que transforma a vida pessoal dos celebrantes em culto de adoração a Deus.

Em cada celebração litúrgica, os celebrantes comungam Jesus Cristo e o Espírito Santo, que age em todos os momentos litúrgicos. Meu professor de Liturgia Oriental, Padre Daniel Gelsi, ensinava que o Espírito Santo, na Liturgia, age como um “corifeu”; aquele que leva os celebrantes ora a louvar, ora a compreender as Escrituras, ora a suplicar.... O mesmo Espírito Santo continua a agir na vida dos celebrantes, qual “corifeu”, levando-os a prestar um culto a Deus através da vida concreta pautada no amor a Deus e ao próximo. Adorar em espírito e em verdade! É o Espírito Santo, portanto, que promove a adoração verdadeira. É o Espírito de Deus que nos torna adoradores autênticos, no culto e na vida.

Todo culto verdadeiro acontece no e pelo Espírito Santo. Todo culto verdadeiro, celebrado na Liturgia, conduz a viver no e pelo Espírito Santo. O Espírito que conduz os celebrantes a adorar é o mesmo Espírito que transforma a vida em adoração, na e pela fraternidade, de quem celebra verdadeiramente movido pelo Espírito Santo.

 

Adoração como oferecimento

São Paulo nos ajuda a compreender e aprofundar ainda mais a dimensão adorante da Liturgia no culto e na vida. Estou falando do conhecido texto paulino na carta que escreveu aos romanos: “Irmãos, pela misericórdia de Deus, peço que vocês ofereçam os próprios corpos (as próprias vidas) como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus. Esse é o culto autêntico de vocês” (Rm 12,1).

Noutra carta, escrita aos efésios, São Paulo recomenda uma espiritualidade que se adeque à vida nova em Cristo: “É preciso que vocês se renovem pela transformação espiritual da mente” (Ef 4,23).  

Os dois textos ajudam-nos a compreender que a celebração litúrgica, de todos os Sacramentos, mas especialmente da Eucaristia, só é verdadeiramente adorante quando reflete a vida vivida no cotidiano. De outro lado, a vida só é verdadeiramente adoradora quando reflete a adoração celebrada na Liturgia. Quando reflete o amor a Deus pelo amor fraterno. A parábola do Bom Samaritano é exemplar no sacerdote e no levita preocupados com o culto e desatentos com a vida humana machucada e caída por terra. Não existe liturgia autenticamente adorante a Deus sem correspondência na fraternidade. São Tiago é muito prático neste sentido: se vier um pobre e você o dispensa porque está celebrando uma Liturgia, de que vale a tua adoração? (Tg 2,2-3.14-16).

 

Concluindo

 Esta breve reflexão pode favorecer nossa compreensão sobre a função pedagógica da Liturgia na formação espiritual do cristão. Formação que consiste em fazer que os celebrantes tenham uma espiritualidade adorante, compreendida no ensinamento de Bento XVI: adorar é amar a Deus e ao próximo.

Serginho Valle

Setembro de 2020

 

19 de set. de 2020

Acolhimento na Pastoral Litúrgica Parquial




O tema do acolhimento é uma atividade pastoral de suma importância. Acolher é um modo de testemunhar a fé e o Evangelho; é manifestação da caridade fraternidade. Vários textos do Evangelho são explícitos quanto ao acolhimento. O mais claro e incisivo encontra-se em Mt 25,31-46. É o conhecido texto do acolhimento de Jesus Cristo na pessoa do faminto, do sedento, do nu... O texto não confunde acolhimento com recepção, mas acolhimento com atitude para dar de comer, de beber, vestir... Entende-se que o acolhimento é o critério base da caridade fraterna e, o que não deixa de ser surpreendente, é o critério base do juízo final. “No final de nossas vidas seremos julgados pelo amor”, diz São João da Cruz. O critério do julgamento é o amor acolhedor.

A Igreja acolhe a comunidade 
           O conceito de acolhimento tem um precedente que precisa ser considerado em se tratando de Pastoral Litúrgica Paroquial (PLP): a comunidade. O acolhimento da comunidade como Igreja é uma atividade da PLP. O ministério da acolhida acolhe quem vem celebrar em nome da Igreja que vive na comunidade. 

      Acolher a comunidade nas celebrações litúrgicas significa favorecer a experiência de se sentir acolhido, de ter uma referência, de sentir o pertencimento, fazer experiência de comunhão e participação. É de uma comunidade acolhida que nasce a comunidade acolhedora, fonte de ministérios de acolhida para acolher o outro. O exemplo Bíblico da comunidade apostólica, relatado em At 2, causava admiração a todos: “vede como eles se amam” (At 4,32ss).

 
Acolhimento: exercício de hospitalidade 
            Do ponto de vista cristão, o acolhimento é um exercício e uma atividade de hospitalidade. Em nosso tempo, é um processo de conversão: mudar o conceito de hostilidade para hospitalidade. Existe uma dinâmica de hostilidade camuflada na vida social, que vai deste a concorrência, passa pela competição e pelo fingimento de se alegrar com o sucesso do outro. O exemplo é propositadamente exagerado para evidenciar o contexto competitivo, no qual vivemos. E, onde existe competição o outro pode atrapalhar planos pessoais e, nesse caso, não pode ser acolhido. Pode ser apenas respeitado nos parâmetros do “politicamente correto.” 
           Na comunidade cristã, o exercício do acolhimento é um exercício de solidariedade que começa com a capacidade de ter olhos para ver as necessidades do outro e agir para favorecer nele vida saudável. Solidariedade fraterna que envolve toda a comunidade para socorrer a vida ameaçada por algum sintoma de morte.

Ministério do acolhimento na PLP 
            Existe uma limitação, que eu classificaria como “muito grande”, na compreensão de ministério da acolhida na PLP: limitar a atividade ministerial à recepção dos celebrantes. Sim, é uma acolhida, mas a atividade ministerial não se limita à atividade de recepcionista e distribuição de subsídios usados na celebração. O ministério da acolhida não se limita a atividade de recepcionistas e atenção para que tudo esteja bem durante a celebração. Sim, isto faz parte e é importante que aconteça no momento celebrativo da comunidade. O ministério da acolhida tem um algo a mais.  
           O acolhimento na PLP é mais amplo e se estende a todos os Sacramentos. Pessoas com testemunho de vida cristã e experientes podem se dispor a acolher e ajudar na preparação do Sacramento da Penitência oferecendo condições para uma boa preparação. 
            Uma atividade de acolhimento muito bonita e enriquecedora poderá ser feita na celebração do Sacramento da Unção dos Enfermos. O ministério da acolhida acolhe o enfermo e a família na preparação para celebrar a Unção dos Enfermos em família. O ministério do acolhimento, neste caso, poderá ser exercido pelo agente da Pastoral da Saúde em conjunto com a PLP. 
        Outro exemplo é no Sacramento do Matrimônio. Um ministério a ser exercido por casais experientes e cultivadores da vida cristã. Acolher o casal, conversar sobre como compreendem o casamento, que projetos têm para a vida a dois, como pretendem cultivar a fé e a religião na futura família... Por se tratar de PLP, o ministério do acolhimento pode partilhar as primeiras sugestões de como realizar a celebração matrimonial. O ministério da acolhida é a comunidade dando as boas-vindas ao casal para celebrar o casamento; uma demonstração que a comunidade se alegra com o casamento deles. 
            O campo das celebrações de bênçãos é vasto no sentido do acolhimento. A Igreja tem um rico ritual de bênçãos que, por ser ritual litúrgico, consta de celebrações e não apenas do gesto de bênção e aspersão com água benta. Acolher casais grávidos e abençoa-los, acolher namorados e abençoa-los, acolher crianças e abençoa-las, acolher quem traz algum objeto para benzer e propor uma palavra evangelizadora... Acolhimento, preparação e realização do rito.

São propostas, nas quais o ministério do acolhimento não é apenas recepcionista, embora este serviço seja importante. No texto, procurei evidenciar que o ministério do acolhimento na PLP é um serviço que contempla o primeiro contato e o início da preparação celebrativa.

Serginho Valle
Setembro 2020


12 de set. de 2020

Celebração Litúrgica: experiência de encontro com Jesus

O episódio de Jesus Cristo com a samaritana, narrado por João (Jo 4,5-42), tem as características de uma celebração do encontro de Deus com a humanidade. Jesus acolheu a samaritana com seus pecados e seu modo de entender sua relação com Deus. Um acolhimento que fez da samaritana a porta para Jesus entrar na comunidade onde ela morava. Foi depois de uma celebração acolhedora e vivencial que a comunidade de Sicar conheceu e acolheu Jesus e o Evangelho. No final eles diziam: “já não cremos porque você nos falou, mas porque nós mesmos vimos suas obras” (Jo 4,42).

A experiência de encontro com o Senhor é o ponto alto de nossas celebrações. Uma celebração é bonita, animada, cheia de unção quando favorece a experiência com o Senhor, quando leva os celebrantes a envolverem-se com o Senhor a ponto de assumir o projeto de Jesus Cristo e os valores do Reino de Deus.

 

Levar Jesus para dentro da comunidade

          Mas, eis um ponto que merece atenção. Em que consiste, do ponto de vista litúrgico, fazer experiência de Jesus Cristo? Um descuido nesse sentido poderá provocar celebrações sentimentais, valorizando o alívio sentimental provocado por músicas, abraços, fechar os olhos, dançar, luzes de penumbra, mensagens... Tudo isso tem seu valor e pode servir como porta para o encontro com Cristo; o problema está quando isso não evolui para a vida concreta, quando a experiência não é partilhada na comunidade, como fez a samaritana.

Que a celebração emociona, não resta dúvida. A samaritana ficou tão emocionada com o encontro de Jesus que saiu correndo contando e convidando todos para conhecer Jesus. Aquele momento de contentamento ou de consolo emocional transformou-se em testemunho de anúncio e em convite para conhecer Jesus e o Evangelho.

Em Sicar, o encontro dos samaritanos foi com o Jesus histórico, que podia ser visto e tocado. Na Liturgia, o encontro com Jesus acontece com símbolos, sinais, gestos e pessoas. Professamos que o Senhor está no meio de nós repetindo várias vezes: “Ele está no meio de nós.” Pois bem, o desafio maior não está em crer na presença de Cristo na Liturgia, mas em tornar nossas celebrações encontros e experiências vivas com o Senhor, a ponto de tornarem a porta para o Senhor entrar e se tornar presente na comunidade.

 

Experiência pela vida dos celebrantes    

Na celebração do encontro de Jesus com a samaritana, o contexto celebrativo daquele encontro envolvia a sede, a necessidade de tirar água do poço e o contato com a vida da samaritana. Jesus atingiu a vida da samaritana. Depois, Jesus entrou na cidade e ali “ficou com eles dois dias” (Jo 4,40). Existe o contexto celebrativo da comunhão entre Jesus com o povo da cidade. O povo comungou a presença viva de Jesus na comunidade. Uma comunhão que não ficou parada no poço, não ficou parada na Missa celebrada na Igreja; foi para o meio do povo. A experiência só pôde acontecer na vida dos samaritanos porque Jesus entra na comunidade. Não o ouvir falar, mas o acolher e o conviver com Jesus. Eis o grande desafio de nossas celebrações.

Jesus está presente em nossas celebrações; este é um aspecto. É importante considerar outro aspecto: aquele que produz, do encontro com Jesus Eucarístico, encontro com o Jesus na fraternidade: “tudo que fizeres ao menor dos meus irmãos é a mim que fazeis” (Mt 25,40). Do mesmo modo como Jesus e a comunidade de Sicar se acolheram mutuamente, do mesmo modo como Jesus entrou na comunidade de Sicar, assim nossas celebrações litúrgicas contém a dinâmica de favorecer o encontro com Jesus Cristo e, igualmente, enviar e favorecer o encontro com o mesmo Jesus Cristo presente no próximo.

É importante reconhecer que nossas celebrações contém a dinâmica, quer dizer, a força para favorecer a experiência com Cristo e enviar os celebrantes a assumir o compromisso pelo Reino de Deus na vida da comunidade. Caso isso não aconteça com as celebrações é importante avaliar porque a dinâmica não está produzindo o mesmo efeito que produziu na vida da samaritana, de voltar à comunidade para testemunhar fraternalmente a presença de Jesus. O desafio é justo, pois seja no poço de Sicar como na celebração litúrgica “ele está no meio de nós!”

Serginho Valle

Agosto de 2020

 

 

 

5 de set. de 2020

Matrimônio: sacramento da aliança com Deus

A Bíblia, em várias passagens, compara a aliança entre Deus e a humanidade a um casamento. Vários profetas se serviram do casamento para mostrar o amor de Deus para com povo. Oséias, um dos primeiros a usar a imagem do casamento como símbolo da aliança entre Deus e o povo, casa-se com uma prostituta para evidenciar a traição da aliança da parte do povo (Os 1,1-12)0. Mesmo conhecendo a traição de Gomer, Oséias continua amando-a; sinal do amor fiel, da parte de Deus, pelo povo que havia se prostituído com ídolos e falsos deuses (Is 1,21; Jr 2,2; Ez 16; Ez 23).          

O símbolo da aliança de Deus com seu povo também tem seu lado positivo. Ao ver seu povo errante, Deus promete “desposá-lo” com a mesma alegria de um noivo apaixonado para que nunca mais seja considerado desamparado e não amado. “Assim como um jovem desposa uma jovem, assim eu te desposarei, diz o Senhor” (Is 62,4-5).

Jesus, na conversa com a samaritana, também compara o casamento à aliança com Deus (Jo 4,1-26. Aquela mulher, a exemplo de Gomer, tornou-se símbolo de um povo que abandonou a aliança com Deus para buscar a vida em outros deuses, na idolatria. Por isso, não tinha marido; não tinha um compromisso de vida, não tinha uma aliança de amor com quem lhe podia amar verdadeiramente e trazer felicidade para sua vida.

A comparação do casamento como sacramento da aliança do povo com Deus inicia o anúncio do Reino comparando a presença do Messias no meio do povo a uma festa de casamento (Mt 22,1-14) e define-se, ele próprio, como o esposo (Jo 3,29) para demonstrar que a aliança com Deus se realiza plenamente na sua pessoa. Não é sem motivo que João tenha localizado o início dos sinais de Jesus numa festa de casamento, em Caná (Jo 2,1-22). Mais tarde, São Paulo tratará do mesmo tema em vários textos, como por exemplo: 2Cor 11,2; Ef 5,25-33. Por fim, João como que fecha a relação matrimônio-aliança anunciando a consumação da aliança nas bodas eternas, em Ap 21,2.  

 

Celebrar o Matrimônio como profecia na sociedade

Até mesmo com uma exposição simples e rápida, como estou propondo, é possível compreender que a Liturgia do Matrimônio continua sendo celebração profética da renovação da aliança da humanidade com Deus. A Pastoral Litúrgica e a Liturgia Pastoral tem o dever de ficar atentos para que esta fundamentação Bíblico-teológica fica escondida em ritos sociais quase sempre teatralizados, sem respaldo Bíblico e espiritual.

A aliança com Deus pode ser descrita nestes termos: Deus se declara o único Deus do povo e o povo o aceita, rejeitando tudo o que for idolatria e falsos deuses. A celebração matrimonial, em tal contexto, é celebração profética, é celebração de fidelidade de Deus para com o povo representada e juramentada em aliança na vida de um homem e de uma mulher. Em cada Matrimônio celebrado na Liturgia, o casal é abençoado com o dom do amor, com a graça da transmissão da vida. Dom do amor e transmissão da vida são as consequências de quem vive na fidelidade à aliança com Deus.

Em cada celebração matrimonial, a Igreja e toda a sociedade encontram-se diante da mesma profecia, iniciada no início, a favor da fidelidade que só pode acontecer no amor e pelo amor em vista da geração da vida. Cada celebração matrimonial é a renovação da proposta divina de continuar desposando o seu povo e, ao mesmo tempo, compromisso humano de continuar fecundando a terra com a vida. Tudo isso com a bênção protetora e amorosa de Deus.

Esta dimensão do Matrimônio como sacramento de fidelidade da aliança entre Deus e a humanidade encontra-se no rico Lecionário do Rito Matrimonial. Disso a importância de ajudar os noivos a tomar conhecimento da realidade sacramental de suas vidas vivenciada na fidelidade. A preparação próxima da celebração do casamento, além de prever os detalhes rituais, poderá contar com uma reflexão Bíblica de um texto do Lecionário do Ritual do Matrimônio. Reflexão a ser feita com os noivos e com quem presidirá a celebração Matrimonial.

Serginho Valle

Agosto de 2020

 

 
 

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