17 de abr. de 2021

Motu proprio Spiritus Domini

 

O Motu Próprio Spiritus Domini, de Papa Francisco, publicado em 10 de janeiro de 2021, sobre a mudança do cânone 230 do Código de Direito Canônico, é uma norma disciplinar litúrgica referente aos ministérios do leitorato e do acolitato.

Não podemos negar que, de certo modo, trata-se de formalidade disciplinar, uma vez que o ministério do leitorato e do acolitado já são exercidos há anos por mulheres em toda a Igreja. No Brasil, esta é uma práxis comum, natural, na Pastoral Litúrgica de nossas comunidades.

O que é alterado, com o motu proprio de Papa Francisco, é o cânone 230, do Código de Direito Canônico. O cânone 230 inicia-se dizendo:

 

 “§1. Os leigos varões que tiverem idade e as qualidades por decreto da Conferência dos Bispos, podem ser assumidos estavelmente, mediante o rito litúrgico prescrito, para os ministérios de leitor e de acólito.”

 

A mudança, a partir do motu proprio de Papa Francisco, é a exclusão do termo “leigos varões”, exclusão da palavra “varões” (homens). O novo texto passa a ser redigido desse modo:

 

“Os leigos que tiverem a idade e as aptidões determinadas com decreto pela Conferência Episcopal, podem ser assumidos estavelmente, mediante o rito litúrgico estabelecido, nos ministérios de leitores e de acólitos; no entanto, tal concessão não lhes atribui o direito ao sustento ou à remuneração por parte da Igreja.”

 

O texto modificado mantém o critério e a condição da idade. O que significa? Que existe uma idade própria para o leitorato e acolitato? Inúmeras comunidades têm crianças exercendo o ministério do leitorato e, neste caso, elas poderão continuar no exercício desta atividade? Quanto ao acolitato, a idade leva a entender que seja exercido por jovens de caminhada e adultos.

 

Ministérios conferidos pela Igreja

É preciso notar que, no caso do leitorato, não se trata, unicamente de “fazer leituras” nas celebrações litúrgicas. O ministério do leitorato é mais amplo e seu exercício ministerial não se limita unicamente à Liturgia da Palavra. O foco está na importância que a Igreja dá ao leitor, a ponto de criar um ministério instituído. Não se improvisam leitores, escolhendo-os antes da celebração e nem se escolhem leitores “democraticamente”, como se diz, perguntando antes da celebração: alguém quer fazer uma leitura? O leitor é um ministério importante que implica não somente a leitura, mas o modo de viver. Quer dizer, vida coerente com aquilo que lê, com aquilo que proclama na celebração diante da assembleia. Além disso, o leitor instituído tem funções extras celebrativas, na catequese, por exemplo, em celebrações devocionais...

Tais elementos — entre outros — indicam que a escolha de alguém para exercer o ministério de leitor precisa levar em conta a idoneidade moral. O critério do ministério do leitor não está na oratória, isto é básico, mas no exemplo de vida cristã.

Quanto ao acolitato, este não tem nada a ver com coroinha. Hoje, muitos padres e leigos atuantes na Pastoral Litúrgica, inexplicavelmente — especialmente da parte de padres — confundem o ministério de ajudante do altar com o ministério de acólito.

O coroinha não é acólito. Ele exerce seu ministério como servidor do altar. O Acólito, comparando, exerce as atividades que os Ministros da distribuição Eucarística realizam na maior parte das nossas comunidades. O acólito, além de ajudar na celebração Eucarística, tem como função do seu ministério a distribuição da Eucaristia na Missa, como também levar a comunhão Eucarística para doentes e idosos.

 

Sinalização para outros ministérios

Vários teólogos e liturgistas consideram que o motu próprio Spiritus Domini aparece como sinalização de abertura para outros ministérios femininos, como o diaconato permanente, que já está em estudo na Igreja, desde o início do Pontificado de Francisco.

Causa estranheza comentários ao motu próprio relacionados a “igualdade de poder” entre homens e mulheres na Igreja. O motu próprio não está equiparando poderes, mesmo porque isso seria ridículo, em termos de Teologia Ministerial. O foco da paridade entre homens e mulheres encontra-se no Batismo (Gl 3,28). Isto vale tanto para a essência da vida cristã como para as atividades ministeriais, salvo aquelas em ordem disciplinar canônicas, como é o caso das ordenações.

O motu próprio, além das discussões acadêmicas, é uma oportunidade pedagógica para valorizar o leitorato e o acolitato em nossas comunidades. Lembrar, por exemplo, que a Liturgia da Palavra não é um rito de leituras, mas é celebração proclamadora da Palavra de Deus que, em tese, deve ser proclamada por quem a Igreja considera digno de exercer tal atividade pela coerência entre aquilo que vive e a Palavra que proclama. Da mesma forma, o exercício do acolitato orienta para a importância da Eucaristia na vida da comunidade, considerando especialmente a necessidade de distribuí-la entre aqueles que não podem se fazer presente na celebração Eucarística comunitária.  

Serginho Valle

Fevereiro de 2021

 

3 de abr. de 2021

Espiritualidade sacerdotal

 


A dimensão espiritual do sacerdócio, do ponto de vista litúrgico, encontra-se nos três graus do sacramento da Ordem: diaconal, presbiteral e episcopal. Em cada um destes graus existe um modo próprio de viver a espiritualidade cristã, viver o discipulado. Na Oração consacratória, encontramos algumas características próprias da espiritualidade em cada um dos graus da graça sacerdotal.

          O diaconato alimenta-se da espiritualidade do serviço, a exemplo de Cristo que veio para servir e não ser servido (Mt 20,28). O presbítero alimenta-se da espiritualidade missionária e evangelizadora, “para que as palavras do Evangelho cheguem aos confins da terra e os povos se tornem um só povo de Deus” (oração consacratória da ordenação presbiteral). No grau episcopal, a espiritualidade do bispo caracteriza-se pela total e absoluta dedicação ao rebanho da Igreja, a exemplo de Cristo Pastor e seja “pela mansidão e pureza de coração, uma oferenda agradável” a Deus (cf. Oração consacratória da ordenação episcopal).

          Em qualquer grau do sacerdócio, a Liturgia da ordenação tem um elemento comum: o sacerdote é chamado a viver sua espiritualidade configurando-se a Cristo, dedicando sua vida de modo pleno e total à evangelização para que o “mundo creia”, para que o mundo viva os valores do Reino de Deus e se encontre com a Salvação que Deus concede por seu Filho Jesus. Vive-se esta dimensão da espiritualidade no mesmo amor oblativo de Jesus Cristo, alimentando-se da Eucaristia e da oração para a glória de Deus e para o bem do povo, na profundidade e na dinâmica que cada uma dessas palavras representa na teologia da Igreja.

O alimento espiritual é idêntico em todos os estágios existenciais: é o alimento da Palavra de Deus, Eucaristia, oração, ascese, etc.... Mas, aqui o destaque é para que a glória de Deus se faça presente no mundo (Cf. Jo 1,14) e isso dentro da dimensão joanina, que apresenta Jesus Cristo como a luz do mundo e luz para o mundo (Jo 3,19; 8,12). No contexto da Teologia e espiritualidade joanina, a vida sacerdotal é uma vocação dedicada ao serviço do povo, para que Jesus seja o caminho, a verdade e a vida do mundo (Jo 14,16), para que Jesus a porta que dá acesso ao Pai (Jo 10,9), para que o mundo creia que somente nele, em Jesus Cristo, o homem e a mulher encontrem sentido existencial. A espiritualidade sacerdotal deve inundar o sacerdote (diácono, padre ou bispo) desta verdade a ponto dele não lhe pertencer, mas, a exemplo de Paulo, ser todo de Cristo e de Cristo nele vivendo plenamente (Cf. Ef 3,8-9; Rm 14,17; Gl 2,20).

Estes elementos, citados aqui de modo indicativo, se fazem presentes no rito litúrgico da Ordem, nos três graus, e indicam um programa de vida e um sentido existencial para quem responde a esta vocação.

Serginho Valle

Abril de 2021

 

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