Os ritos iniciais compreendem desde a procissão de
ingresso até a coleta (oração do dia). São ritos caracterizados pela
simplicidade e pela brevidade, com a finalidade de introduzir os celebrantes no
contexto celebrativo próprio de cada celebração, através do acolhimento, da purificação
interior, do louvor e da súplica. Isto diz respeito particularmente os ritos
inicias das Missas Dominicais.
Quanto ao espaço musical, a tradição litúrgica reserva
três canções para os ritos iniciais: a canção que acompanha a procissão de
ingresso, o canto laudativo do Kyrie eleison e o canto da glorificação inicial,
com a doxologia do “Gloria in excelsis”. Isto é bem visualizado nas celebrações
pontifícias, especialmente aquelas celebradas no Vaticano e nas celebrações
solenes de algumas catedrais e abadias. Algumas comunidades paroquiais também
criaram o costume de realizar uma Missa solene aos Domingos, que conserva tal
estrutura.
Canto
inicial ou de abertura
O canto inicial tem a finalidade de acompanhar a
procissão dos ministros. Não é um canto de acolhimento dos ministros, como
teimosamente muitos insistem em seus convites de “ficar de pé para, cantando,
acolher o padre e seus ministros”. Sobre isto, convido para ler o meu artigo “Acolhamos
o celebrante”, publicado aqui, neste blogue.
O
canto inicial é uma canção introdutória da celebração, escolhida a partir da
antífona de entrada ou da Palavra do dia, ou ainda, da memória festiva ou
solene da celebração. Desta canção
participam todos os celebrantes presentes na igreja, juntamente com os
ministros. Ambos representam a Igreja caminhando em procissão ao encontro do
Senhor Jesus, presente no altar. Neste sentido, uma das características do
canto inicial é o de ser uma canção processional. Do ponto de vista
comunicativo, o bom senso pede que seja uma canção pouco ritmada e calma, para
não prejudicar a serenidade própria dos ritos iniciais e não cansar os
celebrantes antes mesmo da celebração iniciar.
Kyrie
eleison
Quanto ao Kyrie, trata-se de uma canção laudativa com
caráter proclamativo. Serve para louvar e proclamar o Senhorio (Kyrie) e a
unção divina de Jesus pelo Espírito. Proclama-se que Jesus é o Kiryos (o Senhor)
e o ungido (Christós) do Pai. Não se equipara, portanto, com a invocação “Senhor,
tende piedade de nós”, como sugere (na tradução portuguesa) a um canto
penitencial. Trata-se de um canto de exaltação da parte da assembléia que
reconhece Jesus como Senhor e como Cristo, o ungido de Deus. Equivocam-se,
liturgicamente falando, aqueles que cantam somente o “Senhor tende piedade de
nós” como canto penitencial, uma vez que não é canto penitencial. Torna-se
penitencial quando acompanhado de uma súplica penitencial. Esta é, digamos, uma
“confusão” iniciada a partir da reforma do Vaticano II, com a inclusão de ritos
penitenciais invocativos com o “Senhor, tende piedade de nós” e, inclusive
omitindo o Kyrie, quando assim ocorre. Hoje, a confusão aumenta com composições
que cantam o original Kyrie e Christe no ato penitencial.
A confusão pode ter origem na súplica que intercede a
piedade divina. Ora, esta piedade não pode ser traduzida unicamente em função
das faltas cometidas pelos celebrantes. A piedade divina é um modo com o qual
Deus nos ama com amor misericordioso. Invocar a piedade divina é nos colocar na
condição de criaturas, que reconhece a piedade divina presente no Senhorio de
Jesus Cristo (Kyrios), aquele que foi ungido pelo Espírito Santo de Deus
(Christos). Esta dimensão criatural, que canta o Kyrios de Jesus Cristo, é
facilmente percebida na melodia solene de tantos tons gregorianos.
Glória
in excelsis
O canto do glória tem a peculiaridade de ser um rito
próprio de glorificação a Deus, no início da celebração. É também um modo de
adorar a Deus, glorificando-o em sua santidade e reconhecendo que somente Deus
é Deus e não existe nenhum outro além dele.
A
Igreja propõe no Missal uma única forma de glória — o “Gloria in excelsis Deo”
(Glória a Deus nas alturas) — mas aceita outras fórmulas que se equiparem a
esta, desde que sejam devidamente aprovadas pelas Conferências Episcopais e, em
alguns casos, por Roma. Algumas canções usadas atualmente neste rito nem sempre
são litúrgicas. Hoje, alguns liturgistas defendem outras fórmulas de louvor
inicial, mas ainda sem a aprovação de Roma.
Tanto
o Kyrie, entendido como canto de louvação ao Senhorio de Jesus Cristo, como o
glória, enquanto canto de glorificação, caracterizam os ritos iniciais como
ritos que introduzem os celebrantes diante de Deus, reconhecendo com seus
louvores e glorificações que estão diante de Deus. Neste sentido, não tem nada
a ver com cantos de animações, pois são orações laudativas.
Outras
canções
Entre nós, aqui no Brasil, foram introduzidas outras
canções nos ritos iniciais, como o Sinal da Cruz e o ato penitencial. Somadas às
três comentadas acima, todo o rito inicial pode ser musicado, incluindo a
saudação inicial do padre e a coleta que conclui os ritos iniciais. É uma
possibilidade também presente no Missal Romano e por isso viável para os ritos
iniciais. Mas, me permitam algumas considerações.
A primeira é quanto ao número de canções que, quando
excessivas, do ponto de vista da comunicação litúrgica, não cumpre a finalidade
dos ritos iniciais. O princípio da comunicação litúrgica, nos ritos iniciais, é
introduzir os celebrantes no Mistério que será celebrado. Como dito acima,
entende-se que tal introdução favoreça o silêncio, a calma e a tranqüilidade. O
excesso de músicas pode provocar a dispersão e o cansaço, o que não é
conveniente no início de um processo comunicativo como o da celebração
litúrgica da Missa. Por isso, em algumas assembléias pode-se acrescentar uma ou
mais canções, mas em outras, como em assembléias de crianças, por exemplo, isso
não é recomendado.
Outra consideração é quanto ao estilo de música. Se
entendemos a finalidade dos ritos iniciais, as músicas mais apropriadas para
este momento são aquelas menos agitadas e com um tom capaz de acalmar em vez de
movimentar e agitar. Por isso, bater palmas, introduzir danças e coreografias
podem prejudicar o andamento geral da celebração, além de estender os ritos
iniciais (breves por natureza) a um tempo desproporcional e prejudicial ao
equilíbrio celebrativo.
Minha terceira consideração é quanto ao modo de
instrumentalizar as canções. Refiro-me principalmente ao canto do ato
penitencial, acompanhado de pandeiros, baterias e tambores. É um momento
orante, de súplica de perdão, que deve ser respeitado pelos instrumentistas,
facilitando a oração dos celebrantes com uma canção e com instrumentos
adequados. Pandeiros, tambores e baterias servem, nos ritos iniciais (se bem
tocados), para o canto de entrada e do glória, não para o ato penitencial, por
exemplo.
Conclusão
Os ritos iniciais são caracterizados como breves e
introdutórios à celebração. Por isso, recheá-los de canções é um modo de
torná-los pesados e seu prolongamento prejudica o equilíbrio temporal da
celebração, quebrando, desde o seu início, o ritmo de toda a celebração.
(Serginho Valle)