22 de jun. de 2024

João Batista: da fogueira à Liturgia

A Igreja dedica atenção especial àquele que foi definido por Jesus como "o maior entre os nascidos de mulher" (Mt 11,11), apresentando-o como modelo de fidelidade ao projeto divino. A figura de João Batista, desde seu nascimento, tem causado admiração e medo.

 Hoje, a figura de João Batista inspira festejos populares com as festas juninas, nem sempre motivadoras ao modelo de vida cristã inspirado na vida de São João Batista. O que acontece, em certo aspecto, é um retorno ao sentido paganizado das fogueiras no início do verão europeu antes que a Igreja cristianizasse o significado das fogueiras.

 As fogueiras de São João
A fogueira é uma tradição de longos séculos, especialmente na Idade Média, como sinal inequívoco de que o verão europeu tinha começado. O acendimento da fogueira é um acontecimento antigo que, na Idade Média, ganhou grande popularidade. O acendimento de fogueiras, de origem pagã, é uma das comemorações que foi cristianizada pela Igreja. Recebeu um significado cristão. A Igreja inspirou-se no costume do povo Bíblico de acender uma fogueira para anunciar o nascimento de uma criança, como teria sido a circunstância do nascimento de João Batista.

 É assim que nasce a fogueira de São João, da Suécia à Itália, da Espanha à Grécia, e em muitas regiões de quase todo o Continente Europeu. Com a cristianização do significado dado à fogueira, espalhou-se o costume, entre camponeses e citadinos, acender grandes fogueiras nas colinas ou nas praças, para festejar São João Batista. Ao redor da fogueira dançava-se, cantava-se e partilhava-se comidas típicas da época.

 Hoje, parece que assistimos um movimento contrário na compreensão das festividades juninas. O costume de acender a fogueira continua, as celebrações festivas também continuam, mas o comércio e o turismo transformaram o sentido original dado pela Igreja: em vez da partilha gratuita, que deveria caracterizar festividades cristãs, a comercialização de uma tradição cristã para lucrar.

 Admiração e Medo 
Deixando a fogueira na praça e entrando na igreja para celebrar a Liturgia da Solenidade de São João Batista, dois sentimentos aparecem na proclamação do Evangelho da Missa do Dia: admiração e medo. A "admiração" aparece na reação dos parentes e vizinhos de Zacarias e Isabel. A gravidez de Isabel, idosa e estéril, é fisiologicamente inexplicável; suscita surpresa, espanto, admiração. A escolha do nome João, rompendo com a tradição familiar de onomásticos, e a recuperação da voz de Zacarias, adicionam camadas de maravilhamento ao evento; novamente a admiração. Todo o nascimento de João está envolto em admiração. Uma Liturgia, portanto, para despertar nos celebrantes encanto, surpresa e admiração.

 O segundo sentimento, "medo", aparece na reação dos vizinhos de Zacarias e Isabel. É o medo em forma de “temeridade” que expressa respeito e reverência diante do inexplicável, diante da presença divina que ultrapassa o entendimento humano. É o “temor” diante do divino — temor divino — que não promove distanciamento, mas aproximação, silêncio e adoração.  

 O espírito da Liturgia celebrado na Solenidade de São João Batista é uma celebração que conduz os celebrantes ao louvor, ao silenciamento adorante diante da admiração e do temor divino ao reconhecer que “a mão do Senhor estava com ele” (Evangelho do Dia).

 João foi preparado por Deus

Existe outro detalhe interessante: o significado do nome “João”. O nome João não era comum na família de Zacarias e Isabel, por isso causou surpresa entre parentes e vizinhos. João significa "Deus é cheio de graça" ou, numa outra forma de compreender, o nome João significa: "ele é agraciado por Deus". O nome revela quem é João Batista: alguém que tem a graça divina em sua vida. Zacarias e Isabel sabiam que seu filho, nascido na velhice do casal, tinha uma bênção, era um agraciado especial por Deus.

 A tradição bíblica dedica grande importância ao nome da pessoa. Na Bíblia, o nome revela a personalidade e, em muitas situações, revela missão de uma pessoa vocacionada por Deus. No caso, o segundo nome: “Batista”.  Tem o significado de “batizador”. Por isso, o nome João Batista significa “João Batizador”, João, aquele batiza. Nisto consiste um aspecto da missão de João: ser precursor do Messias batizando um batismo de penitência.

 Os dois nomes, João e Batista demonstram que ele foi escolhido por Deus, foi vocacionado, para uma missão. No contexto litúrgico, a missão de João Batista desde o seio materno, é proclamado no salmo responsorial: “fostes vós que me formastes e no seio de minha mãe tecestes.”

João Batista conhecia sua missão: dedicar sua vida como precursor de Jesus Cristo, o Messias prometido. Sua humildade e clareza de missão são evidenciadas quando se declara não digno de desatar as correias das sandálias do Messias (Jo 1,27). Celebrar o nascimento de João Batista, neste terceiro aspecto, é reconhecer sua fidelidade ao projeto divino e seu papel como aliado desse projeto.

Conclusão 

Liturgia ou fogueira? As duas celebrações podem conviver, especialmente quanto as festividades populares são capazes de fraternizar a comunidade através da partilha da mesa. Uma bela e alegre celebração da Solenidade de São João Batista pode ser concluída com uma bela fogueira para congregar e fortalecer a amizade entre os membros da comunidade.

Serginho Valle

Junho 2024

 

15 de jun. de 2024

A qualidade das celebrações na PLP

 

O conceito de “qualidade celebrativa” na Pastoral da Liturgia e na Pastoral Litúrgica é ainda pouco considerado em muitas comunidades paroquiais. Em outro artigo, intitulado “A Missa bonita”, acenei que a beleza da Missa não está em atrativos e, algumas vezes, em penduricalhos usados nas celebrações. A beleza da celebração consiste em conduzir os celebrantes ao encontro do Senhor e, do ponto de vista mistagógico, iniciá-los na estrada do discipulado.

 

Este objetivo, totalmente pastoral e plenamente evangelizador, não se sustenta sem um planejamento adequado e sem uma estrutura pastoral que dê suporte para realizar celebrações, não somente da Missa, mas de todos os Sacramentos e Sacramentais, de modo evangelizado e evangelizador. É aqui que entra minha proposta de PLP — Pastoral Litúrgica Paroquial — e a proposta da dimensão Pastoral DA Liturgia.

 

O planejamento da PLP, quando bem estruturado, fortalece a vida da comunidade por meio de celebrações litúrgicas significativas, e isso significa celebrações evangelizadas, capazes de comprometer existencialmente cada celebrante com o Evangelho e com o testemunho evangelizador. A qualidade das celebrações, facilmente se compreende, é fundamental para alcançar os objetivos pastorais e espirituais desejados para o bem de cada celebrante, em particular, e para a eficácia pastoral de toda a comunidade paroquial. Na prática, é o exercício da Liturgia como fonte de todas as atividades da Igreja e da comunidade (SC 10).

 

Importância da qualidade litúrgica

A qualidade das celebrações litúrgicas é vital para a vida comunitária. Celebrar com qualidade significa garantir que todas as dimensões da Liturgia — dimensão orante, dimensão comunicativa, dimensão evangelizadora, dimensão escatológica, dimensão pastoral, evidentemente — sejam devidamente valorizadas. Isto acontece de modo harmônico. O modo para isso se realizar passa pelo cuidado comunicativo — pela qualidade comunicativa — de cada celebração, não somente da Missa, mas celebrações de todos os Sacramentos e Sacramentais.

 

Isso significa zelo e cuidado com a música, a homilia, a preparação do espaço, a condução e animação para participação ativa dos fiéis. O resultado da qualidade celebrativa litúrgica é proporcionar a experiência espiritual, de modo participativo e em forma de comunhão, entre os celebrantes.

 

Elementos da qualidade celebrativa

De modo bem pontual, em formato de anotação, sugiro 4 elementos que favorecem a qualidade celebrativa. Elenco somente 4 elementos (consciente de ser uma lista incompleta) para abrir oportunidade de você adicionar outros elementos que valorizam e contribuem para a qualidade celebrativa.

 

Repito: entendo que a qualidade celebrativa é aquela que proporciona experiência pessoal de encontro com o Senhor na Palavra e no Sacramento, aquela que contribui para o crescimento espiritual dos celebrantes e aquela que favorece celebrações evangelizadas e evangelizadoras, capazes de, Domingo após Domingo, no caso do “Ano Litúrgico” celebrado mistagogicamente nas Missas Dominicais, comprometer os celebrantes com o projeto divino do Reino de Deus, através do discipulado. Segue minha lista de elementos que contribuem para a qualidade celebrativa:

 

1.      Qualidade comunicativa: As celebrações devem ser simples, breves, objetivas nas mensagens e, por isso, compreensíveis. O modo de usar cada uma das linguagens que compõem a comunicação litúrgica deve ser realizado com arte para que a mensagem seja transmitida de forma eficaz.

 

2.      Espiritualidade litúrgica: As celebrações devem ser momentos de profundo encontro com Deus. Isso exige uma preparação espiritual adequada, tanto dos ministros quanto da comunidade. A qualidade espiritual não se improvisa e nem se substitui com atitudes emocionadas ou motivacionais.

 

3.      Dimensão pedagógica: Desde o início do cristianismo, a Igreja celebrou a Liturgia de modo pedagógico. Prova disso é a Liturgia da Palavra no decorrer do Ano Litúrgico. O conhecimento da pedagogia mistagógica, própria da Liturgia, é de suma importância para qualificar as celebrações litúrgicas. Não é uma pedagogia catequética, mas mistagógica, iniciática, pastoralmente condutora dos celebrantes na estrada de Jesus.

 

4.      Dimensão comunitária: A celebração litúrgica é um meio eficaz de comunicação entre Deus e a comunidade. As celebrações litúrgicas, inclusive a celebração Penitencial, não se caracterizam como individualistas, mas comunitárias. São celebrações eclesiais, da comunidade eclesial. A qualidade celebrativa fortalece espiritualmente e fraternalmente a comunidade.

 

Conclusão

A qualidade das celebrações litúrgicas é essencial para o crescimento espiritual da vida cristã pessoal, de cada qual que participa da comunidade, e para o crescimento da vida cristã da comunidade. Para isso, como dizia no início deste artigo, existe a necessidade de planejamento cuidadoso e de preparação espiritual para ajudar os celebrantes a terem, em cada celebração, um verdadeiro encontro com Deus, enriquecendo sua vida pessoal e fortalecendo toda a comunidade.

 

Sobre este tema, indicando fundamentos e orientações de como organizar a PLP — Pastoral Litúrgica Paroquial —, para que as celebrações sejam qualificadas, quer dizer, sempre mais evangelizadas e evangelizadoras, proponho dois cursos. Um curso introdutório, chamado Pastoral DA Liturgia, e um curso mais técnico propondo a organização da PLP, da Pastoral Litúrgica Paroquial. Estou deixando os dois links para você entrar em contato e ter mais informações.

 

Pastoral DA Liturgia — https://lp.liturgia.pro.br/pastoral-da-liturgia
PLP – Pastoral Litúrgica Paroquial — https://lp.liturgia.pro.br/plp1

 

Serginho Valle

Junho 2024

 

8 de jun. de 2024

A Importância dos Ministérios na Liturgia Eucarística

 

A Liturgia Eucarística é um momento central na vida da Igreja Católica, durante a qual, a comunidade se reúne fraternalmente com Jesus Cristo para celebrar o Mistério da Fé. Dentre tudo aquilo que compõe uma celebração, a ministerialidade exerce papel imprescindível na ação celebrativa.

 Por ministério, ou ministérios, se entende os diversos serviços e funções desempenhados por homens e mulheres durante a Missa. O Missal, por exemplo, um dos Livros Litúrgicos usados na celebração da Missa, não é apenas um guia para o padre, é um instrumento que envolve todos os participantes na Eucaristia e, no nosso caso, um livro que destaca a importância, a finalidade e a função de cada ministério no decorrer da celebração. Sobre o Missal Romano, gravei cinco palestras relatando a História do Missal Romano, a espiritualidade presente no Missal Romano e outros temas. Para conhecer mais, clique no link:  https://lp.liturgia.pro.br/missal-romano

Os Ministérios na Celebração Litúrgica
Existe uma diversidade de ministérios litúrgicos e cada qual desempenha um papel específico e funcional na celebração litúrgica de todos os Sacramentos. No caso da Missa, entre os ministérios principais, em primeiro lugar, encontra-se o presidente da celebração do bispo ou do padre. Além da presidência, existe o ministério diaconal (exercido pelos diáconos), o ministério do leitorato (dos leitores), do acolitato (acólitos), o ministério da música (músicos), o ministério dos ministros da distribuição Eucarística. Além destes, há também ministérios menos visíveis, mas igualmente importantes, como o ministério da acolhida, que recebe e se despede dos celebrantes no começo e no final da Missa, o ministério da ornamentação do espaço litúrgico e outros tantos mais ministérios, o ministério do serviço ao altar, exercido por coroinhas, na grande parte crianças e adolescentes.

 A Instrução Geral do Missal Romano (IGMR) enfatiza que os ministérios não são opcionais — no sentido que podem ou não ter — mas são parte integral da celebração litúrgica. A Missa não é completa apenas com a presença do padre. A Missa é celebrada com a participação ativa de diversos ministérios. É neste conjunto ministerial, de vários ministérios atuando durante a celebração, que podemos ver na celebração Eucarística a “epifania da Igreja”, quer dizer, a manifestação viva de uma Igreja totalmente ministerial e dedicada ao serviço divino, ao serviço da “opus Dei”, como se diz em latim.

O Conceito de Ministério
A palavra "ministério" deriva do latim "minus", que significa “o menor”, indicando que o ministro é aquele que se faz o menor para se colocar a serviço dos celebrantes na assembleia litúrgica. Na Liturgia, os ministros exercem cada um seu ministérios inspirando-se em Jesus Cristo, que veio para servir e não para ser servido (Mt 20,28). Por isso, a exemplo de Jesus, o ministério litúrgico é um serviço realizado com humildade e dedicação, refletindo e deixando transparecer, na e pela atitude do ministro, o exemplo de Jesus Cristo servidor, como acontece no gesto do lava-pés (Jo 13).

 É em tal contexto que jamais se pode admitir que alguém se sirva de um ministério na Igreja e o transforme em plataforma para promoção pessoal. O ministério nunca é para o bem pessoal (embora se beneficie pela graça no exercício do seu ministério), porque todo ministério, por mais simples que seja, é chamado para a doação da própria vida em serviço aos outros. Cada ministério, em tal contexto, é um dom espiritual destinado à edificação da Igreja, como ensina São Paulo na Primeira Carta aos Coríntios (1 Cor 12).

 Tudo isso, leva-nos a compreender que a Liturgia é mais do que uma “cerimônia” estática. A Liturgia, como diz sua terminologia, é uma atividade (ergon) em favor do povo e em forma de serviço; em forma de vários serviços, dizendo melhor. Não é um espetáculo, é uma celebração ministerial, pela qual Jesus Cristo continua exercendo seu ministério de diácono do Pai através de cada um dos ministérios exercidos no decorrer da celebração.

Conclusão
O exercício da ministerialidade na Liturgia Eucarística é fundamental para que a participação seja plena e significativa na vida de cada celebrante. Cada ministério desempenha um papel único e essencial, contribuindo para a edificação da comunidade e a participação ativa dos fiéis. Através dos ministérios, a Igreja manifesta sua natureza de serviço e amor, refletindo a própria vida de Cristo e a obra da Trindade na celebração litúrgica.

Serginho Valle 
Junho 2024

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