19 de dez. de 2020

Vai ter gente na Missa depois da pandemia?

 Uma pergunta na cabeça de padres e leigos é sobre a frequência da Missa depois da pandemia, no que se está sendo denominado de “novo normal”. Já ouvi de padres a previsão que as Missas Dominicais diminuirão e as Missas semanais ficarão reduzidas a algumas poucas pessoas.

            Refletindo sobre este tema, cardeal Marc Oullet definiu o tempo que a pandemia impediu a participação presencial nas Missas Dominicais como “longo jejum Eucarístico, que levou a perder o hábito da Missa Dominical.” Creio não ofender o cardeal com minha interrogação: será que alguns meses são suficientes para desfazer o hábito da Missa Dominical? Se a resposta for afirmativa, precisamos avaliar quais motivações e qual qualidade de fé inspiram os católicos a participar da Missa.

           

Tempo sabático

            Em vez de colocar interrogações e, pior que isso, gastar tempo fazendo previsões pessimistas, o tempo da pandemia pode ser considerado um tempo sabático obrigatório, convidando-nos a rever atitudes e resultados da Pastoral Litúrgica Paroquial na comunidade. Deste ponto de vista, a pandemia que nos obrigou a fechar as igrejas e impediu as celebrações dominicais é uma espécie de tempo sabático para rever conceitos e avaliar os resultados da colheita. Rever o modo com a Eucaristia é celebrada, a ponto de não causar saudades em muitos católicos, a ponto de muitos católicos não sentirem falta de se alimentarem com a Eucaristia.

            Durante séculos, a Igreja insistiu na importância da Missa Dominical em base a normas jurídicas e morais. Mesmo que isso tenha diminuído em termos de insistência, no sentido de imposição moral para não pecar, o conceito perdura no inconsciente de grande parte dos católicos. Quando a pandemia fez os Bispos suspenderam o preceito, muitos entenderam que o “pecado de perder Missa em Domingos e Dias Santos” não é tão ameaçador como pensavam e assumiram a comodidade de participar da Missa “assistindo-a” na poltrona de sua casa. Isso foi reforçado com padres dizendo que a sala da casa era extensão do santuário ou da igreja paroquial. Concordo com a consolação, mas — naquilo que vi em transmissões de Missas pela televisão e em lives — muitos padres esqueceram de insistir que se tratava de algo provisório. O normal não é “assistir” Missa pela TV, no celular ou tablet, mas participar da Missa na comunidade.

            Em alguns poucos debates que participei, falou-se que a pandemia será como uma peneira, capaz de peneirar quem de fato é católico e conhece o valor da Eucaristia, e quem é “católico cultural”, aqueles que vão à Missa Dominical como parte da cultura religiosa ou do hábito pessoal. Ouvi de alguns o pensamento que a pandemia tirou o compromisso religioso de adolescentes e jovens e, até mesmo de famílias com crianças, no que se refere à iniciação sacramental: Batismo, 1ª Comunhão, Crisma, Confissão...

            Assisti debates que, considerando a diminuição na participação da Missa Dominical pós pandemia, se pergunta: será que a diminuição aconteceu (o vai acontecer) por causa da pandemia ou este seria um processo natural? Seja quais forem os argumentos, o que salta aos olhos é a fragilidade da fé, que pode ser fruto de uma evangelização, catequese e formação cristã deficitária. Li em algum lugar o artigo de um sociólogo da religião que dizia: a pandemia só antecipou o que aconteceria mais cedo ou mais tarde: a diminuição da importância cultural da religião na sociedade.

            “O cristão não vive sem a Eucaristia dominical” dizem escritos da Igreja primitiva. A Eucaristia é o alimento da vida cristã, o que significa dizer que sem Eucaristia a vida cristã desaparece. O fato de se constatar que muitos cristãos não sentem falta da Mesa da Palavra e da Mesa da Eucaristia e, que pós-pandemia, isto seria ainda mais evidente precisa necessariamente tocar a proposta e a atividade da Pastoral Litúrgica Paroquial de cada comunidade.

Serginho Valle

Outubro de 2020

12 de dez. de 2020

Iniciação cristã

 


O neófito ingressa na vida cristã celebrando, celebrando, participando e comungando três Sacramentos: Batismo, Crisma e Eucaristia. Em tempos idos, estes três Sacramentos, conhecidos como Sacramentos da Iniciação Cristã, eram celebrados em uma única celebração. Aquele que se tornaria cristão era batizado, crismado e, na mesma celebração, participava pela primeira vez da Eucaristia.

            Com o passar do tempo e, principalmente devido a falta de formação pelo desaparecimento do catecumenato, os três Sacramentos passaram a ser celebrados em datas diferentes. Hoje, o critério é a idade. Batizar recém-nascidos, 1ª Comunhão para pré-adolescentes (na faixa de 11 anos de idade) e Crisma na adolescência e juventude (na faixa dos 14 anos). Um critério bem estranho para a tradição catecumenal da Igreja.

            Com a reforma da Liturgia, iniciada em 1964, o Concílio Vaticano II restaurou o catecumenato inspirando-se na prática catecumenal do século VIII, quando o catecumenato alcançou seu auge. Mas, as exigências e o despreparado de padres e de catequistas para o acompanhamento de novos catecúmenos não produziu os frutos desejados, salvos raras exceções, ao menos em terras ocidentais. Em países da Ásia, Oceania e África o resultado foi mais promissor.

            No Brasil não foi diferente. Lembro as reações das aulas de Iniciação Cristã e de cursos que ministrei a padres e catequistas. Quando apresentava o RICA — Rito da Iniciação Cristã para Adultos — uma frase explica as reações: “muito bonito e rico, mas praticamente impossível de realizar”. Desânimo antes mesmo de começar. Não havia sequer a tentativa de colocar perguntas do tipo: como podemos fazer isso? Quanto tempo precisaríamos para introduzir a mentalidade do catecumenato em nossas comunidades? Ao contrário, reação regida pela lei do menor esforço: não vai dar certo!  

            Agora, como sabemos, os Bispos do Brasil introduziram a metodologia, a dinâmica e a pedagogia da Iniciação Cristã. Em certo sentido, é um esforço pastoral que chega com um atraso de, mais ou menos 50 anos. É uma resposta à necessidade de termos mais cristãos e não somente batizados, cristãos e cristãs que vivam a dinâmica do Evangelho como discípulos, discípulas e missionários.

 

Dois aspectos da teologia do Batismo e da Crisma

Os Sacramentos da Iniciação Cristã, como mencionado, são Batismo Crisma e Eucaristia. Destaque para o Batismo e Crisma, dois sacramentos que estabelecem relação direta com a Páscoa de Jesus Cristo e, consequentemente, com todo o Mistério Pascal de Jesus Cristo. Pela Liturgia do Batismo, o fiel torna-se participante da Morte e Ressurreição de Jesus Cristo, como ensina Paulo (Cl 2,12). E, participando da Liturgia da Crisma, ele é confirmado na fé com o dom do Ressuscitado, o dom do Espírito Santo de Deus em sua vida, segundo a teologia paulina (2Cor 1,22).

Outra característica, creditada ao Batismo e Crisma, do ponto de vista teológico, é a impressão de caráter na vida dos celebrantes. Tanto o Batismo como a Crisma imprimem caráter, quer dizer, marcam a vida da pessoa para todo o sempre. A pessoa será batizada e crismada por toda a eternidade. Por isso, não existe outro Batismo válido, mesmo que seja batizado em outra Igreja cristã, por exemplo. Um só Batismo para a remissão dos pecados. Terá sempre em si a marca da Ressurreição de Cristo e o selo do Espírito Santo de Deus. Por isso, receber o Batismo e a Crisma significa assumir um compromisso eterno com Deus. Significa comprometer-se eternamente com Deus. Essa dimensão é muito clara em São Paulo na carta que escreve aos Coríntios (1Cor 12,13) e a Tito (Tt 3,5-7). 

Serginho Valle

Dezembro de 2020

 

5 de dez. de 2020

Dimensão pedagógica do Ano Litúrgico

 


Já tive a oportunidade de fazer referência à dimensão pedagógica do Ano Litúrgico. Muitos autores, antigos e atuais, descrevem o Ano Litúrgico como uma escola de espiritualidade, um caminho para crescer no discipulado, o grande espaço da Teologia Litúrgica acontecendo no tempo.

            Se tudo isso é verdade e bonito, a questão é o modo da Liturgia administrar este aspecto para e com os celebrantes. Falo da atividade da Pastoral Litúrgica fazendo uso da pedagogia do Ano Litúrgico. É preciso considerar, neste caso, que o Mistério Pascal celebrado na Liturgia é dinâmico. Uma dinâmica que precisa mexer com a vida pessoal de cada celebrante, de tal modo que o cristão, Domingo após Domingo, tempo litúrgico depois de tempo litúrgico, ano após ano, cresça e modele sua vida a partir do projeto de Jesus Cristo, a partir dos valores do Reino de Deus.         

Neste sentido, a pedagogia do Ano Litúrgico favorece a formação dos celebrantes na espiritualidade Bíblica e pascal. Não uma espiritualidade baseada em devocionalismos ou inspirações espiritualistas, mas espiritualidade fundamentada na Sagrada Escritura, alimentada pela Liturgia da Palavra, sempre presente em todas celebrações. É também espiritualidade sacramental, enquanto os Sacramentos inserem e levam os celebrantes a viver o que celebram.

A dinâmica pedagógica do Ano Litúrgico não tem a finalidade de formar pessoas religiosas, mas formar cristãos, isto é, pessoas comprometidas com o projeto de Jesus Cristo, comprometidas com o projeto do Reino de Deus.

É notório como a Igreja, inclusive através da Liturgia, formou durante séculos, pessoas religiosas, no sentido de realizadoras e cumpridoras de práticas religiosas. Não que isso seja pecado, em absoluto, mas é preciso ressaltar que, na pedagogia do Ano Litúrgico, a Igreja assume a função de formar cristãos, pessoas que celebram o Mistério Pascal de Cristo na e pela Liturgia e se comprometem, de fato, na vida concreta, com aquilo que celebram tornando-se, crescendo e vivendo como discípulos e discípulas de Jesus, caminhando na estrada do Evangelho.

É este o motivo pelo qual o Ano Litúrgico sempre é contextualizado no momento histórico presente. Nunca a Liturgia celebra o ontem. Sempre faz Memória (com M maiúsculo), celebra o Mistério da fé no presente. A espiritualidade litúrgica nunca é algo extra temporal. Pela dimensão pedagógica do Ano Litúrgico, a Igreja não tem um calendário de solenidades e festas, mas um programa formativo da vida cristã em vista do discipulado.

Serginho Valle
Novembro de 2020

 

14 de nov. de 2020

Celebração do Mistério Pascal de Cristo no tempo

 

Celebrar os mistérios de Cristo, do ponto de vista teológico litúrgico, não é apenas “lembrar” o que Jesus fez por nós e, menos ainda, acompanhar a biografia de Jesus, iniciando no Natal, quando nasceu, terminando na sua volta ao Pai, na Ascensão. Ano Litúrgico não é isso. Não se trata, tampouco, de repetir em ritos o que Jesus realizou uma vez para sempre. O Ano Litúrgico, através das celebrações, torna atual e insere os celebrantes na mesma eficácia salvífica do gesto histórico realizado por Jesus Cristo. Assim, por exemplo, aquele momento histórico da Morte e Ressurreição de Jesus Cristo, que favoreceu a reconciliação com Deus tem, no momento celebrativo, a mesma eficácia, a mesma ação e dinâmica salvífica através da celebração litúrgica. 
        Um belo fundamento encontra-se na Constituição Sacrosanctum Concilium (SC 7) descrevendo a visão da Igreja sobre a Liturgia: “Disto se segue que toda a celebração litúrgica, como obra de Cristo sacerdote, e de seu corpo, que é a Igreja, é uma ação sagrada por excelência, cuja eficácia, no mesmo título e grau, não é igualada por nenhuma outra ação da Igreja.” A compreensão do acontecimento memorial no Ano Litúrgico, está ainda mais aprimorada na SC 102: “Relembrando destarte os Mistérios da Redenção, franqueia aos fiéis as riquezas do poder santificador e dos méritos de seu Senhor, de tal sorte que, de alguma forma, os torna presentes em todo o tempo, para que os fiéis entrem em contato com eles e sejam repletos da salvação.” 
        Compreende-se assim que a espiritualidade litúrgica se alimenta diretamente do Mistério Pascal de Cristo, isto é, do projeto divino realizado por Jesus Cristo no mundo e atualizado na celebração litúrgica, em qualquer momento da História. Diferentemente de espiritualidades baseadas em devoções, por exemplo, a espiritualidade litúrgica alimenta-se diretamente na e da Salvação divina realizada por Jesus Cristo e faz com que os celebrantes participem e comunguem desta realidade salvífica com sua eficácia.

Serginho Valle
Novembro de 2020

 

7 de nov. de 2020

Dois modos de compreender o Ano Litúrgico

 

Um modo muito simples, mas bem revelador para compreender o Ano Litúrgico da Igreja é a frase título de um livro do liturgista italiano Aldo Bergamini: “Cristo, festa da Igreja”. O autor escreve que celebrar o Mistério Pascal de Jesus Cristo, no tempo, é “trazer” Jesus Cristo, com sua salvação, aos nossos dias. A atualização da atividade salvífica de Jesus Cristo, no hoje da história, fundamenta-se na Teologia do memorial.

Em sua Teologia do Ano Litúrgico, Bergamini diz que o Ano Litúrgico é Sacramento e, por isso, é memorial de Jesus Cristo agindo no nosso hoje. Considera-se assim que o Ano Litúrgico não é um calendário de celebrações, é a grande e única celebração de Jesus Cristo nas diferentes celebrações que a Igreja realiza no tempo. Jesus Cristo está presente nas ações litúrgicas da Igreja e continua agindo com a mesma eficácia salutar daquele tempo histórico, quando estava neste mundo, pela ação do Espírito Santo que ele mesmo enviou, como tinha prometido (Jo 14,16-17).

Outro liturgista italiano, Salvatore Marsili, teólogo beneditino, um dos principais protagonistas da reforma litúrgica do Vaticano II, nos anos 60, define o Ano Litúrgico como a ação salvífica de Jesus Cristo na história atual. Na prática, não difere em nada da definição de Aldo Bergamini, que foi aluno de Marsili. Num de seus artigos, na “Rivista Liturgica”, Marsili diz que o Ano Litúrgico é Jesus Cristo agindo no tempo e formando os cristãos para o momento histórico que se está vivendo. O enfoque de Marsili ilumina a ação salvífica de Jesus Cristo no tempo e destaca a atividade de Jesus Mestre. Destaca a dimensão pedagógica do Ano Litúrgico.

Se você ler os livros dos dois autores, não perceberá diferença na Teologia de Marsili e Bergamini. Mesmo assim, é interessante perceber a nuance que caracteriza o Ano Litúrgico como celebração do Mistério Pascal de Jesus Cristo e como pedagogia que introduz os celebrantes no Mistério Pascal de Jesus Cristo.

São enfoques confluentes quanto a ação de Cristo no Ano Litúrgico: a presença salvífica do Mistério Pascal em nosso hoje e sua dinâmica transformadora da história, em cada época e cultura. Na primeira definição, Bergamini ressalta o valor litúrgico-celebrativo do Ano Litúrgico acentuando a teologia do memorial. Marsili, por sua vez, destaca o Ano Litúrgico na dimensão salvífica e pedagógica, como tempo de formação do discipulado de Cristo. Ambas são visões importantes para compreender a formação espiritual na vida cristã a partir do Ano Litúrgico.

Serginho Valle

Novembro de 2020

 

31 de out. de 2020

Celebrar com a humildade da Liturgia

Toda celebração litúrgica propõe um compromisso existencial do celebrante com Deus. Da parte divina, o compromisso sempre acontece, porque Deus derrama sua graça e nos alimenta com sua vida. Da parte humana, dada nossa fragilidade, nem sempre assim acontece. Não poucas vezes, celebramos descompromissadamente. Isso pode ser por desatenção ou pelo modo de celebrar, favorecendo manifestações de espiritualismos “psicologizantes e analgésicos” ou do tipo autoajuda.

Tais celebrações estão estritamente voltadas para o individualismo com promessa de socorrer ou sarar um mal-estar psicológico, causado por uma decepção, uma tristeza, uma angústia ou algum fracasso. Que uma celebração litúrgica bem realizada promove bem-estar psicológico, produz paz interior e alegria espiritual, não se discute. O tema presente são as celebrações direcionadas e realizadas carregadas unicamente no emocional e no sentimental. Minha preocupação pensa em assembleias, nas quais a ladainha de dores e mazelas sempre é anunciada com dramaticidade, pedindo que os que sofrem levantem as mãos, fechem os olhos, coloquem a mão no coração, coloquem a mão no ombro de quem está ao lado... Ritos que não pertencem ao ritual litúrgico da Igreja. Não os classifico em categorias de litúrgicos ou não litúrgicos; o ponto está na finalidade: usados unicamente para emocionar e confundir a emoção como experiência mística.

A celebração litúrgica, evidentemente, contém sentimento e emoção, mas não se serve deles de modo abusivo, dado o risco de desvio na experiência espiritual. No meu consultório de psicólogo tenho atendido várias pessoas que criaram escrúpulos por se sentirem curadas no momento emocional (uma espécie de transe psicológico) e, na volta para o cotidiano, perceberam que nada tinha acontecido. Assuntos como castigo divino, não se sentir amado por Deus, sentimento de vulnerabilidade espiritual... São temas que acendem um sinal de alerta aos bispos, padres e responsáveis pela Pastoral Litúrgica.

Espiritualismos analgésicos são capazes de consolar as pessoas e promoter esperanças por um momento. Usam e abusam de frases de autoajuda com promessas e garantias que Deus está curando ou resolvendo situações problemáticas. Alguns presidentes de assembleias litúrgicas indicam esta ou aquela oração poderosa; algo que também é estranho na Teologia Espiritual católica, porque a oração, e particularmente a oração litúrgica, nunca se apresenta com adjetivos de poderosa, milagrosa... mas com a simplicidade humildade da adoração, do memorial e da súplica. Falar de fórmulas orantes poderosas, ao meu ver, é descrer na oração humilde e sincera elevada a Deus.

Pode ser que falte formação, pode ser que na tentativa de fazer o melhor se apele para o que não tem relevância nem na Teologia Litúrgica e nem na Espiritualidade Litúrgica. Não estou discutindo a boa intenção de quem introduz tais ritos na Liturgia. Apenas peço atenção para a diferença entre a finalidade proposta por estes ritos e a finalidade proposta pela Liturgia. É preciso ter cuidado para não confundir as pessoas. A Liturgia não promete milagres, curas e libertações com ritos e rezas. As praenotandas do Ritual da Unção dos Enfermos e do Ritual de Bênçãos chamam atenção que o efeito de curas e resolução de problemas é sempre vontade de Deus e, para que isso aconteça, a Liturgia católica, na sua história milenar, sempre primou por se colocar como serva, simples e humilde, confiante e suplicante, diante de Deus para adorá-lo e suplicar a graça necessária respeitando a vontade divina. Deus, em sua bondade, misericórdia e sabedoria infinitas, saberá fazer o que precisa ser feito.

Serginho Valle
Setembro 2020

 

26 de set. de 2020

Liturgia fonte do culto de adoração ao Pai

 

Os dicionários definem “adoração” como culto prestado a Deus, como manifestação de amor extremo por alguém, atitudes e comportamentos que expressam nossa dependência de Deus. No dia 15 de junho de 2011, Papa Bento XVI, na catequese da audiência geral, ensinava que “a verdadeira adoração é o amor”. Amor no sentido cristão de doação, de entregar a vida, de viver a caridade na e pela fraternidade.

            Lembramos que o 1º Mandamento da Lei de Deus diz que devemos “amar a Deus sobre todas as coisas” (Dt 6,4-5; Mc 12,19-34). Na conversa com o Doutor da Lei, Jesus ensina que, juntamente com o maior mandamento encontra-se o segundo, que é “amar o próximo como a si mesmo” (Mt 22,39). Em seguida conta a parábola do Bom Samaritano (Lc 10,25-37). A dedução disso, diz Papa Bento XVI, consiste em entender que a verdadeira adoração a Deus é amar a Deus sobre todas as coisas e amar o próximo como a si mesmo. Traduzindo amor por doação: adorar a Deus é doar-se, dar a vida totalmente a Deus, e dedicar-se pela doação fraterna ao bem do próximo.

 

Adoração em espírito e em verdade

Na conversa de Jesus com a samaritana, no poço de Sicar, Jesus falava que a verdadeira adoração não acontece num ou noutro monte, mas em espírito e em verdade (Jo 4,23). Existem milhares de reflexões sobre esta orientação de Jesus. Limito-me a considerar a Liturgia como fonte onde cada celebrante encontra-se com Jesus Cristo e o ouve repetindo o mesmo ensinamento feito à samaritana: a verdadeira adoração acontece em espírito e em verdade. A Liturgia como fonte da vida espiritual não confina os celebrantes num culto de adoração, mas os envia a viver o que celebram como culto espiritual na vida concreta. A Liturgia é promotora de uma espiritualidade que transforma a vida pessoal dos celebrantes em culto de adoração a Deus.

Em cada celebração litúrgica, os celebrantes comungam Jesus Cristo e o Espírito Santo, que age em todos os momentos litúrgicos. Meu professor de Liturgia Oriental, Padre Daniel Gelsi, ensinava que o Espírito Santo, na Liturgia, age como um “corifeu”; aquele que leva os celebrantes ora a louvar, ora a compreender as Escrituras, ora a suplicar.... O mesmo Espírito Santo continua a agir na vida dos celebrantes, qual “corifeu”, levando-os a prestar um culto a Deus através da vida concreta pautada no amor a Deus e ao próximo. Adorar em espírito e em verdade! É o Espírito Santo, portanto, que promove a adoração verdadeira. É o Espírito de Deus que nos torna adoradores autênticos, no culto e na vida.

Todo culto verdadeiro acontece no e pelo Espírito Santo. Todo culto verdadeiro, celebrado na Liturgia, conduz a viver no e pelo Espírito Santo. O Espírito que conduz os celebrantes a adorar é o mesmo Espírito que transforma a vida em adoração, na e pela fraternidade, de quem celebra verdadeiramente movido pelo Espírito Santo.

 

Adoração como oferecimento

São Paulo nos ajuda a compreender e aprofundar ainda mais a dimensão adorante da Liturgia no culto e na vida. Estou falando do conhecido texto paulino na carta que escreveu aos romanos: “Irmãos, pela misericórdia de Deus, peço que vocês ofereçam os próprios corpos (as próprias vidas) como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus. Esse é o culto autêntico de vocês” (Rm 12,1).

Noutra carta, escrita aos efésios, São Paulo recomenda uma espiritualidade que se adeque à vida nova em Cristo: “É preciso que vocês se renovem pela transformação espiritual da mente” (Ef 4,23).  

Os dois textos ajudam-nos a compreender que a celebração litúrgica, de todos os Sacramentos, mas especialmente da Eucaristia, só é verdadeiramente adorante quando reflete a vida vivida no cotidiano. De outro lado, a vida só é verdadeiramente adoradora quando reflete a adoração celebrada na Liturgia. Quando reflete o amor a Deus pelo amor fraterno. A parábola do Bom Samaritano é exemplar no sacerdote e no levita preocupados com o culto e desatentos com a vida humana machucada e caída por terra. Não existe liturgia autenticamente adorante a Deus sem correspondência na fraternidade. São Tiago é muito prático neste sentido: se vier um pobre e você o dispensa porque está celebrando uma Liturgia, de que vale a tua adoração? (Tg 2,2-3.14-16).

 

Concluindo

 Esta breve reflexão pode favorecer nossa compreensão sobre a função pedagógica da Liturgia na formação espiritual do cristão. Formação que consiste em fazer que os celebrantes tenham uma espiritualidade adorante, compreendida no ensinamento de Bento XVI: adorar é amar a Deus e ao próximo.

Serginho Valle

Setembro de 2020

 

19 de set. de 2020

Acolhimento na Pastoral Litúrgica Parquial




O tema do acolhimento é uma atividade pastoral de suma importância. Acolher é um modo de testemunhar a fé e o Evangelho; é manifestação da caridade fraternidade. Vários textos do Evangelho são explícitos quanto ao acolhimento. O mais claro e incisivo encontra-se em Mt 25,31-46. É o conhecido texto do acolhimento de Jesus Cristo na pessoa do faminto, do sedento, do nu... O texto não confunde acolhimento com recepção, mas acolhimento com atitude para dar de comer, de beber, vestir... Entende-se que o acolhimento é o critério base da caridade fraterna e, o que não deixa de ser surpreendente, é o critério base do juízo final. “No final de nossas vidas seremos julgados pelo amor”, diz São João da Cruz. O critério do julgamento é o amor acolhedor.

A Igreja acolhe a comunidade 
           O conceito de acolhimento tem um precedente que precisa ser considerado em se tratando de Pastoral Litúrgica Paroquial (PLP): a comunidade. O acolhimento da comunidade como Igreja é uma atividade da PLP. O ministério da acolhida acolhe quem vem celebrar em nome da Igreja que vive na comunidade. 

      Acolher a comunidade nas celebrações litúrgicas significa favorecer a experiência de se sentir acolhido, de ter uma referência, de sentir o pertencimento, fazer experiência de comunhão e participação. É de uma comunidade acolhida que nasce a comunidade acolhedora, fonte de ministérios de acolhida para acolher o outro. O exemplo Bíblico da comunidade apostólica, relatado em At 2, causava admiração a todos: “vede como eles se amam” (At 4,32ss).

 
Acolhimento: exercício de hospitalidade 
            Do ponto de vista cristão, o acolhimento é um exercício e uma atividade de hospitalidade. Em nosso tempo, é um processo de conversão: mudar o conceito de hostilidade para hospitalidade. Existe uma dinâmica de hostilidade camuflada na vida social, que vai deste a concorrência, passa pela competição e pelo fingimento de se alegrar com o sucesso do outro. O exemplo é propositadamente exagerado para evidenciar o contexto competitivo, no qual vivemos. E, onde existe competição o outro pode atrapalhar planos pessoais e, nesse caso, não pode ser acolhido. Pode ser apenas respeitado nos parâmetros do “politicamente correto.” 
           Na comunidade cristã, o exercício do acolhimento é um exercício de solidariedade que começa com a capacidade de ter olhos para ver as necessidades do outro e agir para favorecer nele vida saudável. Solidariedade fraterna que envolve toda a comunidade para socorrer a vida ameaçada por algum sintoma de morte.

Ministério do acolhimento na PLP 
            Existe uma limitação, que eu classificaria como “muito grande”, na compreensão de ministério da acolhida na PLP: limitar a atividade ministerial à recepção dos celebrantes. Sim, é uma acolhida, mas a atividade ministerial não se limita à atividade de recepcionista e distribuição de subsídios usados na celebração. O ministério da acolhida não se limita a atividade de recepcionistas e atenção para que tudo esteja bem durante a celebração. Sim, isto faz parte e é importante que aconteça no momento celebrativo da comunidade. O ministério da acolhida tem um algo a mais.  
           O acolhimento na PLP é mais amplo e se estende a todos os Sacramentos. Pessoas com testemunho de vida cristã e experientes podem se dispor a acolher e ajudar na preparação do Sacramento da Penitência oferecendo condições para uma boa preparação. 
            Uma atividade de acolhimento muito bonita e enriquecedora poderá ser feita na celebração do Sacramento da Unção dos Enfermos. O ministério da acolhida acolhe o enfermo e a família na preparação para celebrar a Unção dos Enfermos em família. O ministério do acolhimento, neste caso, poderá ser exercido pelo agente da Pastoral da Saúde em conjunto com a PLP. 
        Outro exemplo é no Sacramento do Matrimônio. Um ministério a ser exercido por casais experientes e cultivadores da vida cristã. Acolher o casal, conversar sobre como compreendem o casamento, que projetos têm para a vida a dois, como pretendem cultivar a fé e a religião na futura família... Por se tratar de PLP, o ministério do acolhimento pode partilhar as primeiras sugestões de como realizar a celebração matrimonial. O ministério da acolhida é a comunidade dando as boas-vindas ao casal para celebrar o casamento; uma demonstração que a comunidade se alegra com o casamento deles. 
            O campo das celebrações de bênçãos é vasto no sentido do acolhimento. A Igreja tem um rico ritual de bênçãos que, por ser ritual litúrgico, consta de celebrações e não apenas do gesto de bênção e aspersão com água benta. Acolher casais grávidos e abençoa-los, acolher namorados e abençoa-los, acolher crianças e abençoa-las, acolher quem traz algum objeto para benzer e propor uma palavra evangelizadora... Acolhimento, preparação e realização do rito.

São propostas, nas quais o ministério do acolhimento não é apenas recepcionista, embora este serviço seja importante. No texto, procurei evidenciar que o ministério do acolhimento na PLP é um serviço que contempla o primeiro contato e o início da preparação celebrativa.

Serginho Valle
Setembro 2020


12 de set. de 2020

Celebração Litúrgica: experiência de encontro com Jesus

O episódio de Jesus Cristo com a samaritana, narrado por João (Jo 4,5-42), tem as características de uma celebração do encontro de Deus com a humanidade. Jesus acolheu a samaritana com seus pecados e seu modo de entender sua relação com Deus. Um acolhimento que fez da samaritana a porta para Jesus entrar na comunidade onde ela morava. Foi depois de uma celebração acolhedora e vivencial que a comunidade de Sicar conheceu e acolheu Jesus e o Evangelho. No final eles diziam: “já não cremos porque você nos falou, mas porque nós mesmos vimos suas obras” (Jo 4,42).

A experiência de encontro com o Senhor é o ponto alto de nossas celebrações. Uma celebração é bonita, animada, cheia de unção quando favorece a experiência com o Senhor, quando leva os celebrantes a envolverem-se com o Senhor a ponto de assumir o projeto de Jesus Cristo e os valores do Reino de Deus.

 

Levar Jesus para dentro da comunidade

          Mas, eis um ponto que merece atenção. Em que consiste, do ponto de vista litúrgico, fazer experiência de Jesus Cristo? Um descuido nesse sentido poderá provocar celebrações sentimentais, valorizando o alívio sentimental provocado por músicas, abraços, fechar os olhos, dançar, luzes de penumbra, mensagens... Tudo isso tem seu valor e pode servir como porta para o encontro com Cristo; o problema está quando isso não evolui para a vida concreta, quando a experiência não é partilhada na comunidade, como fez a samaritana.

Que a celebração emociona, não resta dúvida. A samaritana ficou tão emocionada com o encontro de Jesus que saiu correndo contando e convidando todos para conhecer Jesus. Aquele momento de contentamento ou de consolo emocional transformou-se em testemunho de anúncio e em convite para conhecer Jesus e o Evangelho.

Em Sicar, o encontro dos samaritanos foi com o Jesus histórico, que podia ser visto e tocado. Na Liturgia, o encontro com Jesus acontece com símbolos, sinais, gestos e pessoas. Professamos que o Senhor está no meio de nós repetindo várias vezes: “Ele está no meio de nós.” Pois bem, o desafio maior não está em crer na presença de Cristo na Liturgia, mas em tornar nossas celebrações encontros e experiências vivas com o Senhor, a ponto de tornarem a porta para o Senhor entrar e se tornar presente na comunidade.

 

Experiência pela vida dos celebrantes    

Na celebração do encontro de Jesus com a samaritana, o contexto celebrativo daquele encontro envolvia a sede, a necessidade de tirar água do poço e o contato com a vida da samaritana. Jesus atingiu a vida da samaritana. Depois, Jesus entrou na cidade e ali “ficou com eles dois dias” (Jo 4,40). Existe o contexto celebrativo da comunhão entre Jesus com o povo da cidade. O povo comungou a presença viva de Jesus na comunidade. Uma comunhão que não ficou parada no poço, não ficou parada na Missa celebrada na Igreja; foi para o meio do povo. A experiência só pôde acontecer na vida dos samaritanos porque Jesus entra na comunidade. Não o ouvir falar, mas o acolher e o conviver com Jesus. Eis o grande desafio de nossas celebrações.

Jesus está presente em nossas celebrações; este é um aspecto. É importante considerar outro aspecto: aquele que produz, do encontro com Jesus Eucarístico, encontro com o Jesus na fraternidade: “tudo que fizeres ao menor dos meus irmãos é a mim que fazeis” (Mt 25,40). Do mesmo modo como Jesus e a comunidade de Sicar se acolheram mutuamente, do mesmo modo como Jesus entrou na comunidade de Sicar, assim nossas celebrações litúrgicas contém a dinâmica de favorecer o encontro com Jesus Cristo e, igualmente, enviar e favorecer o encontro com o mesmo Jesus Cristo presente no próximo.

É importante reconhecer que nossas celebrações contém a dinâmica, quer dizer, a força para favorecer a experiência com Cristo e enviar os celebrantes a assumir o compromisso pelo Reino de Deus na vida da comunidade. Caso isso não aconteça com as celebrações é importante avaliar porque a dinâmica não está produzindo o mesmo efeito que produziu na vida da samaritana, de voltar à comunidade para testemunhar fraternalmente a presença de Jesus. O desafio é justo, pois seja no poço de Sicar como na celebração litúrgica “ele está no meio de nós!”

Serginho Valle

Agosto de 2020

 

 

 

5 de set. de 2020

Matrimônio: sacramento da aliança com Deus

A Bíblia, em várias passagens, compara a aliança entre Deus e a humanidade a um casamento. Vários profetas se serviram do casamento para mostrar o amor de Deus para com povo. Oséias, um dos primeiros a usar a imagem do casamento como símbolo da aliança entre Deus e o povo, casa-se com uma prostituta para evidenciar a traição da aliança da parte do povo (Os 1,1-12)0. Mesmo conhecendo a traição de Gomer, Oséias continua amando-a; sinal do amor fiel, da parte de Deus, pelo povo que havia se prostituído com ídolos e falsos deuses (Is 1,21; Jr 2,2; Ez 16; Ez 23).          

O símbolo da aliança de Deus com seu povo também tem seu lado positivo. Ao ver seu povo errante, Deus promete “desposá-lo” com a mesma alegria de um noivo apaixonado para que nunca mais seja considerado desamparado e não amado. “Assim como um jovem desposa uma jovem, assim eu te desposarei, diz o Senhor” (Is 62,4-5).

Jesus, na conversa com a samaritana, também compara o casamento à aliança com Deus (Jo 4,1-26. Aquela mulher, a exemplo de Gomer, tornou-se símbolo de um povo que abandonou a aliança com Deus para buscar a vida em outros deuses, na idolatria. Por isso, não tinha marido; não tinha um compromisso de vida, não tinha uma aliança de amor com quem lhe podia amar verdadeiramente e trazer felicidade para sua vida.

A comparação do casamento como sacramento da aliança do povo com Deus inicia o anúncio do Reino comparando a presença do Messias no meio do povo a uma festa de casamento (Mt 22,1-14) e define-se, ele próprio, como o esposo (Jo 3,29) para demonstrar que a aliança com Deus se realiza plenamente na sua pessoa. Não é sem motivo que João tenha localizado o início dos sinais de Jesus numa festa de casamento, em Caná (Jo 2,1-22). Mais tarde, São Paulo tratará do mesmo tema em vários textos, como por exemplo: 2Cor 11,2; Ef 5,25-33. Por fim, João como que fecha a relação matrimônio-aliança anunciando a consumação da aliança nas bodas eternas, em Ap 21,2.  

 

Celebrar o Matrimônio como profecia na sociedade

Até mesmo com uma exposição simples e rápida, como estou propondo, é possível compreender que a Liturgia do Matrimônio continua sendo celebração profética da renovação da aliança da humanidade com Deus. A Pastoral Litúrgica e a Liturgia Pastoral tem o dever de ficar atentos para que esta fundamentação Bíblico-teológica fica escondida em ritos sociais quase sempre teatralizados, sem respaldo Bíblico e espiritual.

A aliança com Deus pode ser descrita nestes termos: Deus se declara o único Deus do povo e o povo o aceita, rejeitando tudo o que for idolatria e falsos deuses. A celebração matrimonial, em tal contexto, é celebração profética, é celebração de fidelidade de Deus para com o povo representada e juramentada em aliança na vida de um homem e de uma mulher. Em cada Matrimônio celebrado na Liturgia, o casal é abençoado com o dom do amor, com a graça da transmissão da vida. Dom do amor e transmissão da vida são as consequências de quem vive na fidelidade à aliança com Deus.

Em cada celebração matrimonial, a Igreja e toda a sociedade encontram-se diante da mesma profecia, iniciada no início, a favor da fidelidade que só pode acontecer no amor e pelo amor em vista da geração da vida. Cada celebração matrimonial é a renovação da proposta divina de continuar desposando o seu povo e, ao mesmo tempo, compromisso humano de continuar fecundando a terra com a vida. Tudo isso com a bênção protetora e amorosa de Deus.

Esta dimensão do Matrimônio como sacramento de fidelidade da aliança entre Deus e a humanidade encontra-se no rico Lecionário do Rito Matrimonial. Disso a importância de ajudar os noivos a tomar conhecimento da realidade sacramental de suas vidas vivenciada na fidelidade. A preparação próxima da celebração do casamento, além de prever os detalhes rituais, poderá contar com uma reflexão Bíblica de um texto do Lecionário do Ritual do Matrimônio. Reflexão a ser feita com os noivos e com quem presidirá a celebração Matrimonial.

Serginho Valle

Agosto de 2020

 

 
 

15 de ago. de 2020

Espiritualidade é atividade

 O agente da Pastoral Litúrgica que não cultiva e não bebe da espiritualidade litúrgica pouco a pouco começa a perder o interesse pelo seu serviço e, quase sempre, ou abandona ou o realiza de qualquer jeito. Diante desse quadro, entende-se a necessidade de incrementar e cultivar a espiritualidade entre os agentes da Pastoral Litúrgica para que encontrem sentido naquilo que fazem e o façam da melhor forma possível. Assim, a atividade pastoral reverterá em benefício próprio e beneficiará espiritualmente todos os celebrantes pela qualidade espiritual cultivada e partilhada nas celebrações.

Conceito de espiritualidade          

A palavra espiritualidade tem a ver com “espírito”; com “espiritual”. Não é novidade para ninguém que ao falar de espiritualidade, vamos tratar de coisas referentes ao espírito e ao que tem relação com espiritual. Se existe esta primeira dimensão, referente ao “espírito” e ao “espiritual”, há uma outra conotação que precisa ser considerada: o sufixo “dade” que indica ação, atividade, algo que se constrói, que vai sendo edificado, vai sendo cultivado pouco a pouco. Isto faz compreender que a espiritualidade não é algo pronto, mas cultivado da mesma forma que se cultiva um jardim, com o mesmo cuidado e dedicação no cultivo de uma horta.  

Diante de tais considerações, compreende-se que “espiritualidade” não é algo passivo, mas uma ação, uma atividade, uma verdadeira construção que pertence à esfera do espírito, à esfera do espiritual, à interioridade da pessoa. A espiritualidade é um exercício que, pelo seu cultivo, vai formando, modelando a pessoa, à medida que ela se abre e permite que o Espírito Santo nela aja. Portanto, o cultivo da espiritualidade não é unicamente humano, mas principalmente divino e humano (Jr 18,6). Trata-se de um exercício tão forte que influencia todo o agir da pessoa: seu modo de pensar, de tratar os outros e seu relacionamento consigo próprio. A espiritualidade determina um modo de vida e um modo de relacionamento.   Em resumo: a espiritualidade determina um comportamento e um estilo de vida.

A espiritualidade, portanto, não tem nada a ver com passividade, inativo, somente receptivo, mas algo ativo que precisa ser exercitado por meios próprios para o crescimento sereno e equilibrado. Não se pode reduzir a espiritualidade a momentos de oração, de meditação Bíblica, de Lectio Divina, de celebrações sacramentais... tudo isso, e outras atividades mais, neste contexto, fazem parte do cultivo da espiritualidade. O foco é compreender a espiritualidade como atividade do Espírito Santo na vida pessoal.

Agente da PLP e cultivo da espiritualidade

           O enquadramento proposto pela compreensão da espiritualidade, nada exaustivo, faz compreender que quem atua em qualquer atividade pastoral da Igreja só terá bom desempenho se neste serviço for cultivada a espiritualidade. Isto é ainda mais válido para quem atua na PLP, na Pastoral Litúrgica Paroquial.

            Quem atua na PLP tem uma responsabilidade direta, quase obrigatória, eu diria, para com o cultivo da espiritualidade na comunidade. Isto é ainda mais premente nas comunidades que não contam com uma Pastoral da Espiritualidade, quando a Liturgia é única fonte da espiritualidade da comunidade. Ora, quem é responsável por Liturgia torna-se responsável para cultivar a vida espiritual na comunidade e da comunidade. Como ninguém não pode dar do que não tem, o agente da PLP deve ser um exemplar cultivador da espiritualidade, especialmente da espiritualidade litúrgica.

            Certamente que todos os cristãos são convidados a cultivar a espiritualidade, mas alguns são chamados, por vocação, a dedicarem completamente suas vidas ao exercício da espiritualidade. Muitos se retiram do mundo para poder cultivar este estilo de vida. No meio do povo, nas mais diferentes atividades existenciais e sociais, como diz o documento conciliar Gaudium et spes, está o testemunho vivo dos leigos e, no caso presente, daqueles que atuam pastoralmente na atividade litúrgica. Quer dizer: quem bebe na fonte espiritual da Liturgia vive testemunhalmente o que celebra no meio do mundo.

Serginho Valle

Agosto de 2020

 

8 de ago. de 2020

Espírito Santo e Penitência

    No segundo Domingo da Páscoa, o Evangelho relata que os Apóstolos estão reunidos no cenáculo. Jesus entra, sopra sobre eles e lhes confere o Espírito Santo e, pela ação do Espírito Santo, o poder de perdoar os pecados e conceder o dom da paz. O fato está relatado em Jo 20,22-23. 

Preparação espiritual

A crise do Sacramento da Penitência, em nossos dias, entre outras causas, tem forte relação com o fato de não ser celebrado como rito litúrgico conduzido pelo Espírito Santo. Na prática, isto significa, que o Sacramento da Penitência, em muitas celebrações, é celebrado sem espiritualidade, sem a mística do encontro com a misericórdia divina.

A quarta fórmula de acolhimento do penitente, proposta no Ritual da Penitência diz: "A Graça do Espírito Santo ilumine o teu coração, para que confesses os teus pecados e reconheças a misericórdia de Deus". Uma celebração, no entender da Teologia Eucológica da Penitência, a ser realizada com a luz e na condução do Espírito Santo. Uma celebração para ser realizada na silenciosa experiência da presença do Espírito Santo. Não sem motivo, a Praenotanda do Ritual da Penitência pede que o padre confessor se prepare com oração e com silêncio antes de atender uma confissão. A mesma necessidade da oração e do silêncio antes de celebrar a Penitência é recomendada ao penitente, orienta a Praenotanda da Penitência n. 15.

 

Espírito Santo e perdão dos pecados

O Espírito Santo é o Espírito de Deus que Jesus ressuscitado doa à Igreja. Jesus deixa seu Espírito na Igreja. Faz isso pelo gesto do sopro: "soprando sobre eles". Deixa seu "ar", seu "respiro", seu Espírito. A Igreja vive porque respira o ar, respira o “sopro divino” do Espírito Santo, o Espírito de Deus.

Na sua primeira aparição, que João data no mesmo dia da Ressurreição, Jesus doa o seu Espírito para perdoar os pecados. Observe que é a primeira atividade da Igreja: perdoar os pecados com o dom e pelo dom do Espírito Santo. Perdoar os pecados no poder do Espírito Santo. Perdoar os pecados e, como consequência, oferecer a paz.

 

Sacramento da Penitência e dom da paz

O dom do Espírito Santo é precedido pelo dom da paz: "a paz esteja convosco!" Em seguida, soprou o Espírito Santo para perdão dos pecados. O dom da paz é a condição para acolher o perdão dos pecados e, ao mesmo tempo, é a consequência imediata de quem recebeu o Espírito Santo pelo perdão dos pecados. Isto acontece pelo gesto da imposição das mãos, gesto doador do Espírito Santo, no Sacramento da Penitência.

Paz, no sentido Bíblico do shalom. Paz com Deus, paz vivendo harmoniosamente com a criação, paz vivendo fraternalmente com os outros, paz dentro do próprio coração. O pecado é destruidor desta paz. Destrói a conivência com Deus, destrói a fraternidade, destrói a serenidade interior. O perdão é a ação do Espírito Santo que reconstrói a paz. É o que diz a fórmula da absolvição: "Deus, Pai de misericórdia, que, pela morte e ressurreição do seu Filho, reconciliou o mundo consigo e enviou o Espírito Santo para a remissão dos pecados, te conceda, pelo mistério da Igreja, o PERDÃO E A PAZ."

A paz é sinônimo de harmonia com Deus, com a criação, com os outros e consigo mesmo. Ir confessar-se não para declamar uma listinha de pecados, mas para celebrar o dom da paz divina, dom e presença do Espírito Santo em quem é perdoado.

 

Dom da paciência

A paz interior produz a paciência. A paciência, a lado da humildade e da sinceridade, são as três virtudes de uma boa confissão. A paciência é fruto do cultivo da paz. Quem vive em harmonia com Deus, com a criação, com os outros e consigo mesmo é uma pessoa paciente; quer dizer cheia de paz. O Sacramento da Penitência é fonte da paciência. O paciente, portanto, é alguém que está cheio da paz divina e, por este motivo, é paciente com todos, especialmente com que lhe ofende.

Diante disso, compreende-se que o ministro da Penitência, o bispo e o padre, são chamados a ser homens da paz e, consequentemente, pacientes. Cultivadores da paciência para compreender as limitações espirituais e psicológicas de quem vem confessar, pacientes para ouvir as lamentações e as dores que o pecado provoca no coração do penitente. Paciente, principalmente, para se dispor a acolher e celebrar o perdão divino. E para isso, ele precisa pacientemente dispor de todo seu tempo. Não existe nada mais incômodo, na celebração da Penitência, que padre apressado e ansioso para terminar logo.

Serginho Valle

Julho de 2020


 

25 de jul. de 2020

Pastoral da Penitência


Cada vez mais se percebe a importância e, até mesmo, a necessidade de favorecer celebrações do Sacramento da Penitência em nossas comunidades. A cultura da raiva, do ódio, o aumento da agressividade, as vinganças de diferentes formas e modelos, dizem que nada disso vem de Deus. Diante de uma sociedade que se torna cada vez mais avessa à fraternidade, a Pastoral da Penitência torna-se cada vez mais e sempre mais uma necessidade urgente em nossas comunidades. 
A fonte do perdão encontra-se na misericórdia divina, celebrada no Sacramento da Penitência, que é especialmente motivante para reconfigurar os relacionamentos a partir do perdão. Por isso, a finalidade da Pastoral da Penitência não consiste em “fazer campanhas para aumentar o número das confissões”, mas para implantar e cultivar a mentalidade do perdão e da misericórdia celebrado no Sacramento da Penitência. Este tema encontra uma luz na parábola do “Servo cruel”. Conta o perdão de um rei bondoso e um servo que não foi capaz de perdoar a pequena dívida que um amigo tinha com ele (Mt 18,21-35). Deus sempre perdoa, canta o salmista, no Sl 102. O perdão é divino, é uma manifestação do amor divino para com quem o ofendeu. A proposta de uma Pastoral da Penitência tem como objetivo favorecer a cultura do perdão; o cultivo do perdão e da reconciliação dentro da comunidade.  
A cultura do perdão, no sentido de “cultivar o perdão na comunidade”, inspira-se totalmente na misericórdia divina que, no dizer do Sl 102, não guarda rancor daquilo que lhe devemos com nossos pecados e nossas faltas. A Pastoral da Penitência favorece a compreensão da confissão não como um tribunal de acusação acompanhado do perdão, mas como escola da humildade onde se aprende a ser fraterno perdoando quem nos ofendeu. É um modo de entender, a partir da parábola do “Servo cruel” (Mt 18,21-35), que nossas ofensas sempre nos colocam em dívida para com o amor divino. É que diz o texto latino do Pai nosso: “et dimitte nobis debita mostra!” — “perdoai as nossas dívidas.” Sempre, em todos os momentos da vida, somos devedores da misericórdia divina. Assim também, quando ofendemos alguém, somos devedores do amor fraterno a quem ofendemos.
Em tal contexto, do ponto de vista do penitente, este é alguém que se aproxima do confessionário não para se acusar, mas para interceder o perdão de sua dívida e tornar-se cada vez mais perdoador, perdoando as dívidas que as outros têm para conosco. No dizer do Pai nosso, em latim: “sicut et nos dimittimus debitoribus nostris” — “assim como perdoamos aos nossos devedores.” Devedores do amor para conosco.
A Pastoral da Penitência na comunidade tem a finalidade, não apenas propor e preparar celebrações penitenciais, mas de criar essas celebrações para favorecer a compreensão do Sacramento da Penitência como celebração de encontro com o amor divino como diz a carta aos hebreus: “De fato, não temos um sumo sacerdote incapaz de se compadecer de nossas fraquezas, pois ele mesmo foi provado em tudo, à nossa semelhança, sem todavia pecar” (Hb 4,16).
Uma Pastoral da Penitência eficiente em uma comunidade faz compreender que, se o pecado é uma manifestação natural da fragilidade humana, o perdão é atividade divina que nos fortalece quando somos perdoados por Deus e quando perdoamos quem nos ofendeu. Por isso, celebrar o perdão, no e pelo Sacramento da Penitência, é fortalecer o amor para perdoar quem nos ofendeu. Quem não faz a experiência de ser perdoado por Deus terá dificuldade para perdoar quem o ofendeu.
Tais conceitos nem sempre são lembrados em nossas comunidades, especialmente onde a celebração da Penitência transformou-se em “mutirão de confissões”. Uma proposta favorecedora da praticidade, mas nada pastoral. O mutirão pode realizar conversões, mas se situa como desobrigação de uma prática religiosa, ao passo que a Pastoral da Penitência tem em vista a formação de uma cultura existencial cristã caracterizada pelo perdão e pela misericórdia.
Serginho Valle
Junho de 2020

27 de jun. de 2020

“Sabaoth”: Deus dos exércitos!


Quem se dedica à análise da eucologia — não “ecologia — depara-se com um atributo divino, especialmente em hinos litúrgicos, que pode causar confusão. O atributo divino “sabaoth”. Existe uma diferença entre “Sabaoth” e sábado.
Sobre o sábado, diz o dicionário virtual do Google: “No judaísmo o sábado (שַׁבָּת, pronunciado "Shabat") significa "descanso," "cessação, "repouso" ou "interrupção" é o sétimo dia da semana dedicado à oração e ao descanso, pois segundo a tradição hebraica Deus descansou no sétimo dia após completar a criação do universo (Gn 2,1-3). Isto quanto ao “sábado”.
O termo ao qual fazemos referência é “SABAOTH”, presente em dois conhecidos hinos litúrgicos: no Trisagion, cantado em todas as Orações Eucarísticas, e o Hino Litúrgico “Te Deum”. O texto do Trisagion canta “Deus três vezes Santo”, — “Santo, Santo, Santo” — para dizer que Deus é a santidade infinita e unicamente santa. A presença de “sabaoth” está em latim:

Sanctus, Sanctus, Sanctus Dominus Deus Sabaoth.
Pleni sut caeli et terra gloria tua (...).

O outro hino, também em latim, o “Te Deum”, canta e como que explica o sentido de “Deus Sabaoth”. Primeiro um verso em latim, depois a tradução livre, feita por mim.

tibi omnes angeli, tibi cæli et universæ potestates,
tibi cherubim et seraphim incessabili voce proclamant:
Sanctus, Sanctus, Sanctus Dominus Deus Sabaoth.
Pleni sunt cæli et terra maiestatis gloriæ tuae.

A ti, todos os anjos, os céus e os poderes do universo,
A ti os querubins e serafins proclamam incessantemente a uma só voz:
Santo, Santo, Santo Senhor Deus dos Exércitos.
Os céus e a terra estão manifestam a tua glória.

“Sabaoth” – plural da palavra hebraica “sâbâ”, que significa “exército”. Assim, o título que se encontra na Bíblia “Deus sabaoth” é traduzido como “Deus dos exércitos”. A referência é feita aos “exércitos celestes” formados pelos anjos e astros.
            Na nossa Liturgia, este título é proclamado na celebração Eucarística, no rito do “Sanctus”, dizendo em latim: “Dominus Deus sabaoth”. A nossa tradução brasileira: “Senhor Deus do universo”. O que nos leva a pensar e formar uma imagem mais de astros — estrelas, sol, luz — que no exército celeste formado pelos anjos, arcanjos, serafins e querubins.
            A fundamentação Bíblia de “Deus sabaoth” encontra-se em Is 6,2-3: “Acima dele se erguiam serafins, cada qual com seis asas. Duas cobriam-lhes o rosto, duas o corpo e duas serviam para voar. Eclamavam: Santo, Santo, Santo é o Senhor dos exércitos, a terra inteira está repleta de sua glória.”
            Em cada Oração Eucarística, a Igreja convida todo o universo e todo o “exército celeste” — “sabaoth” — para participar desta solene ação de graças ao Pai.
          Serginho Valle
Junho de 2020


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