12 de out. de 2024

A vida pessoal (impessoal) na celebração da Liturgia

Por mais que estejamos envolvidos em redes sociais, com milhares de seguidores, a sensação de ser “impessoal” — não ser visto como pessoa, como indivíduo — é uma realidade experimentamos em várias situações. Imagine-se numa sala de espera de um departamento público ou hospital, esperando ser atendido. Você recebe ou retira uma senha: seu nome é trocado pelo número da senha. Nós nos acostumamos e consideramos isso normal, mesmo sendo explícito que deixo de ser o “Serginho” e passo a ser considerado o próximo número de senha para ser atendido. Pode ser o modo mais prático de organizar uma lista de espera, mas não deixa de ser “impessoal”.

 O dicionário define “impessoal” como algo que não se refere ou não pertence a uma pessoa em particular. Sendo “impessoal”, não existe a particularidade da individualidade com suas características específicas e sua originalidade. O dicionário também esclarece o comportamento relacional com quem é “impessoal”: distanciamento, frieza, indiferença. Este é um risco real que podemos transportar para as celebrações litúrgicas, celebradas e marcadas pela frieza de ser “impessoal”, distante, indiferente, secos, frios...


Diante dessa possibilidade, é fundamental dedicar-se, de modo organizado, a resgatar a importância da vida pessoal, a valorização da pessoa, nas celebrações litúrgicas. Este resgate pode ter mais sucesso havendo zelo pela Pastoral Litúrgica Paroquial — PLP —.

 

O “pessoal” em diferentes celebrações

Existem modos e modos para que a Liturgia não escorregue para o “impessoal”, entendendo-a como fria, distante, indiferente à vida, mas valorize, na sua peculiaridade comunitária, o “pessoal” de cada indivíduo. O modo de favorecer o lado “pessoal” em celebrações que reúnem grande número de celebrantes, como é o caso da celebração Eucarística, coloca mais exigências que a celebração da Liturgia do Sacramento da Penitência, por exemplo onde a vida pessoal é partilhada pessoalmente com o padre, comprometendo a pessoa, individualmente, em sua conversão.

 

A dimensão pessoal na celebração de um Batismo, que tem o lado pessoal da familiaridade, é diferente da dimensão pessoal na celebração da Unção dos Enfermos que, como no caso da celebração da Penitência, é uma celebração que atinge o lado pessoal (individual) do enfermo. Mesmo que o contato pessoal, no Batismo ou na Unção dos Enfermos, seja diferente, a proximidade com o pessoal é mais fácil.

 

O mesmo grau de contato pessoal se verifica, inclusive em forma de compromisso pessoal, em celebrações sacramentais como é o caso da Crisma, do Matrimônio e da Ordem. Em cada uma dessas celebrações, aparece claramente o envolvimento pessoal, seja no contexto simbólico como no envolvimento pessoal enquanto empenho pessoal da pessoa que celebra o Sacramento. Pessoalmente, a pessoa torna-se comprometida em primeira pessoa.

 

O mesmo poderíamos atribuir a sacramentais, como é o caso da celebração de bênçãos de pessoas, ou a celebração de um funeral. Neste caso, o envolvimento pessoal não é com o falecido, evidentemente, mas com as pessoas que vivem e participam do luto com seu sofrimento e esperança. É algo pessoal, que toca diretamente a vida da pessoa.

 

Facilmente percebemos que estamos diante de dois campos: um que coloca os celebrantes em celebrações comunitárias e o outro que valoriza os celebrantes na sua individualidade, na sua “pessoalidade” (identidade pessoal) envolvendo a vida pessoal. As celebrações que tocam a pessoa em sua individualidade, em princípio, não deveriam oferecer dificuldade de comprometimento com a celebração. O desafio encontra-se em celebrações que se caracterizam como comunitárias e, neste caso, estou me referindo às celebrações da Eucaristia. Para tal finalidade, contamos com a necessidade de uma PLP — Pastoral Litúrgica Paroquial — organizada e efetiva.

 

A busca de soluções apelando para o individualismo é complicada porque a assembleia deixa de ser expressão da eclesialidade e se torna um grupo de pessoas individualizadas interagindo consigo mesmas, individualisticamente. O celebrante é direcionado a entrar em si mesmo deixando de ser participante da vida de quem com ele celebra a mesma Eucaristia. Está junto com outros celebrantes, mas individualmente, sem comunhão nem participação na vida de quem com ele está celebrando. Por isso, este caminho não se mostra apropriado.

 

Organizar a PLP especialmente nas Missas Dominicais

O desafio de aproximar cada celebrante da sua vida pessoal sem perder a dimensão comunitária da eclesialidade não é pequeno e nem simples. Um modo de encarar esse desafio encontra-se na organização da PLP — Pastoral Litúrgica Paroquial. O primeiro e principal objetivo para atingir a vida pessoal em celebrações comunitárias, como é o caso da Eucaristia, é propor celebrações evangelizadas e evangelizadoras. Entende-se que o Evangelho, mais que a promoção de momentos emocionados na celebração, é capaz de confrontar diretamente a vida pessoal de cada celebrante. Por isso, a PLP de cada paróquia, muito mais que, apenas, organizar um calendário com escalas de leitores e outros ministérios, tem o desafio de propor celebrações cada vez mais evangelizadas e evangelizadoras.

 

O primeiro trabalho de uma PLP consiste em avaliar o grau de comprometimento que a celebração propõe para a vida dos celebrantes, não em tom de moralismos, mas evangelizadoramente, propondo o estilo de vida do Evangelho. É um trabalho, no qual a PLP é chamada a perceber se nas celebrações da comunidade as pessoas estão presentes de maneira mecânica, sem se envolverem pessoalmente com a proposta evangelizadora de cada celebração. Avaliar se as celebrações da comunidade estão sendo marcadas pela indiferença, mecanizadas na presidência, automatizadas no exercício dos ministérios, desafinadas nas escolhas da canções.

 

A mecanização e a automatização são as primeiras causas de celebrações favorecedoras do contato impessoal, sem o envolvimento da vida, sem serem capazes de atingir a vida do indivíduo, aquilo que forma sua pessoa, sua história pessoal com seus conflitos e sucessos. Ao contrário disso, a proposta é realizar celebrações capazes de tocar o perfil pessoal de cada celebrante para que não sejam meros figurantes, mas se comprometam em pessoa, pessoalmente, com aquilo que é celebrado.

 

A Liturgia, no atual contexto histórico, sente-se vocacionada a ser capaz de tocar a vida pessoal e atingir a experiência pessoal de cada celebrante. Cada celebrante deve ser conduzido pessoalmente a fazer a experiência de uma participação pessoal, capaz de ser tocado em sua existência, capaz de encontrar respostas aos seus questionamentos e buscas existenciais. Disso, a proposta de pensar a Liturgia sempre mais evangelizada e evangelizadora. Quanto mais evangelizada for uma celebração, maiores são as condições de atingir a vida pessoal de cada celebrante de modo comprometido.

 

Diante de tal desafio, me propus a escrever e gravar um curso denominado “Curso de PLP – Pastoral Litúrgica Paroquial”. No primeiro módulo do meu curso de PLP, chamo atenção para a motivação primeira e principal de quem atua em algum ministério litúrgico, a começar pelo padre: a atitude pastoral de ter e dedicar cuidado à vida pessoal de cada celebrante. Na celebração litúrgica, como nas Missas, não se trata tal cuidado com técnicas psicológicas, mas preparando, organizando e celebrando celebrações evangelizadas e evangelizadoras. Para isso, contamos com a presença ativa do Espírito Santo para conduzir cada celebrante, com sua vida pessoal, na “estrada de Jesus”.

 

Para conhecer detalhes do meu curso da organização da PLP, acesse:

https://lp.liturgia.pro.br/plp1

Serginho Valle

Outubro de 2024

 

6 de out. de 2024

Tornar-se "ouvinte da Palavra"

Ouvia muito de meu professor de Teologia Sistemática, o saudoso e competente Pe. José Knob, SCJ, a definição de teólogo como um “ouvinte da Palavra”. A expressão que assim define o teólogo é de Karl Rahner. Pe. Knob se servia dessa expressão para enfatizar que a atividade teológica é realizada por quem ser faz “ouvinte da Palavra”. Condição indispensável para penetrar no Mistério da santidade divina com temor e admiravelmente contemplativo.

 Lidando com meus estudos de Teologia Litúrgica, penso que o mesmo princípio —"ouvinte da Palavra” — deva ser aplicado ao conceito e à atividade da pedagogia mistagógica porque a condição para se penetrar no Mistério divino é tornando-se um “ouvinte da Palavra”. É um princípio da pedagogia mistagógica para ajudar os celebrantes a pensar com a lógica do pensamento divino.

 Para isso, as celebrações devem ser preparadas com a dinâmica metodológica da Lectio Liturgica, que entra em contato com a Palavra de Deus de modo diferente de uma Lectio Divina, diferente de um texto de exegese e, também, diferente da Teologia Bíblica. Serve-se de cada um desses métodos, mas se encontra com a Palavra de modo litúrgico. A Lectio Liturgica é uma “lectio” (uma lição) que celebra a Palavra e a semeia no terreno do coração dos celebrantes (Nt 13,4-9). É uma atividade mistagógica, que introduz no Mistério que é celebrado iluminado com a luz da Palavra.

 A Palavra de Deus ilumina e orienta a vida de todo homem e mulher; é a luz dos olhos de nossas vidas, canta o salmista (Sl 119,105). Este é um princípio primário e uma realidade para quem se dedica a alguma atividade da PLP — Pastoral Litúrgica Paroquial. É um tema que procuro deixar bem claro no meu curso de PLP. Quem atua em algum ministério da Liturgia torna-se “ouvinte da Palavra” para se colocar em condições de ministerialidade. Neste caso, toda a assembleia, que é formada pelo padre, pelos ministérios e pelo povo, são “ouvintes da Palavra”. Está é a primeira e principal condição para que o processo mistagógico aconteça. Ter uma assembleia “ouvinte da Palavra”.

 O ouvinte da Palavra 

No processo da pedagogia mistagógica, o movimento inicia acontece pela disposição de ouvir, de se tornar um ouvinte com todas as características de um bom ouvinte: silenciamento interior, acolhimento, aceitação, empatia, abertura... para com a Palavra. Na comunicação litúrgica, o celebrante participa como “ouvinte da Palavra” adotando a posição corporal e atenção na Palavra proclamada para ser ouvida.

 Outra atitude é a atenção silenciada ao se ouvir a Palavra de Deus. A dinâmica psicológica distingue entre a atitude de ler e a atitude do ouvir. Quando o leitor entra em contato com a Palavra ele é direcionado à compreensão do texto em modo individual. Por isso, o movimento do leitor é de se concentrar no texto lido. Quando se ouve, o ouvinte entra em contato com quem fala e isso provoca alguma reação pessoal. Na leitura de um texto, estou eu comigo mesmo, na audição, eu me coloco diante do outro. A Liturgia da Palavra consta de uma proclamação e de uma audição assemblear. Não é uma Liturgia realizada com vários leitores espalhados pela assembleia, concentrados em folhetos, livretes ou celulares.

 Um terceiro elemento, sempre no contexto da Lectio Liturgica com ênfase na pedagogia mistagógica, ligado ao ouvir, é a contemplação. Ouvir com atenção a Palavra de Deus — ser um “ouvinte da Palavra” — é assumir atitude de contemplativo diante da Palavra proclamada. A mistagogia inicia e introduz os celebrantes no mistério através da contemplação e a chave que abre o caminho da contemplação é tornando-se “ouvinte da Palavra”, aquele que dedica atenção contemplando, totalmente envolvido pelo silêncio.

 Sobre o tema “silêncio e Liturgia”, sugiro uma catequese litúrgica que publiquei no meu canal de Youtube, na qual descrevo e apresento o silêncio como espaço do Espírito Santo. Por isso, silenciar como “ouvinte da Palavra” é abrir espaço para que o Espírito Santo aja e torne os meus pensamentos semelhantes aos pensamentos de Deus que são diferentes do nossos pensamentos (Is 58,8-10).

 Interrogar e interrogar-se 
Depois da contemplação, o movimento provocado pela escuta e acolhimento da Palavra é a interrogação. É um movimento duplo: o que a Palavra me diz e como a Palavra me atinge. A pedagogia mistagógica, neste caso, tem a função de ajudar os celebrantes a se confrontarem com a Palavra de Deus para que a Palavra aja em suas vidas e no modo de pensar. Na Liturgia nos tornamos “ouvintes da Palavra” permitindo que ela interrogue nosso modo de viver e nosso modo de pensar.

 As interrogações existenciais aparecem constantemente em vários personagens Bíblicas. Profetas se interrogam diante da Palavra e interrogam Deus sobre o significado da Palavra que lhes é dirigida e, mais profundamente, sobre o sentido da Palavra na vida deles. O autor da Carta aos Hebreus diz: “Pois a Palavra de Deus é viva e eficaz, e mais afiada que qualquer espada de dois gumes; ela penetra até o ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e julga os pensamentos e as intenções do coração” (Hb 4,12). Por isso, liturgicamente falando, a Palavra é proclamada para ser ouvida e, como “ouvinte da Palavra” permitir que ela penetre até as juntas e medulas; penetre profundamente na vida de cada celebrante interrogando o modo de viver. Um exemplo muito compreensível, deste ponto de vista contemplativo, é Maria, a Mãe de Jesus: acolhe a Palavra de Deus, deixa-se interrogar, interroga e nela acontece a encarnação da Palavra de Deus.

 A Liturgia da Palavra, na celebração litúrgica de todos os Sacramentos e Sacramentais, proclama e celebra a Palavra para que toque e interrogue a vida dos celebrantes a vida dos celebrantes. Um importante papel, como facilmente se deduz, é atribuído ao homiliasta, esperando dele condições para refletir a Palavra de modo existencial para favorecer nos celebrantes o que foi dito no decorrer da reflexão.

Serginho Valle 
Outubro de 2024

 

Para conhecer o curso de PLP, acesse = https://lp.liturgia.pro.br/plp1

Catequese “Silêncio e Liturgia”, acesse = https://youtu.be/bybypTmhsrg

← Postagens mais recentes Postagens mais antigas → Página inicial