Em tempos idos, antes do Concílio
Vaticano II, para sermos mais pontuais, não havia Pastoral Litúrgica nos moldes
como se entende hoje. Existia, contudo, todo um trabalho de promoção de festas
religiosas, como aquelas de padroeiros e da piedade popular, regids pelo
calendário litúrgico; muitas e variadas eram as manifestações celebrativas inspiradas
na piedade popular: procissões, trezenas, novenas, tríduos... Tais eventos
movimentavam a comunidade e, pela religião toda a vida social era tocada. Não
se pode deixar de reconhecer que se tratava de uma Pastoral Litúrgica,
diferente da de nossos dias, mas eficiente e envolvente, que atingia toda a
comunidade. Com a perda da centralidade da paróquia, especialmente em cidades
de médio e grande portes, estas festas desapareceram ou foram empurradas para os
pátios das paróquias.
Não apenas
perderam espaço, muitas delas perderam principalmente o sentido religioso. Exemplo
claro é a festa de São João Batista. De festa religiosa passa a ser festa popular,
festa folclórica, festa comercial. De São João Batista restou o estandarte como
elemento decorativo. São indicativos de que a paróquia, com sua proposta
religiosa, deixou a centralidade da comunidade social, como foi um tempo e, em muitos
aspectos, perdeu sua influência religiosa especialmente na família.
Tudo girava
em torno da paróquia
Tempos houve
que tudo girava em torno da paróquia. Era a paróquia que preparava as festas,
que promovia encontros sociais, que favorecia momentos esportivos ou de lazer
e, em muitas circunstâncias, propunha (ou impunha) seu pensamento político e
moral. Fazia isso como proposta de valores iluminados pela fé e pela doutrina
cristã. Hoje, num mundo marcado pela pluralidade, a proposta da Igreja soa
antipática e, para algumas minorias, intrometida e até mesmo inoportuna.
Isto levou a
caracterizar a religião, em muitos setores da sociedade, como um freio,
obstáculo, especialmente para algumas correntes ideológicas. Transformaram a
religião — da qual a paróquia é o símbolo visível na comunidade — em julgadora
de juízos morais. Existe todo um movimento social para calar a voz da Igreja e,
com ela, fazer desaparecer a paróquia. Isto é realizado com projetos agressivos
de toda espécie, seja na mídia e até mesmo na educação escolar.
Diante desse
quadro, a pergunta: como a Pastoral Litúrgica pode manter acesa a luz da fé
para favorecer o projeto do Reino de Deus na comunidade?
Um
questionamento pertinente porque tais ameaças têm produzido pastorais litúrgicas
inativas, mornas, limitadas a fazer leituras e cantar nas Missas. Algumas se
limitam a criar equipes de celebração que não passam de leitoras de folhetos
pré-fabricados. Pastorais Litúrgicas que não pensam a celebração como fonte
para iluminar a realidade atual com a luz do Evangelho. Cantam e rezam preces distantes
da vida que vivem na comunidade, porque leem a celebração e não a preparam para
ser expressão da vida comunitária.
Pastorais Litúrgicas
que não reagem com propostas existenciais servindo-se, por exemplo, da piedade
popular, de novenas ou tríduos de padroeiros. Simplesmente param, sem
criatividade alguma, diante do desafio de propor o discipulado pela piedade
popular, por exemplo. Em tempos de pestes e de guerras, antigamente, a piedade
popular era motivada com orações, procissões, novenas... favorecia-se a fé, a
esperança e a caridade capaz de buscar uma resolução social. E hoje? O que se
faz?
Ausência dos
celebrantes
A perda da
centralidade da paróquia na sociedade promoveu uma crise de fé, cujo efeito encontra-se
no abandono de fiéis, ou por irem para outra Igreja ou por se tornarem
indiferentes aos valores religiosos cristãos. Sem querer colocar toda a culpa na
Pastoral Litúrgica, não se desconsidere sua parte no que se refere ao abandono
de fiéis. Muitos abandonam a Igreja influenciados negativamente por celebrações
mornas, incapazes de tocar a vida, sem mensagem para suas dores, para seus
questionamentos, incapazes de propor um caminho, de celebrar a alegria de
conquistas, de fornecer argumentos para defender a fé. Celebrações frias
esfriam a fé, seja emocionalmente que no modo de compreendê-la. Diante disso,
os celebrantes simplesmente se fazem ausentes ou só aparecem quando “precisam”
ir a batizados ou a casamentos ou a funerais. Tornam-se indiferentes.
Mas, a paróquia
evoluiu tecnologicamente, dizem alguns. De fato, algumas se tornaram altamente
tecnológicas, produtoras de planilhas de dízimo e do financeiro; tudo muito bem
organizada, inclusive com planilhas das atividades pastorais, mas pastoralmente,
pouco celebrativa; celebrações frias. "Não é uma questão de
estratégias pastorais — dizia Papa Francisco numa de suas reflexões
— mas de tocar a vida; tocar o concreto da existência com as
celebrações". Não é uma questão de mudar a linguagem litúrgica, adotando a
linguagem de shows ou de promessas milagrosas. É questão de rezar a celebração.
Simplesmente e tão somente isso.
O abandono
da vida paroquial toca também famílias pautadas na fé cristã que veem seus
filhos abandonando a vida da comunidade e se desinteressando pela Igreja. Filhos
e filhas frequentam a Igreja até o Crisma, depois abandonam. Por quê? Por que encontram
coisas mais atraentes? Ou por que no tempo que estiveram na comunidade não foram
cativadas para o Evangelho? Não foram tocadas pela alegria de celebrar a sua
fé. Porque faltam celebrações que unam as famílias na oração.
Diminuição da participação nas celebrações
A diminuição
da participação parece incontrolável, mas o futuro da paróquia depende de como
se irá lidar com isso. O que a Pastoral Litúrgica pode fazer e como deverá
agir? Este é o questionamento que devemos colocar. Já se caminhou muito em
termos de criatividade (até ao exagero, em alguns casos). Agora é preciso
pensar a celebração sob outros pontos de vista, mais comunicativa, mais
pedagógica, não para transformá-la em catequese ou doutrinamento (longe disso),
mas para que toque a vida do celebrante e o sustente no discipulado de Jesus.
Incentive e ajude o celebrante a pensar e agir como Jesus. A dinâmica do Ano Litúrgico
favorece este aspecto e precisa ser redescoberto como mistagógica.
Liturgistas
e pastoralistas precisam sentar juntos para refletir e encontrar caminhos, não com
propósitos saudosistas — isto está fora de cogitação — mas, com o propósito de
restabelecer a importância religiosa na sociedade valorizando o papel
fundamental da paróquia qual protagonista neste projeto. Juntamente com todas
as atividades pastorais, a Pastoral Litúrgica tem uma função impar, seja na
finalidade de formar espiritualmente o povo, seja na função de formar cada
cristão e cristã no discipulado de Jesus à luz do Evangelho.
Olhando para
o Mestre
Somos
discípulos de um Mestre que não teve medo de ser abandonado. Sendo abandonado,
não desistiu de sua fé e sua esperança. Colocou sua fé no Pai e abandonou-se na
certeza que Deus não o abandonaria. Ele mesmo garante que não nos deixaria
órfãos (Jo 14,18). Penso que o primeiro passo, quanto ao futuro da paróquia,
depende de como se adequará a este momento histórico ingressando num caminho iluminado pela
fé e pela esperança.
O atual
pontificado de Papa Francisco pede uma Igreja em saída; Igreja missionária,
capaz de deixar o centro para poder habitar nas periferias, com os mais pobres,
como fez Jesus. Convite para que a Pastoral Litúrgica não modele as celebrações
a partir de mega eventos comunicativos, que enchem os olhos e inflam a emoção,
mas se sirva da comunicação simples, como é próprio da comunicação litúrgica,
capaz de tocar a vida.
Celebrando
de modo simples terá mais condições de propor o sentido da vida na
simplicidade, a exemplo de Jesus, a uma sociedade marcada pelo glamour de
celebridades. A atração da Liturgia não pode estar no grupo musical (nem sempre
ministerial) que irá musicar a celebração, mas naquilo que a celebração propõe
e, de modo simples. Isso vale para outros sacramentos, especialmente para as
celebrações matrimoniais.
Quanto mais
estiver longe do centro, tanto mais será livre e libertada da tentação do
poder, da tentação de querer transformar o presbitério em palco, de usar a
celebração como trampolim para a fama. Ao contrário, fará do presbitério o
espaço do lava-pés, do serviço simples e humilde de onde nasceu a Liturgia. Não
se preocupará com paramentos caríssimos, porque tem em mente que Jesus se
paramentou com um avental para celebrar a primeira Missa da história. Paramentos
bonitos sim, mas atraentes pela beleza da simplicidade.
Longe do centro,
longe de se inspirar em efeitos especiais, a Liturgia terá celebrações mais
simples e se inspirará na simplicidade para celebrar a fé, promover a esperança
e incentivar a caridade; marcas indeléveis da vida do discípulo e da discípula
de Jesus Cristo.
Serginho Valle
Setembro de 2018
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