Ícone é uma palavra de origem grega,
que significa imagem. Enquanto nós, na Liturgia romana, usamos estátuas e
pinturas em nossas igrejas e até em locais públicos, como praças e edifícios, a
Liturgia oriental optou pelo uso de ícones, os quais se revestem e se
fundamentam na Teologia simbólica. Dada sua riqueza teológica, hoje, muitos
artistas da Liturgia romana estão adotando a iconografia oriental em suas
obras, como é o caso do artista sacro brasileiro Cláudio Pastro. Neste meu blogger,
já tive a oportunidade de publicar uma matéria sobre a iconografia com o título
“Logomarca do Ano Santo da Misericórdia”,
onde detalho, inclusive algumas indicações de como olhar e entender um ícone, a
partir de suas cores, por exemplo. A logomarca do Ano Santo da Misericórdia é um
exemplo de como a iconografia oriental está presente em nossa Liturgia, graças,
como dizia, à sua fundamentação teológica.
A Teologia simbólica da Liturgia
Oriental descreve o ícone como “symbolon” que, no vocabulário litúrgico, designa
uma forma de presença divina. Na nossa Liturgia romana, o “symbolon”, palavra
de origem grega, foi traduzido para o latim como “sacramentum”. Não, portanto,
um mero sinal, mas um symbolon, uma presença ou, se preferirem, um modo de
presença. É neste sentido que a Teologia simbólica oriental considera os ícones
como sinais transparentes (visíveis e tangíveis) daquilo que representam, como
é o caso da Trindade, de Jesus Cristo, da Mãe de Deus (Theotokos), dos anjos e
santos, dos Mistérios da Salvação, etc...
A fundamentação da iconografia,
sempre no contexto da Teologia simbólica, está na encarnação, segundo as
definições do Concílio de Nicéia (787). Entende-se aqui o momento histórico, no
qual (como fazem alguns evangélicos atualmente) criticavam e perseguiam fortemente
o uso de imagens e de pinturas representando imagens divinas. Ora, uma vez que
o próprio Deus se faz “imagem”, se faz ícone, ao assumir a carne humana, na
encarnação — tornando-se assim imagem e semelhança de Deus (Gn 1,26) — os
Mistérios divinos podem ser representados pela iconografia; podem ser
expressados não somente por palavras, mas também com imagens. O Filho
encarnado, Jesus Cristo, é a imagem perfeita do Pai (Cl 1,15). Disto os
teólogos simbólicos, na sua grande maioria, artistas da arte sacra e litúrgica
oriental, afirmarem que cada ícone é, antes de tudo, uma ação divina, uma
epifania divina através da arte humana. Cada ícone, nesta linha de pensamento,
é uma teologia visual, realizada em clima de profunda oração. A confecção de um
ícone, portanto, é bem diferente que fazer modelos ou formas de plástico para
fabricar imagens de gesso ou de outros materiais.
O iconógrafo, antes de produzir seu
ícone, entra em oração por um tempo, que pode ser dias ou semanas, faz jejum de
dias ou semanas, e espera o momento inspirador ideal para expressar sua
teologia e sua espiritualidade no quadro (na arte) de uma única vez. Isto
porque, cada iconógrafo tem consciência que não está produzindo uma peça
comercial, mas exteriorizando aquilo que Deus manifesta nele, através de sua
obra de arte. Cada ícone é fruto de meditações, contemplações e inspiração
divina. Assim, ele coloca seus talentos a serviço de uma obra divina, diante da
qual, pela admiração da arte, é possível se aproximar e penetrar no Mistério
divino.
Antes de ser usados na Liturgia,
cada ícone é abençoado e ungido com o óleo crismal, tornando-o uma peça consagrada,
isto é, um meio dedicado a se aproximar do Mistério divino. Na nossa Liturgia,
não temos a prática da unção de imagens, apenas a bênção de imagens, por razões
que, depois do exposto neste artigo, se entendem como óbvias.
Diferentemente de muitos aspectos da
arte sacra ocidental, os ícones, na Liturgia Oriental não são feitos para serem
admirados como obra de arte, mas enquanto obras de arte com a função de
alimentar espiritualmente a alma do orante através da beleza. Faço um
parêntesis para lembrar meu professor de Liturgia Oriental, no Santo Anselmo
(Roma), Padre Gelsi. Ele ficava muito incomodado ao ver ícones sendo
comercializados nas livrarias católicas de Roma ou servindo como decoração em
conventos e até mesmo em igrejas. Conhecendo a função do ícone, entende-se
facilmente sua “revolta”.
Como já descrevi no artigo citado
acima, sobre a logomarca do Ano Santo da Misericórdia, cada cor, trações e
espaços têm seu simbolismo, o mesmo acontece para gestos e para as posições das
figuras. Isto significa a necessidade de ser iniciado, de ter uma catequese,
para compreender o significado do ícone. O ícone é uma obra de arte orante, que
conduz à contemplação. Assim como a música, que em nossas celebrações deveria
ser obra de arte orante e favorecedora da oração, a função do ícone, na
Liturgia oriental, é de antecipar e trazer para diante dos olhos dos
celebrantes a beleza da presença divina entre nós e, num contexto escatológico,
reavivar o desejo de viver na Jerusalém celeste, a bela e artística cidade
descrita no Apocalipse por João (Ap 21,1-22,5). Os ícones, portanto, do ponto
de vista pedagógico celebrativo, como que acostumam os celebrantes a conviver
com santos, anjos, com a Mãe de Deus, com o próprio Jesus Cristo. Uma beleza
provisória, diga-se, porque simbólica, mas que continuamente remete ao que um
dia será eterno.
(Serginho
Valle)
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