15 de jul. de 2023

Pessoal do fundo da igreja

Por um bom tempo acompanhei a luta do padre de uma comunidade para trazer o pessoal para frente, durante as celebrações, especialmente, na missa. Convidava por bem, fazia apelos sorrindo para que viessem mais para frente e nada. Um dia, na missa da tarde, entrei na igreja e o fundo estava com as luzes apagadas. Fui preparar-me para fazer a leitura e, antes da procissão de entrada, ele me falou: vou escurecer o fundo para ver se os “devotos da porta” vêm para frente.

            Ele sentia-se mal celebrando as missas durante a semana, com uma espécie de vácuo, no meio da assembleia. Na frente ficavam as senhoras do Apostolado da Oração, outro grupo da RCC e mais alguns devotos... logo em seguida, bancos vazios e, lá no fundo, um grupo de pessoas que chegavam cedo para ocupar os últimos bancos. Alguns gostavam tanto de ficar nos últimos bancos que ficavam na parede do fundo, caso não encontrassem lugar no banco derradeiro. Mas, com a luz apagada, o padre tinha os devotos iluminados na frente e os “devotos da porta”, apagados no fundo da igreja.

            Quando acabou a missa, ele ficou impressionado com a teimosia dos banqueiros da última fila. Mesmo às escuras preferiam ficar lá no fundo. Isso já tinha virado causa de honra e eu, como outros, ficávamos na expectativa para ver quem iria ganhar: o padre ou os banqueiros da última fila. Um dia, ele quase levou um altar para o fundo da igreja. Celebrar naquelas condições lhe fazia mal. Foi numa reunião para preparar a celebração dessa Domingo que alguém comentou que o publicano parecia os banqueiros da última fila. Caiu a ficha! Quer dizer, entrou o respeito pelo jeito de rezar de quem ficava no fundo da igreja. Na reunião, fizemos uma prece pelo nosso pessoal do fundo da igreja, o padre voltou a iluminá-los e um dia relembrando o caso, comentou comigo: “um dia um senhor chegou para mim e disse que ficava no fundo da igreja porque tinha vergonha da roupa; vinha do trabalho e antes de voltar para casa, participava da missa. Vinha suado e, por isso, preferia ficar lá no fundo da igreja. Era um alcoólatra em recuperação.” Tinha trocado o bar pela igreja, mas no banco do fundo.

            Brincando, lembro que comentei que reparei que ele abria mais os braços na bênção final. Ele respondeu sério: “é verdade, é para tocar os banqueiros da última fila, eles precisam de um carinho abençoado.”

Serginho Valle
Julho 2023

 

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