20 de jun. de 2020

Liturgia, uma “obra aberta”


O semiólogo italiano Umberto Eco escreveu um livro chamado “Opera aperta” (“Obra aberta”). Eco explica que alguns processos de comunicação são obras abertas, quer dizer, fontes de mensagens com interpretações diversas. É o que acontece com a linguagem artística. Um quadro, uma escultura, uma foto, por exemplo, têm significados diferentes, promove reações diferentes dependendo do contexto, da cultura, do tempo e do estado emocional de quando se entra em contato com a obra de arte. É uma obra aberta; não fechada numa única interpretação.
            É exatamente isso que acontece com a Liturgia; com a linguagem litúrgica, mais especificamente. Cada celebração é diferente da anterior e diferente da vindoura. É única. A proeza de transformar uma celebração igual à outra é própria da miopia de quem vê a realidade da vida sempre igual, de quem parou no tempo, de quem não entrou na dinâmica do Reino, que é semelhante ao fermento jogado na massa para levedá-la. A celebração litúrgica sempre tem algo diferente a dizer, sempre tem um significado novo a se contemplar, sempre é uma experiência nova e renovadora; é uma “Obra aberta”.
Por se tratar de linguagem simbólica, repleta de ritos, de significantes que promove significados, a celebração litúrgica nunca se esgota e nem envelhece no tempo. Mas, o modo de celebrar, especialmente se houver carência espiritual, favorecerá a monotonia e a monocromia de olhar a realidade existencial da comunidade sem as luzes da Palavra e os desafios do Reino. São casos típicos de celebrações caricaturizadas, aquelas realizadas pela leitura de formulários ou de folhetos, distantes da vida.
Quando assim acontece em celebrações Eucarísticas de comunidades, não é de estranhar que a Igreja fique vazia, como em tempo da Covid 19. Mas, isto tem um motivo a ser considerado. Faço um exemplo típico. Tenho observado a transformação da Liturgia como “obra aberta” em “obra monótona” e “obra monocromática” na celebração da Liturgia da Horas. Não poucas vezes, ouço padres, religiosos e religiosas, e muitos seminaristas reclamando da monotonia da Liturgia das Horas. Transformaram a celebração comunitária ou individual em leitura. E, quando se lê sempre a mesma coisa, é claro que isso vira monotonia; deixa de ser “obra aberta”, que interroga a vida, que desafia a ascese do cultivo de virtudes e impede o crescimento espiritual e místico na escola e na fonte da oração litúrgica.
A dificuldade de usar a linguagem litúrgica para se comunicar na celebração e com a celebração tem várias origens, mas a principal delas, ao meu ver, é a ausência ou carência do hábito da Lectio Divina na preparação das celebrações. Tantos de padres como de equipes de celebrações. Quando não modelamos nosso olhar para ver a realidade da história com a luz da Palavra, especialmente com a luz do Evangelho, então, pouco a pouco, a vida torna-se monocromática e as celebrações monótonas.
Serginho Valle
Junho de 2020

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