Ouvia muito de meu professor de Teologia
Sistemática, o saudoso e competente Pe. José Knob, SCJ, a definição de teólogo como
um “ouvinte da Palavra”. A expressão que assim define o teólogo é de Karl
Rahner. Pe. Knob se servia dessa expressão para enfatizar que a atividade
teológica é realizada por quem ser faz “ouvinte da Palavra”. Condição
indispensável para penetrar no Mistério da santidade divina com temor e admiravelmente
contemplativo.
Lidando com meus estudos de Teologia Litúrgica, penso
que o mesmo princípio —"ouvinte da Palavra” — deva ser aplicado ao
conceito e à atividade da pedagogia mistagógica porque a condição para se
penetrar no Mistério divino é tornando-se um “ouvinte da Palavra”. É um
princípio da pedagogia mistagógica para ajudar os celebrantes a pensar com a
lógica do pensamento divino.
Para isso, as celebrações devem ser preparadas com
a dinâmica metodológica da Lectio Liturgica, que entra em contato com a
Palavra de Deus de modo diferente de uma Lectio Divina, diferente de um texto
de exegese e, também, diferente da Teologia Bíblica. Serve-se de cada um desses
métodos, mas se encontra com a Palavra de modo litúrgico. A Lectio Liturgica é
uma “lectio” (uma lição) que celebra a Palavra e a semeia no terreno do coração
dos celebrantes (Nt 13,4-9). É uma atividade mistagógica, que introduz no
Mistério que é celebrado iluminado com a luz da Palavra.
A Palavra de Deus ilumina e orienta a vida de todo
homem e mulher; é a luz dos olhos de nossas vidas, canta o salmista (Sl
119,105). Este é um princípio primário e uma realidade para quem se dedica a
alguma atividade da PLP — Pastoral Litúrgica Paroquial. É um tema que procuro
deixar bem claro no meu curso de PLP. Quem atua em algum ministério da Liturgia
torna-se “ouvinte da Palavra” para se colocar em condições de ministerialidade.
Neste caso, toda a assembleia, que é formada pelo padre, pelos ministérios e pelo
povo, são “ouvintes da Palavra”. Está é a primeira e principal condição para
que o processo mistagógico aconteça. Ter uma assembleia “ouvinte da
Palavra”.
O ouvinte da Palavra
No processo da pedagogia mistagógica, o movimento
inicia acontece pela disposição de ouvir, de se tornar um ouvinte com todas as
características de um bom ouvinte: silenciamento interior, acolhimento,
aceitação, empatia, abertura... para com a Palavra. Na comunicação litúrgica, o
celebrante participa como “ouvinte da Palavra” adotando a posição corporal
e atenção na Palavra proclamada para ser ouvida.
Outra atitude é a atenção silenciada ao se ouvir a
Palavra de Deus. A dinâmica psicológica distingue entre a atitude de ler e
a atitude do ouvir. Quando o leitor entra em contato com a Palavra ele é
direcionado à compreensão do texto em modo individual. Por isso, o movimento do
leitor é de se concentrar no texto lido. Quando se ouve, o ouvinte entra em
contato com quem fala e isso provoca alguma reação pessoal. Na leitura de um
texto, estou eu comigo mesmo, na audição, eu me coloco diante do outro. A
Liturgia da Palavra consta de uma proclamação e de uma audição assemblear. Não
é uma Liturgia realizada com vários leitores espalhados pela assembleia,
concentrados em folhetos, livretes ou celulares.
Um terceiro elemento, sempre no contexto da Lectio
Liturgica com ênfase na pedagogia mistagógica, ligado ao ouvir, é a
contemplação. Ouvir com atenção a Palavra de Deus — ser um “ouvinte da
Palavra” — é assumir atitude de contemplativo diante da Palavra proclamada. A
mistagogia inicia e introduz os celebrantes no mistério através da contemplação
e a chave que abre o caminho da contemplação é tornando-se “ouvinte da
Palavra”, aquele que dedica atenção contemplando, totalmente envolvido pelo
silêncio.
Sobre o tema “silêncio e Liturgia”, sugiro uma
catequese litúrgica que publiquei no meu canal de Youtube, na qual descrevo e
apresento o silêncio como espaço do Espírito Santo. Por isso, silenciar como “ouvinte da
Palavra” é abrir espaço para que o Espírito Santo aja e torne os meus
pensamentos semelhantes aos pensamentos de Deus que são diferentes do nossos
pensamentos (Is 58,8-10).
Interrogar e interrogar-se
Depois da contemplação, o movimento provocado pela
escuta e acolhimento da Palavra é a interrogação. É um movimento duplo: o que a
Palavra me diz e como a Palavra me atinge. A pedagogia mistagógica, neste caso,
tem a função de ajudar os celebrantes a se confrontarem com a Palavra de Deus
para que a Palavra aja em suas vidas e no modo de pensar. Na Liturgia nos
tornamos “ouvintes da Palavra” permitindo que ela interrogue nosso modo de
viver e nosso modo de pensar.
As interrogações existenciais aparecem
constantemente em vários personagens Bíblicas. Profetas se interrogam diante da
Palavra e interrogam Deus sobre o significado da Palavra que lhes é dirigida e,
mais profundamente, sobre o sentido da Palavra na vida deles. O autor da Carta aos Hebreus diz: “Pois a Palavra de Deus é
viva e eficaz, e mais afiada que qualquer espada de dois gumes; ela penetra até
o ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e julga os pensamentos e
as intenções do coração” (Hb 4,12). Por isso, liturgicamente falando, a
Palavra é proclamada para ser ouvida e, como “ouvinte da Palavra” permitir que
ela penetre até as juntas e medulas; penetre profundamente na vida de cada
celebrante interrogando o modo de viver. Um exemplo muito compreensível, deste
ponto de vista contemplativo, é Maria, a
Mãe de Jesus: acolhe a Palavra de Deus, deixa-se interrogar, interroga e nela acontece
a encarnação da Palavra de Deus.
A Liturgia da Palavra, na celebração litúrgica de
todos os Sacramentos e Sacramentais, proclama e celebra a Palavra para que
toque e interrogue a vida dos celebrantes a vida dos celebrantes. Um importante
papel, como facilmente se deduz, é atribuído ao homiliasta, esperando dele
condições para refletir a Palavra de modo existencial para favorecer nos
celebrantes o que foi dito no decorrer da reflexão.
Serginho Valle
Outubro de 2024
Para conhecer o curso de PLP, acesse = https://lp.liturgia.pro.br/plp1
Catequese “Silêncio e Liturgia”, acesse = https://youtu.be/bybypTmhsrg
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