Por que a Liturgia fala a nossa língua: o sentido pastoral do português na celebração
Entre as diversas propostas e finalidades da reforma litúrgica promovida pelo Concílio Vaticano II, destaca-se uma intenção clara e profundamente pastoral: abrir o tesouro da Sagrada Escritura a todos os celebrantes. Trata-se de servir com abundância o alimento da Palavra de Deus na Mesa da Palavra, de modo que ela seja realmente acolhida, compreendida e vivida.
Compreender a leitura
O primeiro passo, nesse caminho, é tornar a
leitura compreensível. Não é possível entender aquilo que se proclama se a leitura
for feita em uma língua desconhecida. Durante muito tempo, as leituras eram
proclamadas em latim. Como consequência, poucos celebrantes — ou quase ninguém
— compreendiam o que estava sendo lido.
A reforma litúrgica assume, então, uma decisão
prática e pastoral: para que a Palavra seja verdadeiramente compreendida, ela
deve ser proclamada na própria língua do povo. É fundamental que os celebrantes
entendam aquilo que escutam. Por isso, as leituras são feitas na língua de cada
assembleia — em português, para nós, aqui no Brasil.
Depois de estabelecer que as leituras deveriam
ser proclamadas na língua do povo, a reforma litúrgica compreendeu que, para o
bem dos celebrantes, toda a celebração deveria acontecer na própria língua.
Assim, no Brasil, celebramos a Liturgia em português e, por isso, a nossa
Liturgia fala português.
A proposta de celebrar em língua vernácula —
isto é, na língua de cada país — é inteiramente pastoral. Possui uma finalidade
concreta e objetiva: possibilitar que os celebrantes participem ativamente,
compreendendo aquilo que estão celebrando. É notoriamente sabido que a língua é
um fator preponderante para que a participação plena e consciente aconteça na
celebração.
A língua
litúrgica
É comum ouvir a afirmação de que a reforma
litúrgica aboliu a língua oficial da Liturgia. Essa ideia, porém, não
corresponde à verdade histórica. A primeira língua utilizada na Liturgia cristã
foi o grego. Em seguida, adotou-se o latim e, posteriormente, as línguas
vernáculas, próprias de cada país.
Por que a Igreja substituiu o grego pelo
latim? Porque o povo de Roma já não compreendia o grego. A história litúrgica
relata que o Papa Dâmaso (366 – 384), inclusive, não compreendia plenamente o
grego. Se era, que era Papa, não compreendida, imagine o povo. Surge, então,
uma pergunta inevitável: qual é o sentido de celebrar a Liturgia sem entender
uma única palavra? O senso pastoral de Papa Dâmaso optou por algo prático:
mudar a língua do grego para o latim.
Outro exemplo de sensibilidade pastoral em relação a língua, na antiguidade, é dos irmãos São Cirilo e São Metódio, no século VIII. Eles compreenderam que o Evangelho só cumpre sua missão quando é acolhido pelo coração do povo na língua e na linguagem do povo. Por isso, traduziram a Escritura e a Liturgia para a língua eslava.
Sua proposta pastoral afirmava que Deus fala todas as línguas e
se comunica na cultura de cada povo. Deste modo, a língua vernácula torna-se
instrumento de evangelização no ato celebrativo. Para mais informações sobre o
tema “Liturgia e evangelização” clique aqui: PDL
O latim é a língua litúrgica?
Afinal, o latim é ou não a língua oficial da
Liturgia? Essa pergunta comporta duas respostas.
A primeira é afirmativa: sim, o latim é a
língua litúrgica oficial. Isso porque os documentos oficiais da Igreja são
redigidos em latim. O mesmo vale para os documentos litúrgicos: os rituais, o
Missal Romano, o Pontifical Romano. Os livros litúrgicos originais são escritos
em latim e recebem o nome de editio typica,
isto é, a edição típica, original, a partir da qual se realizam as traduções
para todas as línguas do mundo.
A segunda resposta é negativa: não, o latim
não é a língua oficial da Liturgia no ato celebrativo. Por quê? Porque cada
país celebra a Liturgia em sua própria língua. Assim, a língua de cada povo
torna-se oficial para a celebração litúrgica.
A finalidade é claramente pastoral: tornar
compreensível tudo o que é proclamado, rezado (eucologia), refletido (homilia)
ao longo da celebração. E, mais ainda, ajudar a compreender que Deus entende
todas as línguas e que podemos falar com Ele na língua que usamos em nosso país;
na língua com a qual nos comunicamos entre nós.
Celebrar a Liturgia nas incontáveis línguas
faladas na terra remete-nos ao milagre de Pentecostes (At 2,1-4), quando o
Espírito Santo transforma o louvor da humanidade em um único louvor proclamado
em todas as línguas — “e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito
lhes concedia que falassem. Diante disso, diante do argumento que é o
Espírito que concede à Igreja falar em todas as línguas, torna-se insuficiente
exigir que apenas uma língua, o latim, seja considerada apta para ouvir a
Palavra de Deus, para rezar, para refletir e para celebrar os Santos Mistérios
na Liturgia.
Leituras complementares no mesmo tema:
Porque conhecer o que celebramos

0 Comentários:
Postar um comentário
Participe. Deixe seu comentário aqui.