Exortação Apostólica de Leão XIV - “Dilexi te” Uma leitura à luz da Teologia Pastoral Litúrgica
No dia 9 de outubro de 2025, o Papa Leão XIV publicou a Exortação Apostólica Dilexi te, chamando atenção para a dimensão cristã manifestada pelo “amor para com os pobres”. O próprio Papa Leão XIV esclarece que a Dilexi te foi iniciada pelo Papa Francisco — o que tem tudo a ver, considerando que o pobre sempre foi um tema querido do Papa Francisco —. No caso, a Dilexi te trata da caridade e da atenção da Igreja para com os irmãos e irmãs que vivem na pobreza. O documento propõe uma reflexão teológica, bíblica e pastoral para configurar a ação da Igreja no cuidado dos pobres.
O olhar litúrgico sobre os pobres
O contato
da Igreja com os pobres não tem objetivo unicamente sociológico, embora apareça
como consequência. O objetivo é estritamente pastoral, oferecendo fundamentos
para reafirmar que o amor a Deus é inseparável do amor aos pobres, convertendo
esse princípio em práxis eclesial. É nesse contexto que podemos propor um
primeiro e inicial contato com a Liturgia, mais precisamente dentro da Oração
Eucarística, sobre o modo como olhar os pobres.
“Abri os nossos olhos para perceber as necessidades dos
irmãos e irmãs; inspirai-nos palavras e ações para confortar os cansados e
oprimidos; fazei que os sirvamos de coração sincero, seguindo o exemplo e o
mandamento de Cristo.”
“Pobres sempre tereis entre vós” (Mc 14,7)
Quando
Judas Iscariotes critica Jesus por permitir que um óleo caríssimo seja
desperdiçado ungindo seus pés, o ensinamento do Mestre foi este: “Pobres
sempre tereis entre vós” (Mc 14,7). Jesus indica o pobre como locus
theologicus, no sentido de o relacionamento com o pobre ser favorecedor da
experiência de Deus. Enquanto a Igreja estiver peregrinando no mundo, sempre se
deparará com os pobres e os tratará como sacramento de Cristo (Mt 25,35-40). O
contato com os pobres sempre existirá na Igreja, e isso significa que eles são
uma riqueza por facilitar o contato com o Senhor. Alguns santos, como São
Lourenço de Roma, definiam os pobres como o verdadeiro “tesouro da Igreja”.
Além da
denúncia profética diante de situações de pobreza, a espiritualidade litúrgica
propõe atenção especial às Obras de Misericórdia. Isto acontece através
da atividade mistagógica, com celebrações evangelizadas e evangelizadoras, propondo,
celebração depois de celebração, Domingo depois de Domingo, o crescimento
espiritual para que as obras de misericórdia se tornem uma realidade dentro da
comunidade em favor dos mais necessitados da paróquia. Vou dar um exemplo.
Graças à
facilidade oferecida pelas redes sociais, fiz uma pesquisa no texto da Dilexi
te e verifiquei que a palavra “Liturgia” aparece apenas uma vez, no n.
40, referindo-se à fractio panis em modo relacional: o pão repartido na
mesa do altar é Cristo, e o pão repartido na mesa com o pobre é o pão repartido
com Cristo, porque “quem der, nem que seja um copo de água fresca, a um
destes pequeninos, por ser meu discípulo, em verdade vos digo: não perderá a
sua recompensa” (Mt 10,42).
“Oferecei vossos corpos como
sacrifício vivo, santo e agradável a Deus: este é o vosso culto espiritual. E
não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso
espírito, para que possais discernir qual é a vontade de Deus.”
A
Exortação Apostólica Dilexi te inspira a refletir sobre a
consequência do culto cristão em relação à conversão ética e pastoral
continuamente proposta pela Liturgia no cuidado com os pobres. O exemplo está
no próprio Jesus, expresso na Instituição da Eucaristia e no rito do lava-pés
(Jo 13,14-15), que nos primeiros tempos da Igreja estavam unidos ao Batismo e à
Eucaristia, considerados modelo de vida e serviço cristão na caridade fraterna.
A leitura da Dilexi te sob a ótica da Teologia Litúrgica evidencia que o culto — a Liturgia e a vida sacramental — não é fim em si mesmo, mas abre o coração à partilha. Especialmente na Eucaristia, que pastoralmente propõe, ao longo do Ano Litúrgico, diversos comportamentos exemplares de Jesus diante dos pobres, favorecendo aos celebrantes imitar o Mestre em sua identificação com os últimos e inspirando atitudes de fraternidade.
Do ponto de vista espiritual, a Dilexi te recorda que um culto litúrgico verdadeiro rejeita a auto referencialidade e promove a escuta do clamor dos pobres. Isso pode ser proposto em homilias, orações comunitárias e intenções de oferta, sempre em contexto mistagógico, favorecendo nos celebrantes o senso de justiça e compaixão. Assim, a integração entre celebração litúrgica e ação social torna-se caminho de santificação pessoal e comunitária. A Liturgia, deste modo, é fonte espiritual de toda a dinâmica pastoral no compromisso com os pobres.
Propostas pastorais
A leitura
da Dilexi te, em modo prático e como parte da Pastoral Litúrgica Paroquial (PLP),
oferece muitas inspirações que — no bom senso da comunicação litúrgica — podem
ser usadas nas celebrações, nas quais o tema da pobreza se fizer presente ou em
ações solidárias paroquiais. Faço algumas sugestões:
1. Homilias e orações comunitárias: preparar textos que articulem a
presença de Cristo nos empobrecidos, relacionando-a com as Obras de
Misericórdia, para formar a consciência cristã da assembleia conforme propõe a Dilexi
te.
2. Ritos ofertoriais solidários: promover campanhas como
“Campanha do Quilo”, campanha do agasalho ou ações em favor de vítimas de
catástrofes, ritualizando-as na Liturgia e envolvendo toda a comunidade.
3. Celebrações penitenciais
comunitárias: com ou
sem confissão individual, especialmente após encontros ou reflexões ou retiros
ou curso sobre temas sociais iluminados pela Doutrina Social da Igreja.
4. Festas de santos e santas dos
pobres: celebrar
santos padroeiros ou figuras como São Francisco de Assis, Santa Dulce dos
Pobres, Santa Paulina, Santa Teresa de Calcutá, Santo Antônio Galvão, entre
outros, como impulso missionário e expressão da opção preferencial pelos
pobres, tão cara à Igreja latino-americana.
A Dilexi te, estudada e refletida no âmbito comunitário, propõe várias sugestões à PLP – Pastoral Litúrgica Paroquial, para fomentar a espiritualidade litúrgica em modo celebrativo e missionário, colocando em prática, de forma solidária e fraterna, aquilo que se celebra.
Conclusão – A Liturgia que ama
A
Exortação Apostólica do Papa Leão XIV inspira-nos a compreender a Liturgia como
fonte da caridade fraterna para com os necessitados. É bom lançar um olhar para
a Liturgia como “Liturgia que promove fraternidade”. Podemos dizer que a
Dilexi te convida a redescobrir a Liturgia como o “coração
compassivo” da Igreja.
Celebrar é tomar contato com o movimento do amor de Cristo: descer, servir, elevar. Descer para ajudar o pobre caído; servir a vida empobrecida em irmãos e irmãs; elevar, pelo respeito à vida sem dignidade, vítima de uma sociedade egoísta. Em cada celebração, assumimos o compromisso de desvendar o rosto misericordioso do Pai para com os pequenos, os humildes e os que vivem carregando pesados fardos (Mt 11,28-29).
Aquilo que ouvimos e celebramos na Liturgia — “Fazei isto em memória de mim” (Lc 22,19) — não deve ser apenas rito, mas vida traduzida em serviço fraterno como gesto concreto do lava-pés (Jo 13,14-15). Toda celebração tem um lava-pés e promove diversos modos de lava-pés nos diferentes momentos de relacionamentos sociais.

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