A formação e a espiritualidade litúrgicas são os pilares da Pastoral Litúrgica Paroquial (PLP)

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9 de nov. de 2025

Exortação Apostólica de Leão XIV - “Dilexi te” Uma leitura à luz da Teologia Pastoral Litúrgica


Reflexão teológico-litúrgica sobre a Exortação Dilexi te, de Leão XIV, e o chamado da Igreja a amar e servir os pobres.

No dia 9 de outubro de 2025, o Papa Leão XIV publicou a Exortação Apostólica Dilexi te, chamando atenção para a dimensão cristã manifestada pelo “amor para com os pobres”. O próprio Papa Leão XIV esclarece que a Dilexi te foi iniciada pelo Papa Francisco — o que tem tudo a ver, considerando que o pobre sempre foi um tema querido do Papa Francisco —. No caso, a Dilexi te trata da caridade e da atenção da Igreja para com os irmãos e irmãs que vivem na pobreza. O documento propõe uma reflexão teológica, bíblica e pastoral para configurar a ação da Igreja no cuidado dos pobres.

O olhar litúrgico sobre os pobres

O contato da Igreja com os pobres não tem objetivo unicamente sociológico, embora apareça como consequência. O objetivo é estritamente pastoral, oferecendo fundamentos para reafirmar que o amor a Deus é inseparável do amor aos pobres, convertendo esse princípio em práxis eclesial. É nesse contexto que podemos propor um primeiro e inicial contato com a Liturgia, mais precisamente dentro da Oração Eucarística, sobre o modo como olhar os pobres.

 Já tenho mencionado este aspecto em outros textos, chamando atenção de como a Liturgia intercede a graça de ter olhos para ver os pobres e, mais ainda, ver suas necessidades. Refiro-me à Oração Eucarística para Diversas Circunstâncias IV: “Jesus, caminho para o Pai”. Na primeira intercessão, depois da epíclesis consacratória, a oração diz: 

“Abri os nossos olhos para perceber as necessidades dos irmãos e irmãs; inspirai-nos palavras e ações para confortar os cansados e oprimidos; fazei que os sirvamos de coração sincero, seguindo o exemplo e o mandamento de Cristo.” 

 Que olhos são esses? Os olhos de Jesus. Ter o mesmo olhar de Jesus diante dos pobres, dos cansados e dos oprimidos.

 Essa relação ajuda-nos a compreender a atividade educadora da Liturgia no modo de olhar os pobres. A Dilexi te, nesse contexto, pode ser considerada um olhar ampliado daquilo que a Igreja intercede na própria Liturgia, incentivando os celebrantes a reconhecerem os pobres como rosto de Cristo e, como consequência, a combaterem as causas estruturais da pobreza, restabelecendo condições de dignidade humana para todos. A Liturgia, portanto, não é alheia e nem alienada diante dos pobres.

“Pobres sempre tereis entre vós” (Mc 14,7)

Quando Judas Iscariotes critica Jesus por permitir que um óleo caríssimo seja desperdiçado ungindo seus pés, o ensinamento do Mestre foi este: “Pobres sempre tereis entre vós” (Mc 14,7). Jesus indica o pobre como locus theologicus, no sentido de o relacionamento com o pobre ser favorecedor da experiência de Deus. Enquanto a Igreja estiver peregrinando no mundo, sempre se deparará com os pobres e os tratará como sacramento de Cristo (Mt 25,35-40). O contato com os pobres sempre existirá na Igreja, e isso significa que eles são uma riqueza por facilitar o contato com o Senhor. Alguns santos, como São Lourenço de Roma, definiam os pobres como o verdadeiro “tesouro da Igreja”.

 O contato com os pobres desafia os cristãos e cristãs a compreender a inseparabilidade entre fé e amor concreto aos pobres — a caridade como prova da fé. A celebração litúrgica da Quinta-feira Santa, na Missa vespertina, propõe essa dimensão no rito do lava-pés (Jo 13,1-15). A Igreja repete esse rito não como teatro, mas como memória, em um contexto de recordação, para transformar o que é celebrado em atitude concreta: provocar cada celebrante a viver como servo nas relações sociais, colocando-se a serviço da vida, especialmente dos mais necessitados.

 Outro tema da Dilexi te, desta vez com tom de denúncia, refere-se às novas e antigas formas de pobreza e às estruturas econômicas que geram desigualdade. No Brasil, esse contato acontece, na Liturgia, especialmente durante a Quaresma, com a Campanha da Fraternidade. Muitos católicos têm dificuldade em compreender a profecia realizada pela Campanha da Fraternidade durante as celebrações litúrgicas quaresmais. Todos os profetas do Antigo Testamento denunciam injustiças contra os pobres; o próprio Jesus profetizou contra as desigualdades sociais e chamou atenção de quem não partilha o que tem com quem passa fome. A Liturgia, na Campanha da Fraternidade, exerce sua dimensão profética, denunciando a exploração e as injustiças que atingem vidas, a ponto de condenar pessoas e famílias á situação de pobreza extrema.

 A espiritualidade litúrgica e as Obras de Misericórdia

Além da denúncia profética diante de situações de pobreza, a espiritualidade litúrgica propõe atenção especial às Obras de Misericórdia. Isto acontece através da atividade mistagógica, com celebrações evangelizadas e evangelizadoras, propondo, celebração depois de celebração, Domingo depois de Domingo, o crescimento espiritual para que as obras de misericórdia se tornem uma realidade dentro da comunidade em favor dos mais necessitados da paróquia. Vou dar um exemplo.

 Na Missa do 15º Domingo do Tempo Comum - C, é proclamado o Evangelho do Bom Samaritano (Lc 10,25-37), que propõe a obra da misericórdia de acolher quem foi ferido pela vida. Na Missa do 18º Domingo do Tempo Comum - A, o Evangelho narra a multiplicação dos pães (Mt 14,13-21), expressão da obra de misericórdia de dar de comer aos famintos. A Liturgia torna-se momento de reflexão diante destas duas e outras tantas situações sociais — feridos, doentes e famintos —, momento de oração e momento de envio para agir misericordiosamente em favor deles. A Liturgia proclama, reflete e envia a viver e praticar as obras de misericórdia.

 A Liturgia na “Dilexi te”

Graças à facilidade oferecida pelas redes sociais, fiz uma pesquisa no texto da Dilexi te e verifiquei que a palavra “Liturgia” aparece apenas uma vez, no n. 40, referindo-se à fractio panis em modo relacional: o pão repartido na mesa do altar é Cristo, e o pão repartido na mesa com o pobre é o pão repartido com Cristo, porque “quem der, nem que seja um copo de água fresca, a um destes pequeninos, por ser meu discípulo, em verdade vos digo: não perderá a sua recompensa” (Mt 10,42).

 Inspirando-se em São Justino, o Papa afirma que “não se pode separar o culto a Deus da atenção aos pobres” (DT, 40). Culto e caridade são uma única celebração: iniciada na Igreja e concluída no relacionamento caridoso com o pobre. Iniciada na caridade, encontra seu ponto culminante na partilha do pão, na mesa do altar (SC 10).

 No texto da Dilexi te, o termo “Liturgia” não aparece como palavra-chave; contudo, podemos entender a Liturgia relacionada ao culto e ao sentido da adoração ligados à caridade. O ensinamento de Jesus — “Deixa a tua oferta diante do altar, vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão e, então, volta para apresentar a tua oferta” (Mt 5,23-24) — encontra pleno sentido no relacionamento com o pobre, especialmente com aquele com quem não repartimos o pão, a veste ou a presença de uma visita (Mt 25,35-36). O culto da verdadeira adoração antecede ou torna-se consequência no relacionamento com quem precisa de nossa ajuda.

 É a consequência da celebração litúrgica: o que se ouve na celebração e o sacramento celebrado sempre selam compromissos que se traduzem em gestos de fraternidade. Um desses compromissos é abrir-se à ação do mesmo e único Espírito Santo, que conduz a celebração e impulsiona a promover a fraternidade e a solidariedade. É o mesmo Espírito que age sacramentalmente em todas as celebrações sacramentais santificando os celebrantes e os conduzindo a relacionamentos de gratuidade misericordiosa com os pobres.

 Este processo encontra fundamento em Rm 12,1-2, onde São Paulo exorta:


“Oferecei vossos corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus: este é o vosso culto espiritual. E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso espírito, para que possais discernir qual é a vontade de Deus.”

 Relação entre Liturgia e os temas sociais da “Dilexi te”

A Exortação Apostólica Dilexi te inspira a refletir sobre a consequência do culto cristão em relação à conversão ética e pastoral continuamente proposta pela Liturgia no cuidado com os pobres. O exemplo está no próprio Jesus, expresso na Instituição da Eucaristia e no rito do lava-pés (Jo 13,14-15), que nos primeiros tempos da Igreja estavam unidos ao Batismo e à Eucaristia, considerados modelo de vida e serviço cristão na caridade fraterna.

 Um elemento ilustrativo encontra-se na conclusão da parábola do Bom Samaritano. Jesus pergunta ao fariseu: “Qual dos três te parece ter sido o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores?” O fariseu respondeu: “Aquele que usou de misericórdia para com ele.” Então Jesus lhe disse: “Vai e faze tu o mesmo” (Lc 10,36-37). Assim deve ser o final de toda celebração: os celebrantes devem entender o “vimos” com os olhos divinos como tratar fraternalmente os irmãos; agora, devemos ir e fazer o mesmo, especialmente com os mais pobres.

A leitura da Dilexi te sob a ótica da Teologia Litúrgica evidencia que o culto — a Liturgia e a vida sacramental — não é fim em si mesmo, mas abre o coração à partilha. Especialmente na Eucaristia, que pastoralmente propõe, ao longo do Ano Litúrgico, diversos comportamentos exemplares de Jesus diante dos pobres, favorecendo aos celebrantes imitar o Mestre em sua identificação com os últimos e inspirando atitudes de fraternidade.

Do ponto de vista espiritual, a Dilexi te recorda que um culto litúrgico verdadeiro rejeita a auto referencialidade e promove a escuta do clamor dos pobres. Isso pode ser proposto em homilias, orações comunitárias e intenções de oferta, sempre em contexto mistagógico, favorecendo nos celebrantes o senso de justiça e compaixão. Assim, a integração entre celebração litúrgica e ação social torna-se caminho de santificação pessoal e comunitária. A Liturgia, deste modo, é fonte espiritual de toda a dinâmica pastoral no compromisso com os pobres.

Propostas pastorais

A leitura da Dilexi te, em modo prático e como parte da Pastoral Litúrgica Paroquial (PLP), oferece muitas inspirações que — no bom senso da comunicação litúrgica — podem ser usadas nas celebrações, nas quais o tema da pobreza se fizer presente ou em ações solidárias paroquiais. Faço algumas sugestões:

 

1.     Homilias e orações comunitárias: preparar textos que articulem a presença de Cristo nos empobrecidos, relacionando-a com as Obras de Misericórdia, para formar a consciência cristã da assembleia conforme propõe a Dilexi te.

 

2.     Ritos ofertoriais solidários: promover campanhas como “Campanha do Quilo”, campanha do agasalho ou ações em favor de vítimas de catástrofes, ritualizando-as na Liturgia e envolvendo toda a comunidade.

 

3.     Celebrações penitenciais comunitárias: com ou sem confissão individual, especialmente após encontros ou reflexões ou retiros ou curso sobre temas sociais iluminados pela Doutrina Social da Igreja.

 

4.     Festas de santos e santas dos pobres: celebrar santos padroeiros ou figuras como São Francisco de Assis, Santa Dulce dos Pobres, Santa Paulina, Santa Teresa de Calcutá, Santo Antônio Galvão, entre outros, como impulso missionário e expressão da opção preferencial pelos pobres, tão cara à Igreja latino-americana.

A Dilexi te, estudada e refletida no âmbito comunitário, propõe várias sugestões à PLP – Pastoral Litúrgica Paroquial, para fomentar a espiritualidade litúrgica em modo celebrativo e missionário, colocando em prática, de forma solidária e fraterna, aquilo que se celebra.

Conclusão – A Liturgia que ama

A Exortação Apostólica do Papa Leão XIV inspira-nos a compreender a Liturgia como fonte da caridade fraterna para com os necessitados. É bom lançar um olhar para a Liturgia como “Liturgia que promove fraternidade”. Podemos dizer que a Dilexi te convida a redescobrir a Liturgia como o “coração compassivo” da Igreja.

Celebrar é tomar contato com o movimento do amor de Cristo: descer, servir, elevar. Descer para ajudar o pobre caído; servir a vida empobrecida em irmãos e irmãs; elevar, pelo respeito à vida sem dignidade, vítima de uma sociedade egoísta. Em cada celebração, assumimos o compromisso de desvendar o rosto misericordioso do Pai para com os pequenos, os humildes e os que vivem carregando pesados fardos (Mt 11,28-29).

Aquilo que ouvimos e celebramos na Liturgia — “Fazei isto em memória de mim” (Lc 22,19) — não deve ser apenas rito, mas vida traduzida em serviço fraterno como gesto concreto do lava-pés (Jo 13,14-15). Toda celebração tem um lava-pés e promove diversos modos de lava-pés nos diferentes momentos de relacionamentos sociais. 



Serginho Valle
Novembro de 2025

 

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