Dimensão escatológica da Liturgia — rumo ao céu
Isso faz compreender que as Liturgias que celebramos são “provisórias”, porque nosso destino é o céu, onde a Liturgia é eterna e perene. Em todas as celebrações Eucarísticas, professamos a fé e a esperança invocando a vinda do Senhor: “maranathá” — “Vem, Senhor Jesus” (cf. Ap 22,20) — como se expressa claramente nas aclamações da Oração Eucarística, precedidas pelo “Eis o mistério da fé” que sempre se conclui intercedendo a 2ª vinda do Senhor.
Duas características na celebração peregrina
A palavra
“peregrino” apresenta duas características. Primeiramente, descreve pessoas que
se colocam a caminho com um objetivo definido, que guia e orienta sua ação
presente. Na passagem bíblica dos Reis Magos (cf. Mt 2,1-12), eles apresentam o
objetivo de sua viagem diante de Herodes: “vimos sua estrela no Oriente e
viemos adorá-lo” (Mt 2,2). O peregrino faz de sua peregrinação uma
Liturgia, uma celebração com um objetivo claro, do ponto de vista religioso:
fazer uma viagem (em modos de celebração) para encontrar-se com Deus em algum
lugar determinado e adorá-lo.
Pode-se adorar em casa? Claro que sim, mas existe um objetivo celebrativo no coração do peregrino, que se dispõe ao esforço de uma viagem para encontrar-se com Deus em outro lugar. Trata-se de uma profecia da vida: peregrinamos — a vida é uma passagem (uma páscoa), uma peregrinação — que nos conduz a celebrar a Páscoa eterna com Deus. De Páscoa em Páscoa até a Páscoa definitiva. Assim compreendemos uma dimensão da espiritualidade litúrgica presente em nossas celebrações: sempre recordando que somos peregrinos.
A segunda característica, essa de ordem psicológica, é o desejo de chegar ao “templo” e experimentar a alegria de contemplá-lo. É o que retrata o salmista (Sl 121), um peregrino que expressa sua alegria e contentamento ao ver de longe o destino de sua peregrinação: “Que alegria quando me vieram dizer: ‘Vamos à casa do Senhor!’ Eis que nossos pés se detêm junto às tuas portas, Jerusalém!” (Sl 121,1-2). O estado psicológico do peregrino manifesta expectativa, alegria e contentamento quando se depara com o seu destino. Podemos aplicar o mesmo estado ao celebrante das Liturgias: celebrar com o coração desejoso e esperançoso de contemplar a “cidade santa” que é iluminada pela luz do Cordeiro (cf. Ap 21,23).
Tudo isso faz compreender que a celebração litúrgica é epifania da Igreja como povo em movimento, cuja verdadeira e duradoura pátria é o céu. As procissões realizadas durante as celebrações são ritos que recordam aos celebrantes, em sua linguagem ritual, breve e simbólica, a característica peregrina da Igreja. Isso é evidente na aclamação da Oração Eucarística V: “caminhamos na estrada de Jesus”. Os celebrantes são caminhantes na direção do encontro com o Pai, peregrinando para a Jerusalém Celeste, caminhando na “estrada de Jesus”.
Uma Teologia Pascal
A
Teologia do Ano Litúrgico é inteiramente pascal, no sentido de ser uma
passagem, palavra indicativa de quem é peregrino e está de passagem. O Ano
Litúrgico inicia celebrando a segunda vinda de Jesus Cristo nos dois primeiros Domingos
do Advento e se conclui na Solenidade de Jesus Cristo Rei do Universo, termo de
chegada e destino final da Igreja, nos últimos Domingos do Tempo Comum em
celebrações de caráter escatológico. O destino final é sempre a vida eterna, na
casa do Pai, onde Jesus preparou um lugar para nos receber (cf. Jo 14,2-3).
A dimensão escatológica, presente nos últimos Domingos do Tempo Comum e nos dois primeiros Domingos do Advento, também se encontra na Festa de Todos os Santos e Santas (1º de novembro) e na Missa da Comemoração dos Fiéis Defuntos (2 de novembro). Na Festa, o destino escatológico da vida divina presente na Igreja triunfante e, na comemoração, o destino da vida humana não é ser enterrada, mas peregrinar para participar da santidade divina, na vida eterna. É a oração na absolvição do ato penitencial da Missa: “e nos conduza à vida eterna”.
Cada celebração litúrgica — algo ainda mais evidente nas celebrações Eucarísticas — recorda ao celebrante que ele tem um destino existencial.
Também a celebração da Penitência, em sua dimensão teológica pascal, convida o celebrante a corrigir a rota e voltar a caminhar na “estrada de Jesus” rumo à vida eterna sempre que se desvia da estrada que conduz ao destino da peregrinação.
Na Liturgia das celebrações da Iniciação Cristã é dado o primeiro passo da peregrinação em direção à casa do Pai. Em todas as celebrações litúrgicas se remete ao mesmo destino, como as celebrações dos Sacramentos do estado de vida (Ordem e Matrimônio) e nas celebrações medicinais (Penitência e Unção dos Enfermos). Todas lembram que somos peregrinos e caminhamos para a Jerusalém celeste.
Nossas celebrações são antegozo da
eternidade
Para
concluir, consideremos o Catecismo da Igreja Católica, n. 1090:
“Na Liturgia terrestre, antegozando, participamos (já) da liturgia celeste, que se celebra na cidade santa de Jerusalém, para a qual, na qualidade de peregrinos, caminhamos. Lá, Cristo está sentado à direita de Deus, ministro do santuário e do tabernáculo verdadeiro; com toda a milícia do exército celestial, cantamos um hino de glória ao Senhor e, venerando a memória dos santos, esperamos fazer parte da sociedade deles; suspiramos pelo Salvador, Nosso Senhor Jesus Cristo, até que ele, nossa vida, se manifeste e nós apareçamos com ele na glória.”
A dimensão escatológica da Liturgia diz continuamente aos celebrantes que a celebração jamais é uma atividade passiva, mas que sempre impulsiona a vida na direção do encontro com o Pai, onde Jesus preparou um lugar para nós (cf. Jo 14,2-3). Sobre este aspecto, o Missal propõe um “orate fratres” que resume a dimensão escatológica da Liturgia definindo-a como pausa restauradora: “orai, irmãos e irmãs, para que o sacrifício da Igreja, nesta pausa restauradora na CAMINHADA rumo ao céu, seja aceito por Deus Pai todo-poderoso.” Somos celebrantes peregrinos que restauramos nossas forças celebrando a Liturgia.
Serginho Valle
Outubro de 2025

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