Existe uma certa confusão que pode comprometer a caminha espiritual de muitos cristãos e cristãs: a confusão entre práticas de espiritualidade com aquilo que constitui a espiritualidade em sua totalidade. A espiritualidade é um caminho que contém várias práticas para se caminhar neste caminho: oração, meditação, celebração... é um caminho para se “caminhar nas vias do Espírito”. O comprometimento acontece quando as práticas se tornam um fim em si mesma com ares de magia, como é o caso de recitar por um determinado tempo “orações poderosas”. Volto a repetir, a espiritualidade é um caminho que se caminha “nas vias do Espírito”. É neste caminhar que cultiva a “vida espiritual”.
Existe outro comprometimento, que é aquele de considerar o cultivo da vida espiritual como algo exclusivo de pessoas consagradas, no sacerdócio ou na vida consagrada. A "vida espiritual" diz respeito a todos os cristãos e cristãs, pois todos são chamados à santidade e o caminho “nas vias do Espírito” fortalece a vida espiritual e faz com que cristãos e cristãs (batizados) se tornem discípulos e discípulas de Jesus.
A nutrição da vida espiritual e o caminhar “nas vias do Espírito” tem muitas fontes alimentadoras e muitas indicações de como realizar o caminho e a caminhada. Dentre as muitas fontes da espiritualidade cristã, a Liturgia é uma da principais, ao lado da Sagrada Escritura, da qual a Liturgia se serve para alimentar a vida espiritual dos celebrantes. Quando as celebrações, em nossas comunidades paroquiais, não alimentam e não conduzem os celebrantes “nas vias do Espírito”, então alguma coisa não está em acordo com a proposta e com uma das finalidades da reforma litúrgica: fomentar a vida cristã dos celebrantes (SC 1). O fomento da vida cristã acontece pela espiritualidade do Evangelho, de onde a necessidade de celebrações evangelizadas e evangelizadoras.
A sede de espiritualidade
A busca por espiritualidade é positiva. Sociólogos da religião argumentam que se trata de um fenômeno social que manifesta a necessidade de interioridade, de cultivo da vida interior, a busca de pontos de referência para reencontrar-se a si mesmo e dar sentido à vida. A Psicologia, cada vez mais e com mais intensidade, trabalha o fenômeno da busca de espiritualidade de várias formas, nem todas cristãs. Movimentos de religiões e a própria Igreja propõe caminhos de espiritualidade para que a sede da vida espiritual seja saciada. Dentre as muitas fontes, na Igreja Católica, a mais importante, juntamente com a Palavra de Deus, é a fonte da Liturgia. Para isso, celebrações evangelizadas e evangelizadoras, capazes de mistagogicamente inserir os celebrantes nas vias do Espírito Santo de Deus.
O fenômeno pela busca da espiritualidade não se resume ao cristianismo e às religiões tradicionais. Estudos e pesquisas demonstram que o esoterismo e o ocultismo propõem um caminho de espiritualidade em modo de sincretismo. Um motivo de alerta que exige atenção ao cultivo da espiritualidade cristã com celebrações que sejam realmente orantes e pedagogicamente mistagógicas, isto é, capazes de introduzir e confirmar os celebrantes “nas vias do Espírito”. A sede de espiritualidade não pode ser saciada em qualquer fonte, por isso a necessidade e a importância que as celebrações litúrgicas paroquiais, em especial, sejam um referência da espiritualidade cristã.
Trata-se de um desafio para a PLP — Pastoral Litúrgica Paroquial — e para a dimensão da Pastoral DA Liturgia propondo celebrações que sejam realmente preparadas e celebradas para contribuir no crescimento espiritual dos celebrantes.
Celebrações favorecedoras da vida espiritual
Uma terceira linguagem da comunicação litúrgica que favorece o crescimento da vida espiritual é a linguagem da escuta. É a atitude decorrente da linguagem silenciosa; silenciar para ouvir. Os celebrantes pela Liturgia "nutrem a alma" escutando a Palavra de Deus que, por sua vez, irá reagir na vida em forma de caridade e de ascese. Aqui se considere a parábola do semeador e a celebração como um momento de semeadura, como tenho proposto em outros textos (Mt 13,1-23). A escuta faz parte do processo comunicativo humano, mas na Liturgia torna-se uma linguagem, um modo de comunicar-se consigo próprio. Ouvindo a Palavra o celebrante interage conversando com a vida. É um processo de nutrição espiritual para se caminhar “nas vias do Espírito”.
Outras linguagens da comunicação litúrgica certamente que poderiam ser consideradas. Escolhi aquelas que, ao meu ver, ajudam a compreender melhor o processo comunicativo alimentador da espiritualidade na celebração.
Oração e ascese
A oração, como caminho espiritual que nasce na e da Liturgia, a oração que nasce da Palavra proclamada, ouvida e acolhida, a oração como prece suplicante, laudativa... que envolve a vida pessoal de relacionamento com Deus. Por isso, a importância de a Liturgia ser fonte de oração para que os celebrantes criem o saudável hábito espiritual de dedicar um tempo à oração pessoal, sem esquecer a oração comunitária, especialmente a Eucaristia dominical. Vale, para tal finalidade, celebrações orantes, envolvidas pela oração da escuta da Palavra, pela adoração, orações cantadas com canções e orações silenciosas. A celebração como escola de oração que educa os celebrantes a caminhar “nas vias do Espírito”.
Por fim, fazendo jus ao subtítulo, a importância de caminhar “nas vias do Espírito” com “ascese”. Por ascese entende-se o esforço espiritual e físico (corporal) que envolve renúncia e disciplina para buscar a santidade, moldando a vida pessoal à imagem de Cristo para se caminhar “nas vias do Espírito”. A ascese, em sua prática espiritual, envolve práticas como oração, jejum, abnegação, pequenos sacrifícios... com o objetivo de crescimento na fé e nas virtudes cristãs. A ascese são exercícios espirituais que tem como finalidade a purificação interior para se aproximar de Deus.
Isto pode ser proposto na Liturgia, especialmente na celebração da Penitência, ajudando a penitente a fazer um esforço disciplina que envolve seu corpo para dominar as tentações, por exemplo, ou para se libertar de algum vício de pecado capital para seguir livre e liberto “nas vias do Espírito”. É o caso de recomendar a disciplina do corpo, a sobriedade no comportamento pessoal, o autocontrole diante de tudo. Claro que são atitudes que, quando a Liturgia da Palavra propor, seja apresentado aos celebrantes da Eucaristia.
Concluindo
Serginho Valle
Setembro 2024