18 de dez. de 2018

Pregações apocalípticas e medo

Já tive oportunidade de refletir neste espaço sobre a escolha evangelizadora que privilegia ameaças e medo nas pregações. Refiro-me a pregadores que, na falta de argumentos consistentes, preferem apelar para castigos e anúncios destruidores que acontecerão no final dos tempos. Tais pregadores seguem a lei do menor esforço: em vez de anunciar um Evangelho — uma boa notícia — e o compromisso que este traz consigo, anunciam o medo, o que pode transformar-se em “má notícia”. Configuram kerigma, alegre anúncio de uma boa nova, a ameaças de destruições apocalípticas, no sentido dado ao termo em nossos dias. Em vez de incentivarem a confiança, insistem no medo da destruição. Um desserviço ao Evangelho.
            Estes pregadores seguem o caminho mais fácil porque é cômodo profetizar ameaças e destruição. Agem na base do “avisei; se não quiserem me ouvir, não venham reclamar depois”. Adotam a atitude de quem se coloca num patamar acima de seus ouvintes. Pessoas mais simples e com poucas referências para interrogá-lo aceitam sua pregação e, de um modo ou de outro, tornam-se dependentes do medo e do pregador. Quem questiona o teor de suas pregações, é classificado de incrédulo e, por não acreditar no que ouve, está destinado à condenação eterna.
De um modo ou outro, os pregadores apocalípticos se consideram donos da verdade, com suas interpretações literais negam a eclesiologia de  Igreja Povo de Deus, peregrina nas estradas da vida e construtora de um mundo melhor, como Deus  propõe. Para essa gente, quase tudo se transforma em castigo de Deus: a fome, a seca, a miséria... e, em apenas poucas ocasiões são consideradas como causas de injustiça social. São pregadores que não leram o Evangelho em sua totalidade e, por este motivo, não compreenderam o projeto de Deus. Eles se contentaram, apenas, com os últimos capítulos.
            Como é possível verificar nos últimos Domingos do Tempo Comum e nos dois primeiros Domingos do Advento, a Liturgia tem um modo sereno e esperançoso de celebrar a Salvação que se realizará na 2a vinda do Senhor. Não descarta o fim de todas as coisas, mas sem, por isso, assumir posição alarmista, como dos pregadores que anunciam desgraças. Uma reflexão séria e serena da 2a vinda do Senhor não espanta, ao contrário, vê como normal que a natureza e toda a criação desmanchem-se diante da glória divina, a qual deverá brilhar para sempre diante de nossos olhos. Nada de ameaças, como fazem os profetas do pessimismo. A Liturgia celebra e proclama esperança e confiança naquele dia que o Senhor voltará e nós o veremos em poder e glória.
Serginho Valle
Dezembro 2018


7 de dez. de 2018

O valor da Palavra de Deus na Liturgia

O texto de Ne 8,2-10 é um texto base para a Pastoral Litúrgica, especialmente para quem atua no Ministério da Palavra. Um tema decorrente deste texto é a importância da Palavra de Deus na celebração e na assembléia litúrgica. Iluminando-se neste texto, vou considerar quarto temas relativos à importância da Palavra de Deus na celebração Eucarística e nas celebrações dos demais Sacramentos.
É útil considerar igualmente como a assembléia respeita a Palavra de Deus: se tem os olhos voltados para os leitores ou, se é uma assembléia cabisbaixa, cada qual concentrado em seu folheto, ou em seu livrete ou, em tempos atuais, em seus celulares com aplicativos da “Missa do Dia” para ler a Palavra individualmente em vez de dedicar-se a ouvir comunitariamente a Palavra.  

Dignidade do leitor
             Não é qualquer um que pode subir a um lugar mais elevado — ambão — para proclamar a Palavra de Deus na assembléia. O texto de Neemias trata o leitor como alguém especial, escolhido do meio do povo, elegido por vocação de ter intimidade com a Palavra de Deus. Nada, portanto, de “pastoral do laço”, realizada pelos (i)responsáveis da Missa que vão “laçar” leitores e salmistas 10 ou 5 minutos antes de a Missa começar. Nada de depender da “boa vontade” de quem veio à missa e é convidado, sem tempo de preparar-se previamente, para assumir um ministério na assembléia litúrgica.
            Sim, porque não se trata somente de ler uma leitura ou fazer leitura de um texto Bíblico. Existe um a necessidade de algum envolvimento, de alguma intimidade, nem que tenha sido uma espécie de conversa com a Palavra que será proclamada. Leitor que não se prepara, comparando à parábola do semeador, é um semeador semeando sem sementes, por não ter a Palavra dentro de si.

Espaço especial para proclamar a Palavra
Esdras sobe num estrado, num lugar mais elevado, especial para proclamar a Palavra. Jesus, no relato da sinagoga de Nazaré (Lc 4,14-21) levanta-se e toma o “livro”. A proclamação da Palavra de Deus merece um lugar especial, destinado unicamente a ela, o ambão. Tempos houve, que alguém levantava-se no meio da assembléia e, sem microfone, aos gritos, ia lendo uma leitura e depois a outra. Este é um aspecto que, graças a Deus, já está superado.
Outro aspecto é considerar — e aqui sempre é útil e necessário insistir — que o ambão é o local da Palavra de Deus, não é lugar para comentários, avisos ou promoções do dízimo, da quermesse... O ambão é um local especial, sagrado, de onde Deus fala a seu povo pela voz do leitor e do diácono ao proclamar o Evangelho.

Um livro aberto diante do povo
O que dizer do livro que é aberto diante do povo e do livro que Jesus toma em mãos, qual símbolo da Palavra de Deus que se abre diante dos celebrantes? Em ambas as situações, a importância que a Bíblia dá ao livro; seja ao Lecionário como, particular e especialmente, ao Evangeliário.
Por isso, o que dizer de tantas comunidades usando folhetos descartáveis ou livretes para proclamar a Palavra de Deus? Alguns apressados se contentam em defender a proclamação da Palavra usando folhetos pelo conteúdo; é a mesma leitura escrita no livro. Não tem dúvida; é a mesma leitura. No contexto ritual litúrgico, contudo, não se trata apenas de equivalência de conteúdo, mas de dignidade simbólica. E neste caso, considerando que a Liturgia é linguagem simbólica, proclamar leituras e Evangelho de folhetos é aberração e ruído comunicativo.

Os olhos fixos em Jesus
Por fim, a atitude dos celebrantes, que tinham os olhos voltados para os leitores, no texto de Neemias, e os “olhos fixos em Jesus”, na sinagoga de Nazaré. As Equipes de Celebrações, juntamente com o Ministério do Leitorato podem se interrogar para onde os celebrantes dirigem seus olhares? É triste considerar que uma assembléia litúrgica senta-se para ouvir a Palavra comunitariamente e que, quase que por automação, abaixa os olhos para se ocupar individualmente com seu folheto ou com seu livreto e, como dizia, atualmente, com seu smarphone.
Serginho Valle

Novembro de 2018
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