27 de abr. de 2019

Criatividade litúrgica

A Liturgia acontece e se realiza concretamente na celebração com uma assembléia, por isso seria equívoco reduzi-la a textos e a normas, mesmo sendo parte da legislação litúrgica. A “actio liturgica” é a Liturgia em ato, na sua forma natural de acontecer e de ser celebrada. Por isso dizemos que a Liturgia pertence mais ao fazer, configurada na fala, no ouvir (silêncio), em gestos, em símbolos e sinais, espaços... que às prescrições para que seja bem celebrada. As normas litúrgicas — e disto a sua importância — servem para organizar e orientar a atividade litúrgica e garantir a ortodoxia da fé da Igreja nas celebrações. Em outras palavras, a Liturgia pertence à Igreja e é celebrada como Igreja. Não é uma atividade subjetiva ou pertencente a um grupo.
            Neste contexto é possível considerar aquilo que se denomina de “criatividade litúrgica”. Termo nem sempre compreendido e bem utilizado em nossas comunidades.
A criatividade litúrgica não se situa na criação da novidade que impressiona ou é usada unicamente para provocar emoções na linha do sentimentalismo. Criativo, no contexto teológico e na Pastoral da Liturgia, não é aquele que inventa moda nas celebrações, agindo individualmente, fundamentando-se na teoria de “o povo gosta”. A criatividade litúrgica tem a finalidade de ajudar a celebrar melhor para conduzir os celebrantes ao encontro de Deus e ao compromisso com o seu projeto divino. Por isso, a “criatividade litúrgica”, como a Igreja a entende, requer conhecimento profundo da Teologia Litúrgica. Criatividade não combina com infidelidade às normas litúrgicas e nem aborrece a assembléia com encenações, ritos exóticos, cantorias e excesso de símbolos. A criatividade na Liturgia jamais extrapola, ao contrário, sempre favorece a oração e a compreensão do que se celebra.
A criatividade litúrgica não se preocupa em “inventar para atrair” e para agradar os celebrantes, mas em se servir da palavra, da música, dos gestos, do silêncio... de todo o processo da comunicação litúrgica, em suma, para favorecer nos celebrantes a sintonia com Deus, em clima de oração e, para isso, não se serve de linguagens conotativas do teatro, de palestras intermináveis, de shows e de outros pendulicários.
Serginho Valle
Abril de 2019



6 de abr. de 2019

A Eucaristia é "fractio panis"

Um bom modo para compreender a Eucaristia encontra-se num dos seus primeiros nomes: “fracio Panis”. No início da história da Igreja, o nome dado à Missa, à celebração da Eucaristia, era “fractio panis”. Termo latino que se traduz como “fração do pão”.
            O rito da “fractio panis”, na nossa Liturgia Eucarística, acontece pouco antes do rito da Comunhão Eucarística e é acompanhado pela invocação do Cordeiro de Deus. Trata-se de um rito litúrgico cantado — nem sempre respeitado em nossas celebrações — que descreve aquilo que o gesto da fração do pão representa: Jesus é o Cordeiro de Deus que oferece seu corpo para ser partilhado, repartido entre nós. É um gesto que descreve o sentido profundo da Eucaristia como doação da vida divina, que se reparte, que é partilhada, para que todos se tornem um só corpo em Cristo Jesus.
Um gesto tão importante nem sempre com a valorização que deveria ter nos ritos da Missa porque muitos padres o fazem com os celebrantes realizando o rito da paz; proclamam o Cordeiro de Deus sem a fração do pão e com o padre fazendo a genuflexão preparatória para apresentar o Corpo e o Sangue de Jesus aos celebrantes. Em resumo: um amontoado de ritos que perdem seu sentido na pressa.

O que era a “fractio panis”?
            A “fractio Panis”, nos tempos antigos, era um gesto familiar que Jesus transformou em sacramento da doação da própria vida. Antes de qualquer refeição familiar, o pai de família tomava o pão em suas mãos, dava graças pelo alimento que Deus concedia à sua família, fruto do seu trabalho, partia o pão e entregava à sua esposa, aos filhos e a quem participava da mesa. Em sua família, Jesus via este gesto realizado por São José. Depois da morte de José, Jesus tornou-se o encarregado familiar para realizar o rito. Um rito que, possivelmente, ele também celebrou muitas vezes com seus discípulos e discípulas. Na Última Ceia, o gesto da “fractio Panis” foi transformado em gesto sacramental memorial.

Eucaristia como partilha da vida divina
A Eucaristia torna-se mais bem compreendida a partir do pão, que é o fruto do trabalho humano, como diz a oração da apresentação das oferendas; pão que serve para alimentar a vida humana. A fração do pão representa — no sentido de re+presente, isto é, de tornar presente — a partilha da vida. Aquele pão que é fruto do trabalho de todos que participam da comunidade celebrativa Eucarística, torna-se santificado pela presença de Jesus e, deste modo, santifica e une todos que participam do mesmo altar.
Com o mesmo gesto diário de repartir o pão em nossas mesas, não somente nos tempos Bíblicos, mas no nosso hoje, Jesus colocou ali a sua vida, para que o pão repartido no altar seja alimento divino para a vida humana.
Com este mesmo gesto, a Eucaristia alcança as mesas de nossas casas, fazendo com que o simples gesto do pai e da mãe que colocam o pão na mesa para ser repartido em família, torne toda refeição momento de ação de graças a Deus. Eis um sentido que deveríamos recuperar em nossas comunidades, ajudando as famílias a compreender a Eucaristia como rito da família de Deus que comunga a mesma vida divina e, de outro lado, favorecer a compreensão que cada refeição em família é momento “Eucarístico”, momento de ação de graças a Deus porque ali se partilha o pão, partilha-se a vida.
Deste modo, repetindo, um dos melhores modos para compreender a Eucaristia é a partir de um dos seus primeiros nomes: “fractio panis”. Como canta a poesia da música de Pe. Zezinho,scj: “somos a Igreja do pão, do pão repartido, do abraço e da paz”.
Serginho Valle
Abril de 2019


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