19 de dez. de 2020

Vai ter gente na Missa depois da pandemia?

 Uma pergunta na cabeça de padres e leigos é sobre a frequência da Missa depois da pandemia, no que se está sendo denominado de “novo normal”. Já ouvi de padres a previsão que as Missas Dominicais diminuirão e as Missas semanais ficarão reduzidas a algumas poucas pessoas.

            Refletindo sobre este tema, cardeal Marc Oullet definiu o tempo que a pandemia impediu a participação presencial nas Missas Dominicais como “longo jejum Eucarístico, que levou a perder o hábito da Missa Dominical.” Creio não ofender o cardeal com minha interrogação: será que alguns meses são suficientes para desfazer o hábito da Missa Dominical? Se a resposta for afirmativa, precisamos avaliar quais motivações e qual qualidade de fé inspiram os católicos a participar da Missa.

           

Tempo sabático

            Em vez de colocar interrogações e, pior que isso, gastar tempo fazendo previsões pessimistas, o tempo da pandemia pode ser considerado um tempo sabático obrigatório, convidando-nos a rever atitudes e resultados da Pastoral Litúrgica Paroquial na comunidade. Deste ponto de vista, a pandemia que nos obrigou a fechar as igrejas e impediu as celebrações dominicais é uma espécie de tempo sabático para rever conceitos e avaliar os resultados da colheita. Rever o modo com a Eucaristia é celebrada, a ponto de não causar saudades em muitos católicos, a ponto de muitos católicos não sentirem falta de se alimentarem com a Eucaristia.

            Durante séculos, a Igreja insistiu na importância da Missa Dominical em base a normas jurídicas e morais. Mesmo que isso tenha diminuído em termos de insistência, no sentido de imposição moral para não pecar, o conceito perdura no inconsciente de grande parte dos católicos. Quando a pandemia fez os Bispos suspenderam o preceito, muitos entenderam que o “pecado de perder Missa em Domingos e Dias Santos” não é tão ameaçador como pensavam e assumiram a comodidade de participar da Missa “assistindo-a” na poltrona de sua casa. Isso foi reforçado com padres dizendo que a sala da casa era extensão do santuário ou da igreja paroquial. Concordo com a consolação, mas — naquilo que vi em transmissões de Missas pela televisão e em lives — muitos padres esqueceram de insistir que se tratava de algo provisório. O normal não é “assistir” Missa pela TV, no celular ou tablet, mas participar da Missa na comunidade.

            Em alguns poucos debates que participei, falou-se que a pandemia será como uma peneira, capaz de peneirar quem de fato é católico e conhece o valor da Eucaristia, e quem é “católico cultural”, aqueles que vão à Missa Dominical como parte da cultura religiosa ou do hábito pessoal. Ouvi de alguns o pensamento que a pandemia tirou o compromisso religioso de adolescentes e jovens e, até mesmo de famílias com crianças, no que se refere à iniciação sacramental: Batismo, 1ª Comunhão, Crisma, Confissão...

            Assisti debates que, considerando a diminuição na participação da Missa Dominical pós pandemia, se pergunta: será que a diminuição aconteceu (o vai acontecer) por causa da pandemia ou este seria um processo natural? Seja quais forem os argumentos, o que salta aos olhos é a fragilidade da fé, que pode ser fruto de uma evangelização, catequese e formação cristã deficitária. Li em algum lugar o artigo de um sociólogo da religião que dizia: a pandemia só antecipou o que aconteceria mais cedo ou mais tarde: a diminuição da importância cultural da religião na sociedade.

            “O cristão não vive sem a Eucaristia dominical” dizem escritos da Igreja primitiva. A Eucaristia é o alimento da vida cristã, o que significa dizer que sem Eucaristia a vida cristã desaparece. O fato de se constatar que muitos cristãos não sentem falta da Mesa da Palavra e da Mesa da Eucaristia e, que pós-pandemia, isto seria ainda mais evidente precisa necessariamente tocar a proposta e a atividade da Pastoral Litúrgica Paroquial de cada comunidade.

Serginho Valle

Outubro de 2020

12 de dez. de 2020

Iniciação cristã

 


O neófito ingressa na vida cristã celebrando, celebrando, participando e comungando três Sacramentos: Batismo, Crisma e Eucaristia. Em tempos idos, estes três Sacramentos, conhecidos como Sacramentos da Iniciação Cristã, eram celebrados em uma única celebração. Aquele que se tornaria cristão era batizado, crismado e, na mesma celebração, participava pela primeira vez da Eucaristia.

            Com o passar do tempo e, principalmente devido a falta de formação pelo desaparecimento do catecumenato, os três Sacramentos passaram a ser celebrados em datas diferentes. Hoje, o critério é a idade. Batizar recém-nascidos, 1ª Comunhão para pré-adolescentes (na faixa de 11 anos de idade) e Crisma na adolescência e juventude (na faixa dos 14 anos). Um critério bem estranho para a tradição catecumenal da Igreja.

            Com a reforma da Liturgia, iniciada em 1964, o Concílio Vaticano II restaurou o catecumenato inspirando-se na prática catecumenal do século VIII, quando o catecumenato alcançou seu auge. Mas, as exigências e o despreparado de padres e de catequistas para o acompanhamento de novos catecúmenos não produziu os frutos desejados, salvos raras exceções, ao menos em terras ocidentais. Em países da Ásia, Oceania e África o resultado foi mais promissor.

            No Brasil não foi diferente. Lembro as reações das aulas de Iniciação Cristã e de cursos que ministrei a padres e catequistas. Quando apresentava o RICA — Rito da Iniciação Cristã para Adultos — uma frase explica as reações: “muito bonito e rico, mas praticamente impossível de realizar”. Desânimo antes mesmo de começar. Não havia sequer a tentativa de colocar perguntas do tipo: como podemos fazer isso? Quanto tempo precisaríamos para introduzir a mentalidade do catecumenato em nossas comunidades? Ao contrário, reação regida pela lei do menor esforço: não vai dar certo!  

            Agora, como sabemos, os Bispos do Brasil introduziram a metodologia, a dinâmica e a pedagogia da Iniciação Cristã. Em certo sentido, é um esforço pastoral que chega com um atraso de, mais ou menos 50 anos. É uma resposta à necessidade de termos mais cristãos e não somente batizados, cristãos e cristãs que vivam a dinâmica do Evangelho como discípulos, discípulas e missionários.

 

Dois aspectos da teologia do Batismo e da Crisma

Os Sacramentos da Iniciação Cristã, como mencionado, são Batismo Crisma e Eucaristia. Destaque para o Batismo e Crisma, dois sacramentos que estabelecem relação direta com a Páscoa de Jesus Cristo e, consequentemente, com todo o Mistério Pascal de Jesus Cristo. Pela Liturgia do Batismo, o fiel torna-se participante da Morte e Ressurreição de Jesus Cristo, como ensina Paulo (Cl 2,12). E, participando da Liturgia da Crisma, ele é confirmado na fé com o dom do Ressuscitado, o dom do Espírito Santo de Deus em sua vida, segundo a teologia paulina (2Cor 1,22).

Outra característica, creditada ao Batismo e Crisma, do ponto de vista teológico, é a impressão de caráter na vida dos celebrantes. Tanto o Batismo como a Crisma imprimem caráter, quer dizer, marcam a vida da pessoa para todo o sempre. A pessoa será batizada e crismada por toda a eternidade. Por isso, não existe outro Batismo válido, mesmo que seja batizado em outra Igreja cristã, por exemplo. Um só Batismo para a remissão dos pecados. Terá sempre em si a marca da Ressurreição de Cristo e o selo do Espírito Santo de Deus. Por isso, receber o Batismo e a Crisma significa assumir um compromisso eterno com Deus. Significa comprometer-se eternamente com Deus. Essa dimensão é muito clara em São Paulo na carta que escreve aos Coríntios (1Cor 12,13) e a Tito (Tt 3,5-7). 

Serginho Valle

Dezembro de 2020

 

5 de dez. de 2020

Dimensão pedagógica do Ano Litúrgico

 


Já tive a oportunidade de fazer referência à dimensão pedagógica do Ano Litúrgico. Muitos autores, antigos e atuais, descrevem o Ano Litúrgico como uma escola de espiritualidade, um caminho para crescer no discipulado, o grande espaço da Teologia Litúrgica acontecendo no tempo.

            Se tudo isso é verdade e bonito, a questão é o modo da Liturgia administrar este aspecto para e com os celebrantes. Falo da atividade da Pastoral Litúrgica fazendo uso da pedagogia do Ano Litúrgico. É preciso considerar, neste caso, que o Mistério Pascal celebrado na Liturgia é dinâmico. Uma dinâmica que precisa mexer com a vida pessoal de cada celebrante, de tal modo que o cristão, Domingo após Domingo, tempo litúrgico depois de tempo litúrgico, ano após ano, cresça e modele sua vida a partir do projeto de Jesus Cristo, a partir dos valores do Reino de Deus.         

Neste sentido, a pedagogia do Ano Litúrgico favorece a formação dos celebrantes na espiritualidade Bíblica e pascal. Não uma espiritualidade baseada em devocionalismos ou inspirações espiritualistas, mas espiritualidade fundamentada na Sagrada Escritura, alimentada pela Liturgia da Palavra, sempre presente em todas celebrações. É também espiritualidade sacramental, enquanto os Sacramentos inserem e levam os celebrantes a viver o que celebram.

A dinâmica pedagógica do Ano Litúrgico não tem a finalidade de formar pessoas religiosas, mas formar cristãos, isto é, pessoas comprometidas com o projeto de Jesus Cristo, comprometidas com o projeto do Reino de Deus.

É notório como a Igreja, inclusive através da Liturgia, formou durante séculos, pessoas religiosas, no sentido de realizadoras e cumpridoras de práticas religiosas. Não que isso seja pecado, em absoluto, mas é preciso ressaltar que, na pedagogia do Ano Litúrgico, a Igreja assume a função de formar cristãos, pessoas que celebram o Mistério Pascal de Cristo na e pela Liturgia e se comprometem, de fato, na vida concreta, com aquilo que celebram tornando-se, crescendo e vivendo como discípulos e discípulas de Jesus, caminhando na estrada do Evangelho.

É este o motivo pelo qual o Ano Litúrgico sempre é contextualizado no momento histórico presente. Nunca a Liturgia celebra o ontem. Sempre faz Memória (com M maiúsculo), celebra o Mistério da fé no presente. A espiritualidade litúrgica nunca é algo extra temporal. Pela dimensão pedagógica do Ano Litúrgico, a Igreja não tem um calendário de solenidades e festas, mas um programa formativo da vida cristã em vista do discipulado.

Serginho Valle
Novembro de 2020

 

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