18 de dez. de 2018

Pregações apocalípticas e medo

Já tive oportunidade de refletir neste espaço sobre a escolha evangelizadora que privilegia ameaças e medo nas pregações. Refiro-me a pregadores que, na falta de argumentos consistentes, preferem apelar para castigos e anúncios destruidores que acontecerão no final dos tempos. Tais pregadores seguem a lei do menor esforço: em vez de anunciar um Evangelho — uma boa notícia — e o compromisso que este traz consigo, anunciam o medo, o que pode transformar-se em “má notícia”. Configuram kerigma, alegre anúncio de uma boa nova, a ameaças de destruições apocalípticas, no sentido dado ao termo em nossos dias. Em vez de incentivarem a confiança, insistem no medo da destruição. Um desserviço ao Evangelho.
            Estes pregadores seguem o caminho mais fácil porque é cômodo profetizar ameaças e destruição. Agem na base do “avisei; se não quiserem me ouvir, não venham reclamar depois”. Adotam a atitude de quem se coloca num patamar acima de seus ouvintes. Pessoas mais simples e com poucas referências para interrogá-lo aceitam sua pregação e, de um modo ou de outro, tornam-se dependentes do medo e do pregador. Quem questiona o teor de suas pregações, é classificado de incrédulo e, por não acreditar no que ouve, está destinado à condenação eterna.
De um modo ou outro, os pregadores apocalípticos se consideram donos da verdade, com suas interpretações literais negam a eclesiologia de  Igreja Povo de Deus, peregrina nas estradas da vida e construtora de um mundo melhor, como Deus  propõe. Para essa gente, quase tudo se transforma em castigo de Deus: a fome, a seca, a miséria... e, em apenas poucas ocasiões são consideradas como causas de injustiça social. São pregadores que não leram o Evangelho em sua totalidade e, por este motivo, não compreenderam o projeto de Deus. Eles se contentaram, apenas, com os últimos capítulos.
            Como é possível verificar nos últimos Domingos do Tempo Comum e nos dois primeiros Domingos do Advento, a Liturgia tem um modo sereno e esperançoso de celebrar a Salvação que se realizará na 2a vinda do Senhor. Não descarta o fim de todas as coisas, mas sem, por isso, assumir posição alarmista, como dos pregadores que anunciam desgraças. Uma reflexão séria e serena da 2a vinda do Senhor não espanta, ao contrário, vê como normal que a natureza e toda a criação desmanchem-se diante da glória divina, a qual deverá brilhar para sempre diante de nossos olhos. Nada de ameaças, como fazem os profetas do pessimismo. A Liturgia celebra e proclama esperança e confiança naquele dia que o Senhor voltará e nós o veremos em poder e glória.
Serginho Valle
Dezembro 2018


7 de dez. de 2018

O valor da Palavra de Deus na Liturgia

O texto de Ne 8,2-10 é um texto base para a Pastoral Litúrgica, especialmente para quem atua no Ministério da Palavra. Um tema decorrente deste texto é a importância da Palavra de Deus na celebração e na assembléia litúrgica. Iluminando-se neste texto, vou considerar quarto temas relativos à importância da Palavra de Deus na celebração Eucarística e nas celebrações dos demais Sacramentos.
É útil considerar igualmente como a assembléia respeita a Palavra de Deus: se tem os olhos voltados para os leitores ou, se é uma assembléia cabisbaixa, cada qual concentrado em seu folheto, ou em seu livrete ou, em tempos atuais, em seus celulares com aplicativos da “Missa do Dia” para ler a Palavra individualmente em vez de dedicar-se a ouvir comunitariamente a Palavra.  

Dignidade do leitor
             Não é qualquer um que pode subir a um lugar mais elevado — ambão — para proclamar a Palavra de Deus na assembléia. O texto de Neemias trata o leitor como alguém especial, escolhido do meio do povo, elegido por vocação de ter intimidade com a Palavra de Deus. Nada, portanto, de “pastoral do laço”, realizada pelos (i)responsáveis da Missa que vão “laçar” leitores e salmistas 10 ou 5 minutos antes de a Missa começar. Nada de depender da “boa vontade” de quem veio à missa e é convidado, sem tempo de preparar-se previamente, para assumir um ministério na assembléia litúrgica.
            Sim, porque não se trata somente de ler uma leitura ou fazer leitura de um texto Bíblico. Existe um a necessidade de algum envolvimento, de alguma intimidade, nem que tenha sido uma espécie de conversa com a Palavra que será proclamada. Leitor que não se prepara, comparando à parábola do semeador, é um semeador semeando sem sementes, por não ter a Palavra dentro de si.

Espaço especial para proclamar a Palavra
Esdras sobe num estrado, num lugar mais elevado, especial para proclamar a Palavra. Jesus, no relato da sinagoga de Nazaré (Lc 4,14-21) levanta-se e toma o “livro”. A proclamação da Palavra de Deus merece um lugar especial, destinado unicamente a ela, o ambão. Tempos houve, que alguém levantava-se no meio da assembléia e, sem microfone, aos gritos, ia lendo uma leitura e depois a outra. Este é um aspecto que, graças a Deus, já está superado.
Outro aspecto é considerar — e aqui sempre é útil e necessário insistir — que o ambão é o local da Palavra de Deus, não é lugar para comentários, avisos ou promoções do dízimo, da quermesse... O ambão é um local especial, sagrado, de onde Deus fala a seu povo pela voz do leitor e do diácono ao proclamar o Evangelho.

Um livro aberto diante do povo
O que dizer do livro que é aberto diante do povo e do livro que Jesus toma em mãos, qual símbolo da Palavra de Deus que se abre diante dos celebrantes? Em ambas as situações, a importância que a Bíblia dá ao livro; seja ao Lecionário como, particular e especialmente, ao Evangeliário.
Por isso, o que dizer de tantas comunidades usando folhetos descartáveis ou livretes para proclamar a Palavra de Deus? Alguns apressados se contentam em defender a proclamação da Palavra usando folhetos pelo conteúdo; é a mesma leitura escrita no livro. Não tem dúvida; é a mesma leitura. No contexto ritual litúrgico, contudo, não se trata apenas de equivalência de conteúdo, mas de dignidade simbólica. E neste caso, considerando que a Liturgia é linguagem simbólica, proclamar leituras e Evangelho de folhetos é aberração e ruído comunicativo.

Os olhos fixos em Jesus
Por fim, a atitude dos celebrantes, que tinham os olhos voltados para os leitores, no texto de Neemias, e os “olhos fixos em Jesus”, na sinagoga de Nazaré. As Equipes de Celebrações, juntamente com o Ministério do Leitorato podem se interrogar para onde os celebrantes dirigem seus olhares? É triste considerar que uma assembléia litúrgica senta-se para ouvir a Palavra comunitariamente e que, quase que por automação, abaixa os olhos para se ocupar individualmente com seu folheto ou com seu livreto e, como dizia, atualmente, com seu smarphone.
Serginho Valle

Novembro de 2018

12 de out. de 2018

Qualidade artística na música litúrgica

A qualidade da música litúrgica tem sido e continua sendo motivo de estudos, principalmente no que respeita às composições e à execução. Quanto às composições, esta comporta a qualidade poética das letras e as qualidades harmônica e melódica. Outro elemento diz respeito à simplicidade da canção em vista de favorecer, não somente sua execução, mas também a participação ativa da assembléia que se identifica com melodias fáceis e poesias orantes.
No que respeita à execução, esta comporta mais especificamente aos músicos que harmonizam a canção com seus instrumentos e com a voz, com o modo de cantar e de conduzir a assembléia para que esta participe da canção. Para tais finalidades a Liturgia se serve de orientações propostas pela Igreja.
Mas, de nada adianta observar as orientações litúrgicas se a execução musical carecer da parte artística. Arte na composição e arte no modo de executar a música litúrgica na e com a assembléia. A execução do canto litúrgico não se torna mais bonito e atraente unicamente pela observância das prescrições litúrgicas, mas pela qualidade artística na execução musical durante as celebrações. Isto tem a ver com o cuidado pelo respeito de cada momento celebrativo, do clima que envolve cada rito. Quando este cuidado é respeitado, então sim acontece a afinação e a harmonização entre o que propõe a Igreja e o modo como a música é executada.
É importante que os músicos cantem bem, e isso significa cantar a Liturgia com o espírito próprio de cada celebração e de cada rito. Cantar bem, na Liturgia, significa cantar afinado e cantar com a arte musical litúrgica; isto tem a ver com a sensibilidade de não cantar para uma platéia, mas cantar favorecendo nos celebrantes a participação ativa de cada rito e da celebração em sua totalidade. A arte litúrgica desaparece no inconveniente de instrumentos tocando muito alto, instrumentos de percussão invadindo ritos de clima silencioso, como o ato penitencial ou, em caso de celebrações mais particulares, como aquelas da Quinta-feira Santa, ou de Sexta-feira Santa. Imagine como se torna cansativa a longa Vigília Pascal sendo cantada com instrumentos em alto volume, com cantores cantando de modo inadequado, isto é, sem a arte que a música litúrgica exige para a ocasião.
O mesmo se diga de outros sacramentos, dos quais o mais notório é a celebração matrimonial. Neste caso, o lado profissional de quem é contratado pode salvar o artístico, mas, infelizmente, os músicos profissionais dos casamentos nem sempre cantam liturgicamente, nem pelo repertório de muitos deles e nem pelo modo como cantam. Nem sempre cantam a celebração, mas cantam por pagamento e assim anulam a gratuidade do louvor.
Tudo isso são pequenos detalhes que, no grande contexto litúrgico musical, desfavorecem o espírito celebrativo próprio de cada celebração.

A qualidade começa na preparação
            Uma boa preparação para cantar a celebração Litúrgica passa, necessariamente, pela oração, pela meditação, pela dedicação de tempo para ensaio e tempo para estudo de cada celebração. Sem tais preparativos, a canção cantada na Liturgia corre o sério risco de ser um elemento que compõe o contexto celebrativo, mas carente de espírito orante capaz de impulsionar a participação plena e consciente, como é o ideal e a proposta de cada celebração.
Para escolher bem a canção e para cantá-la com espírito orante, é importante meditar a canção, a partir da Palavra de Deus, envolvendo-a em clima de oração e de silêncio, para que a canção cante, primeiramente, no coração do próprio músico. Quando nossos músicos aprenderem a rezar a canção antes de a cantarem nas celebrações, estes começarão a ter uma nova compreensão do que significa cantar a Liturgia e, com a graça de Deus, ajudarão os celebrantes a melhor participar de modo consciente e orante o que se celebra. Quando nossos músicos souberem meditar a celebração a partir das músicas que comporão cada Liturgia, terão mais condições de favorecer o espírito orante em cada canção cantada nas celebrações.
Isto explica, e ajuda entender, porque o Ministério da Música não é formado por profissionais pagos para tocar na celebração; não são pagos, porque o ministério da música é um serviço que não tem e vista favorecer um elemento decorativo na celebração, a arte musical, mas ser um elemento artístico para favorecer a participação consciente no momento celebrativo.
O Ministério da Música, na celebração litúrgica, é formado por pessoas que fazem da música um apostolado, um modo de evangelizar sem fazer show, sem querer dar show, por compreender que a finalidade do seu ministério (serviço) tem como finalidade o favorecimento da participação plena, ativa e consciente dos celebrantes na ação litúrgica. Não somente a participação ativa, no sentido de fazer com que todos cantem, mas no sentido de transformar a música artisticamente cantada em oração. Eis o desafio de cada Ministério da Música em nossas comunidades.
Serginho Valle
Agosto 2018



14 de set. de 2018

A Pastoral Litúrgica na realidade social da Paróquia

Em tempos idos, antes do Concílio Vaticano II, para sermos mais pontuais, não havia Pastoral Litúrgica nos moldes como se entende hoje. Existia, contudo, todo um trabalho de promoção de festas religiosas, como aquelas de padroeiros e da piedade popular, regids pelo calendário litúrgico; muitas e variadas eram as manifestações celebrativas inspiradas na piedade popular: procissões, trezenas, novenas, tríduos... Tais eventos movimentavam a comunidade e, pela religião toda a vida social era tocada. Não se pode deixar de reconhecer que se tratava de uma Pastoral Litúrgica, diferente da de nossos dias, mas eficiente e envolvente, que atingia toda a comunidade. Com a perda da centralidade da paróquia, especialmente em cidades de médio e grande portes, estas festas desapareceram ou foram empurradas para os pátios das paróquias.
Não apenas perderam espaço, muitas delas perderam principalmente o sentido religioso. Exemplo claro é a festa de São João Batista. De festa religiosa passa a ser festa popular, festa folclórica, festa comercial. De São João Batista restou o estandarte como elemento decorativo. São indicativos de que a paróquia, com sua proposta religiosa, deixou a centralidade da comunidade social, como foi um tempo e, em muitos aspectos, perdeu sua influência religiosa especialmente na família.

Tudo girava em torno da paróquia
Tempos houve que tudo girava em torno da paróquia. Era a paróquia que preparava as festas, que promovia encontros sociais, que favorecia momentos esportivos ou de lazer e, em muitas circunstâncias, propunha (ou impunha) seu pensamento político e moral. Fazia isso como proposta de valores iluminados pela fé e pela doutrina cristã. Hoje, num mundo marcado pela pluralidade, a proposta da Igreja soa antipática e, para algumas minorias, intrometida e até mesmo inoportuna.
Isto levou a caracterizar a religião, em muitos setores da sociedade, como um freio, obstáculo, especialmente para algumas correntes ideológicas. Transformaram a religião — da qual a paróquia é o símbolo visível na comunidade — em julgadora de juízos morais. Existe todo um movimento social para calar a voz da Igreja e, com ela, fazer desaparecer a paróquia. Isto é realizado com projetos agressivos de toda espécie, seja na mídia e até mesmo na educação escolar.
Diante desse quadro, a pergunta: como a Pastoral Litúrgica pode manter acesa a luz da fé para favorecer o projeto do Reino de Deus na comunidade?
Um questionamento pertinente porque tais ameaças têm produzido pastorais litúrgicas inativas, mornas, limitadas a fazer leituras e cantar nas Missas. Algumas se limitam a criar equipes de celebração que não passam de leitoras de folhetos pré-fabricados. Pastorais Litúrgicas que não pensam a celebração como fonte para iluminar a realidade atual com a luz do Evangelho. Cantam e rezam preces distantes da vida que vivem na comunidade, porque leem a celebração e não a preparam para ser expressão da vida comunitária.
Pastorais Litúrgicas que não reagem com propostas existenciais servindo-se, por exemplo, da piedade popular, de novenas ou tríduos de padroeiros. Simplesmente param, sem criatividade alguma, diante do desafio de propor o discipulado pela piedade popular, por exemplo. Em tempos de pestes e de guerras, antigamente, a piedade popular era motivada com orações, procissões, novenas... favorecia-se a fé, a esperança e a caridade capaz de buscar uma resolução social. E hoje? O que se faz?

Ausência dos celebrantes
A perda da centralidade da paróquia na sociedade promoveu uma crise de fé, cujo efeito encontra-se no abandono de fiéis, ou por irem para outra Igreja ou por se tornarem indiferentes aos valores religiosos cristãos. Sem querer colocar toda a culpa na Pastoral Litúrgica, não se desconsidere sua parte no que se refere ao abandono de fiéis. Muitos abandonam a Igreja influenciados negativamente por celebrações mornas, incapazes de tocar a vida, sem mensagem para suas dores, para seus questionamentos, incapazes de propor um caminho, de celebrar a alegria de conquistas, de fornecer argumentos para defender a fé. Celebrações frias esfriam a fé, seja emocionalmente que no modo de compreendê-la. Diante disso, os celebrantes simplesmente se fazem ausentes ou só aparecem quando “precisam” ir a batizados ou a casamentos ou a funerais. Tornam-se indiferentes.
Mas, a paróquia evoluiu tecnologicamente, dizem alguns. De fato, algumas se tornaram altamente tecnológicas, produtoras de planilhas de dízimo e do financeiro; tudo muito bem organizada, inclusive com planilhas das atividades pastorais, mas pastoralmente, pouco celebrativa; celebrações frias. "Não é uma questão de estratégias pastorais — dizia Papa Francisco numa de suas reflexões — mas de tocar a vida; tocar o concreto da existência com as celebrações". Não é uma questão de mudar a linguagem litúrgica, adotando a linguagem de shows ou de promessas milagrosas. É questão de rezar a celebração. Simplesmente e tão somente isso.
O abandono da vida paroquial toca também famílias pautadas na fé cristã que veem seus filhos abandonando a vida da comunidade e se desinteressando pela Igreja. Filhos e filhas frequentam a Igreja até o Crisma, depois abandonam. Por quê? Por que encontram coisas mais atraentes? Ou por que no tempo que estiveram na comunidade não foram cativadas para o Evangelho? Não foram tocadas pela alegria de celebrar a sua fé. Porque faltam celebrações que unam as famílias na oração.

Diminuição da participação nas celebrações
A diminuição da participação parece incontrolável, mas o futuro da paróquia depende de como se irá lidar com isso. O que a Pastoral Litúrgica pode fazer e como deverá agir? Este é o questionamento que devemos colocar. Já se caminhou muito em termos de criatividade (até ao exagero, em alguns casos). Agora é preciso pensar a celebração sob outros pontos de vista, mais comunicativa, mais pedagógica, não para transformá-la em catequese ou doutrinamento (longe disso), mas para que toque a vida do celebrante e o sustente no discipulado de Jesus. Incentive e ajude o celebrante a pensar e agir como Jesus. A dinâmica do Ano Litúrgico favorece este aspecto e precisa ser redescoberto como mistagógica.
Liturgistas e pastoralistas precisam sentar juntos para refletir e encontrar caminhos, não com propósitos saudosistas — isto está fora de cogitação — mas, com o propósito de restabelecer a importância religiosa na sociedade valorizando o papel fundamental da paróquia qual protagonista neste projeto. Juntamente com todas as atividades pastorais, a Pastoral Litúrgica tem uma função impar, seja na finalidade de formar espiritualmente o povo, seja na função de formar cada cristão e cristã no discipulado de Jesus à luz do Evangelho.

Olhando para o Mestre
Somos discípulos de um Mestre que não teve medo de ser abandonado. Sendo abandonado, não desistiu de sua fé e sua esperança. Colocou sua fé no Pai e abandonou-se na certeza que Deus não o abandonaria. Ele mesmo garante que não nos deixaria órfãos (Jo 14,18). Penso que o primeiro passo, quanto ao futuro da paróquia, depende de como se adequará a este momento histórico ingressando num caminho iluminado pela fé e pela esperança.
O atual pontificado de Papa Francisco pede uma Igreja em saída; Igreja missionária, capaz de deixar o centro para poder habitar nas periferias, com os mais pobres, como fez Jesus. Convite para que a Pastoral Litúrgica não modele as celebrações a partir de mega eventos comunicativos, que enchem os olhos e inflam a emoção, mas se sirva da comunicação simples, como é próprio da comunicação litúrgica, capaz de tocar a vida.
Celebrando de modo simples terá mais condições de propor o sentido da vida na simplicidade, a exemplo de Jesus, a uma sociedade marcada pelo glamour de celebridades. A atração da Liturgia não pode estar no grupo musical (nem sempre ministerial) que irá musicar a celebração, mas naquilo que a celebração propõe e, de modo simples. Isso vale para outros sacramentos, especialmente para as celebrações matrimoniais.
Quanto mais estiver longe do centro, tanto mais será livre e libertada da tentação do poder, da tentação de querer transformar o presbitério em palco, de usar a celebração como trampolim para a fama. Ao contrário, fará do presbitério o espaço do lava-pés, do serviço simples e humilde de onde nasceu a Liturgia. Não se preocupará com paramentos caríssimos, porque tem em mente que Jesus se paramentou com um avental para celebrar a primeira Missa da história. Paramentos bonitos sim, mas atraentes pela beleza da simplicidade.
Longe do centro, longe de se inspirar em efeitos especiais, a Liturgia terá celebrações mais simples e se inspirará na simplicidade para celebrar a fé, promover a esperança e incentivar a caridade; marcas indeléveis da vida do discípulo e da discípula de Jesus Cristo.
Serginho Valle
Setembro de 2018


3 de ago. de 2018

A memória litúrgica de Maria Mater Ecclesiae

Na segunda-feira depois de Pentecostes, em 2018, a Igreja celebrou, pela primeira vez na história, a memória litúrgica “Maria Mater Ecclesiae”, Maria, Mãe da Igreja. Memória obrigatória instituída por Papa Francisco. Uma celebração litúrgica que se apoia na tradição da Igreja, com raízes na Teologia dos Santos Padres e que, mesmo sem constar no Calendário das celebrações da Igreja, estava presente na Tradição litúrgica.
            Maria é Mãe da Igreja por aquilo que significa na vida da fé. Muitos padres da Igreja, como Santo Agostinho, Santo Ambrósio, São Leão Magno relacionam a pessoa da Virgem Maria ao Mistério da Redenção, cuja Cruz é o momento alto. O lugar onde a Virgem Mãe, pela fé, permaneceu de pé ao lado de seu Filho.
No dia 18 de novembro de 1964, Paulo VI anunciou que, na conclusão da terceira sessão do Concílio Vaticano II, proclamaria Maria Santíssima com o título de “Nossa Senhora Mãe da Igreja”. Papa Francisco não apenas honra Maria com o título de “Mater Ecclesiae”, mas a celebra como memória obrigatória, com uma data móvel: segunda-feira depois de Pentecostes.
Em Pentecostes, Nossa Senhora está no Cenáculo com os Apóstolos, em oração, intercedendo o Espírito Santo prometido por Jesus. A Teologia da vinda do Espírito Santo relata aquele momento como o nascimento da Igreja missionária, que vai ao mundo para testemunhar a Ressurreição de Jesus. Nossa Senhora estava presente naquele momento para sustentar a Igreja nesta passagem decisiva da saída do cenáculo para as estradas do mundo. Facilmente se percebe a relação entre Maria e a Igreja. Maria participa da Igreja, é Igreja que intercede o dom do Espírito Divino para testemunhar o Evangelho da Ressurreição.
Outro elemento é a oração. A vinda do Espírito Santo acontece num clima de oração. Cenáculo é oração e Maria se faz orante no cenáculo com a Igreja e como Igreja. Em Maria, a Igreja encontra também aquela oração preciosa e extremamente eficaz para que possa ser aquilo que o Senhor quer.
Estas considerações são apenas anotações. O capítulo mariológico de Maria Mater Eccleiae é bem mais profundo, seja do ponto de vista teológico como espiritual, considerando que o centro está no Mistério de Cristo; Mistério iniciado entre nós na maternidade divina de Maria. A mesma Maria que com o Espírito Santo gera a Igreja em Pentecostes.
Serginho Valle
Agosto 2018


28 de jul. de 2018

Liturgia paroquial, fonte da fé

No contexto da Pastoral Litúrgica, a Liturgia Paroquial é uma das principais fontes da fé. Vale lembrar que para muitos católicos, a Liturgia é a única fonte nutricional da fé. Uma das funções pastorais, dentre as mais importantes de uma paróquia, é transmitir a fé às novas gerações e alimentar a fé de todos que convivem no território paroquial. Isso acontece com vários meios, como a catequese, cursos, encontros de formação, pastorais, etc... Dentre estas, considero a Liturgia como uma das mais importantes fontes nutricionais da fé. Como a Pastoral Litúrgica Paroquial lida, ou tem consciência, desta importante função é uma das finalidades da minha reflexão.

Liturgia paroquial sem departamentos
            Sendo a transmissão da fé uma atividade primordial da Igreja, pode-se entender que a paróquia vive em crise quando perde sua função geradora e nutricional da fé. Uma paróquia que se perde na burocracia de documentos ou na preocupação exagerada — muitas vezes pressionada pelo departamento financeiro da Diocese — das finanças, deixa de ser comunidade de fé e se transforma em empresa. Neste caso, segue, infelizmente, o mesmo princípio das igrejas comerciais, que usam a fé como fonte de lucro. A crise paroquial, em todos os níveis (podem crer nisso) consiste em se tornar estéril ao transmitir a fé; uma comunidade cristã não sobrevive, nem na área espiritual, pastoral, organizacional se negligencia a transmissão e a nutrição da fé.
            A paróquia, em nossos tempos, continua sendo um local decisivo para o cristianismo. Nela, diferentes gerações convivem e partilham a mesma fé em espaços, com palavras, em atividades e nas celebrações litúrgicas. Estabelecer celebrações litúrgicas por faixa etária — missas de jovens, missa de idosos —, como se fossem departamentos diferentes da mesma vida, é correr o risco de colocar a perder a partilha da fé entre gerações também no modo de celebrar. A paróquia é uma comunidade que celebra suas Liturgias acolhendo a todos, até mesmo as crianças menores que, vez por outra, se inquietam e correm pelos corredores.
            Um serviço da Pastoral Litúrgica Paroquial consiste em favorecer essa congregação de todas as idades para celebrar juntos e juntos partilhar a mesma fé, juntos rezar a mesma fé para juntos vivê-la, caminhando nas estradas de Jesus traçadas na comunidade onde se vive.

Celebração da fé na vida
            Outro serviço muito característico da Pastoral Litúrgica Paroquial é aquele de celebrar a fé em todas as estações existenciais. Naquela do florescer, acolhendo os recém-nascidos no Batismo, naquelas de decisão pelo discipulado, como no Sacramento da Crisma, e naquelas celebrações que definem o caminho vocacional, seja matrimonial seja consagrando-se ao serviço do Reino. Celebrar igualmente os momentos que os passos tornam-se mais vagarosos ou dolorosos, como na velhice ou na doença, até o momento derradeiro. Em resumo, a fé é celebrada em todos os momentos no contexto territorial, espiritual e solidário de uma paróquia. É em tal contexto que a Pastoral Litúrgica Paroquial exerce seu serviço.
            Uma coisinha a mais que gostaria de considerar: a educação na fé para se caminhar na “estrada de Jesus”, na estrada do discipulado. É onde a Pastoral Litúrgica Paroquial torna-se pedagoga da fé em suas celebrações, sem transformá-las em cursos de catequese e nem a igreja em sala de palestras. A dinâmica celebrativa é, em si mesma, pedagógica, altamente capaz de ensinar como viver a fé e como se nutrir da fé, como falar da fé pela arte, pela cenografia celebrativa, pela comunicação visual, oral... com tudo, enfim, que compõem e forma a linguagem celebrativa. A arte de celebrar a fé exige que a dinâmica da criatividade conheça profundamente o modo comunicativo com a qual a celebração se realiza.

Concluindo
            O trabalho de uma Pastoral Litúrgica Paroquial não consiste, como tantas e tantas vezes tenho repetido, em organizar listas para funções em celebrações. É muito mais e bem mais que isso. É uma atividade que considera a fé a ser celebrada como caminho, como pedagogia, como partilha... sempre iluminada pelo aprendizado da fé, pela nutrição da fé, pela transmissão da fé.
Serginho Valle
Julho de 2018


3 de jul. de 2018

Gratuidade na Pastoral Litúrgica dos Matrimônios

A gratuidade do serviço, na comunidade cristã, é uma marca registrada da paróquia que vive num espaço social, em uma cidade, num bairro. Os serviços comunitários de uma paróquia, ou de uma comunidade, uma capela, por exemplo, nunca terão uma forma de assistência profissional. Não que estes não sejam dignos; claro que são, mas o diferencial do serviço comunitário cristão está na gratuidade. O serviço de numa comunidade eclesial tem a assinatura da caridade cristã, que é sempre gratuita. A imposição de pagamento pela caridade é uma traição do Evangelho.
            Assim, quem se dedica a atividades de assistência social, na comunidade cristã, presta um serviço gratuito e na gratuidade, sem exigir pagamento e sem marketing do bem realizado. O silêncio, a não propaganda, faz parte do serviço gratuito: “quando deres esmola, não toques a trombeta (...) que a tua mão esquerda não saiba o que fez a direita” (Mt 6,1-3).
            São algumas considerações que ajudam a compreender a importância da gratuidade no serviço prestado na Pastoral Litúrgica. Em minhas andanças, em tantas e tantas comunidades, encontrei paróquias que pagavam, dominicalmente, pessoas para ornamentar a igreja e, até mesmo, músicos pagos para tocar nas Missas dominicais. A justificativa estava na qualidade do trabalho profissional. Graças a Deus, a maioria das comunidades conta com arranjadores — de ótimo nível artístico e bom gosto — que gratuitamente colocam seus talentos para favorecer uma boa celebração na comunidade. Como também já vi excelentes músicos, muitos deles profissionais, cantando e tocando nas Missas dominicais gratuitamente, o que está dentro da normalidade.  

O comércio dos casamentos
            Nesta questão da gratuidade dos serviços, o que mais destoa é o comércio dos casamentos. Não me falo de taxas. Meu questionamento recai sobre alguns serviços que a comunidade poderia oferecer — de modo litúrgico e com qualidade — nas celebrações matrimoniais e também nas celebrações batismais. Mas, vamos ficar somente com os casamentos.  
            Faz parte, na Pastoral Litúrgica Paroquial, ter uma ou várias Equipes de Celebrações responsáveis pelas celebrações matrimoniais. Hoje, é comum ver músicos que não entendem nada de nada da Liturgia matrimonial, cantando e tocando músicas que os noivos pagam para ouvir nas celebrações. Não poucas vezes e, infelizmente, com o consentimento do padre ou do diácono, músicas que nada a tem a ver com a celebração litúrgica, para as quais se adota como critério o “é bonito”.
            Hoje, grande parte dos noivos contrata um “cerimonialista” para organizar a celebração na igreja. Alguns são excelentes e se preocupam em respeitar a Liturgia, mas já vi de tudo também, até mesmo cerimonialista brigar com o padre por querer introduzir ritos estranhos à Liturgia Matrimonial.
            E o que dizer dos arranjadores, especialmente aqueles que transformam a igreja numa floresta para lucrar com a quantidade de flores? Arranjadores de casamentos sem a mínima noção e respeito pelo espaço celebrativo é coisa corriqueira. Arranjadores transformando o altar em prateleira, infelizmente, é uma demonstração nítida de desinformação (ou ignorância) do espaço celebrativo e simbólico da Liturgia.

Atitude da Pastoral Litúrgica
            Diante desse fato que, em algumas comunidades, pode-se dizer, perderam a celebração para profissionais, incluindo aqui fotógrafos e cinegrafistas que, não poucas vezes, colocam exigências em detrimento da celebração, o que fazer?
            Uma primeira atitude não consiste em proibir ou impedir que profissionais atuem nas celebrações. Pessoalmente, não coloco empecilho para que atuem, mas exigiria formação para que possam atuar respeitando a Liturgia. Isso significa proporcionar formação litúrgica adequada para músicos, ornamentadores, fotógrafos e cerimonialistas.
            Uma segunda atitude, já mencionada no início deste artigo, é formação de Equipes de Celebrações para os casamentos. Equipes que contam com recepcionistas, cerimonialistas, arranjadores, músicos, ornamentadores... O diferencial está na gratuidade. Prestar um serviço celebrativo gratuito. Falo de “serviço celebrativo gratuito” porque alguns custos, como a compra de flores, por exemplo, ficaria por conta dos noivos.
            Este serviço prestado pela Pastoral Litúrgica da comunidade, como enfatizado, não significa um ato de poder, de querer mandar na celebração, de querer proibir a atuação de profissionais. Trata-se, primeiramente, de um direito da Pastoral Litúrgica Paroquial de propor e oferecer um serviço gratuito a quem vem participar de alguma celebração especial, como é o caso do Matrimônio. E, em segundo lugar, o padre e dois ou três membros de Equipes de Celebrações teriam condições de ajudar os noivos a compreender as orientações e o modo litúrgico que a Igreja Católica celebra seus casamentos.
            Outros elementos poderiam ser elencados, mas os dois propostos ajudam a compreender a importância do serviço gratuito nestas celebrações, evitando transformá-las em balcão de negócios, inclusive com tabelamento de preços.
Serginho Valle
Junho de 2018



23 de jun. de 2018

Paramentos e arte litúrgica

Quem acompanha a caminhada de seminaristas sabe que a conclusão do curso de Teologia, em muitos casos, é marcada pela procura e compra dos paramentos. Já presenciei ansiedade exagerada em seminaristas às vésperas de ordenação, preocupados com a compra de seus paramentos. Agitação compreensível, até certo ponto, marcada pela alegria que a proximidade da ordenação provoca em quem vê no sacerdócio a realização de sua vida.
Depois de tantos anos trabalhando em seminário maior, é possível prever o estilo do paramento de cada um. O modo de entender a Igreja, a visão teológica e o conceito de Liturgia são refletidos no modo como o padre (e o futuro sacerdote) paramenta-se para presidir as celebrações litúrgicas. Pelo modo de paramentar-se, inclusive, é possível compreender o estilo comunicativo da presidência celebrativa. Não existe nada de novo nisso; a Psicologia social, o estudo antropológico e cultural do vestuário dedica páginas e páginas explicando que a personalidade de cada povo, e de indivíduos, manifesta-se pelo modo como se veste. Não seria diferente para o padre; ele reflete seu modo de celebrar também pela paramentação.
Os paramentos são um meio comunicativo da celebração, que tem a ver com comunicação corporal; o corpo paramentado comunica. O modo como o padre se paramenta para celebrar é uma mensagem comunicativa corporal, estética e cultural. Dizem os estudiosos da moda, que a pessoa é um corpo vestido para uma finalidade específica: trabalho, esporte, festa, andar na rua... Do ponto de vista estético, a veste revela o conceito de beleza que a pessoa cultiva; é reflexo da sua estética. Do ponto de vista cultural, a veste simboliza a cultura de um povo ou de uma instituição, como é o caso da Igreja. A cultura litúrgica da Igreja Católica usa os paramentos para celebrar sua Liturgia e não para fazer shows, por exemplo; paramenta-se para celebrações e não para participar de um protesto social.
Por isso o bom gosto ou o desleixo revelam também o cuidado ou o descuido para com a celebração. Revela o carinho, a atenção para com a celebração e, mais que isso, o respeito para com os celebrantes. Um padre ou diácono que se paramenta de modo desmazelado para assistir a um Matrimônio, por exemplo, comunica seu pouco caso para com a celebração e seu desrespeito para com os noivos e convidados.

Modelos e estilos
Em se tratando de paramentação, a gente vê quase de tudo. Tem aqueles coloridos que parecem carros alegóricos, aqueles com imagens de Nossa Senhora e de santos estampados em casulas, os que inventam símbolos e sinais pessoais ou relacionados a alguma atividade pastoral, como o bordado de um chapéu sertanejo... Símbolos e sinais estranhos à cultura, ao simbolismo Bíblico e Litúrgico. Entre aquela casula que se aproxima do estilo de um macacão de piloto da Formula 1, pelo excesso de informação, e uma que destaca a beleza pela sobriedade, a Liturgia tende e orienta sua escolha para a segunda, aquela sóbria.
A Liturgia tem sua parte de culpa nessa dificuldade de entender a cultura do vestuário litúrgico. No decorrer da história, a Liturgia chamou os melhores arquitetos, os melhores pintores e escultores, mas só vi, até hoje, uma participação com profissionais da arte têxtil e da costura  debatendo as vestes litúrgicas. Foi no tempo que estudava Liturgia em Roma. Na época (1998, se não me falha a memória) foi organizada em Milão uma exposição para que grandes nomes da arte do vestuário (que normalmente resume-se com o termo “moda”) expusessem propostas de casulas, a partir dos conceitos Bíblicos e Litúrgicos da Eucaristia. Professores de faculdades, pesquisadores e profissionais que atuam nesta área fizeram suas propostas. Os professores que nos acompanharam na visita à exposição chamaram nossa atenção para a simplicidade e a sobriedade da maior parte das peças. Casulas que se distinguem pela simplicidade e sobriedade.
Hoje, promovem-se exposições de paramentos em feiras para vender, não com a finalidade de um debate sobre a comunicação corporal pela paramentação. Tenho visitado algumas dessas exposições, entro em algumas lojas de paramentos de vez em quando e, o que vejo, além do preço salgado, é um certo descuido com a arte litúrgica da paramentação. Não estou propondo o fechamento das empresas de confecção litúrgica, mas, um debate com estudos, pesquisas e propostas sobre este importante meio de comunicação litúrgica. É um assunto importante, porque onde não existe indicativos de caminhos a seguir, cada um faz o que quer e, neste caso, gosto se discute sim, porque se está lidando com a Liturgia, que ultrapassa o conceito pessoal, por se tratar de uma cultura que é da Igreja, de todo povo de Deus.
Serginho Valle
Junho 2018


27 de mai. de 2018

Palavra de Deus: língua mãe do cristão

Uma das mais importantes consequências do Vaticano II foi devolver, por assim dizer, a Bíblia ao Povo de Deus. Quem viveu e participou dos anos pós-conciliares lembra dos encontros Bíblicos, das tardes ou fins de semana dedicados a cursos de Bíblia em nossas comunidades, dos círculos Bíblicos realizados nos bairros da paróquia. Junto a isso, surgiram as campanhas para comprar Bíblia. Na minha paróquia — São Luiz Gonzaga (Brusque – SC) — foi realizada a campanha: “Uma Bíblia em cada casa”.
No contexto litúrgico, nem é preciso dizer que a Liturgia da Palavra, depois da reforma litúrgica do Vaticano II (1964), foi uma das principais responsáveis para a divulgação do conhecimento Bíblico em nossas comunidades. Um fato que exigiu mais dedicação ao estudo da Sagrada Escritura, principalmente da parte dos padres, para que suas homilias tivessem conteúdo e fossem capazes de alimentar a vida espiritual do povo com a Palavra de Deus. Não que antes isso não acontecesse, mas como a Palavra era proclamada em latim, muitos padres limitavam suas homilias a traduzir o que leram em latim.
Outro dia, escutei um padre dizendo que a Bíblia saiu de moda. Referia-se aos cursos de formação, que mencionei acima. É claro que a Bíblia não sai de moda; disso meu amigo padre sabe muito bem. Hoje, o empenho é favorecer o contato com a Bíblia não tanto na área formativa, embora essa nunca tenha perdido sua força, mas o contato com a Bíblia para introduzi-la na vida. Disso, o grande esforço para implementar a Lectio Divina, dinâmicas e técnicas de meditação com a Bíblia, seja em vista do crescimento da espiritualidade pessoal como, até mesmo, de terapia psicológica.
A Lectio Divina, por exemplo, deveria ser um hábito em nossas comunidades. De modo especial, deveria ser hábito na preparação das celebrações e na preparação das homilias. Por isso, minha sugestão propõe preparar as homilias, por exemplo, dando uma olhada em comentários exegéticos (que é sempre útil e até necessário em algumas circunstâncias), mas especialmente preparar as homilias saboreando a Palavra na escola da Lectio Divina. É dessa forma que a Palavra de Deus, pouco a pouco, vai se tornando a língua materna do homiliasta. Isto é, ele fala aquela Palavra com a mesma facilidade com que fala sua língua mãe porque a tem no seu coração. Quando isso acontece, o contágio entre os celebrantes é inevitável e facilmente constatável.
Para tal finalidade, os aprofundamentos Bíblicos, feitos em cursos e com a literatura de bons autores são de grande utilidade; não se discute. Mas, mais importante e mais eficaz que isso é o clima e o estilo com que a Palavra é conservada no coração do homiliasta para transmiti-la aos que com ele celebram, de modo que “a Palavra habite em vós em toda plenitude” (Cl 3,16).
Hoje, o cristão comum, aquele que apenas frequenta a Eucaristia, graças ao incentivo de se ler a Bíblia e entrar em contato com a Palavra, não se contenta com uma homilia “meia boca”, do padre repetindo o que acabou de ser proclamado nas Leituras, como se este tivesse sido proclamado em alguma língua estranha. O cristão comum e, com muito mais exigência, aquele engajado, exigem conteúdo. E é bom que se tenha consciência disso, não só para demonstrar conhecimento, mas para tornar a homilia aquilo que é uma de suas principais finalidades: alimentar o povo celebrante com o Pão da Palavra.
No contexto da Pastoral Litúrgica Portanto, portanto, um dos desafios e objetivos consiste em tornar a Palavra de Deus acessível a todos, para que cada celebrante torne a Palavra de Deus a sua língua mãe, no seu modo de se expressar, especialmente pela expressão comportamental que testemunhe sua fé, seu agir e seu pensar de discípulo e discípula de Jesus.
Serginho Valle

Maio de 2018

16 de mai. de 2018

Lava-pés

Um pouco encurvado, um avental amarrado na cintura, mãos que derramam água para limpar os pés dos outros. Não existe sentimento que fique insensível durante a proclamação do lava-pés, na Missa da Quinta-feira Santa, recordando o gesto de Jesus ao lavar os pés de seus discípulos.
O lava-pés era uma cortesia típica das famílias hebraicas, transformado por Jesus em gesto de amor e humildade absolutos. Para melhor compreender o significado, Papa Francisco modificou recentemente o Missal Romano, definindo que, de agora em diante, pode-se escolher todos os membros do povo de Deus para participar do rito do lava-pés; a proposta tem a ver com a inclusão mulheres que, devido a um antigo e descontextualizado conceito, só permitia a participação masculina neste rito. Um costume que, na prática, ao menos aqui no Brasil, era desconsiderado, e com razão.
A finalidade, explica a Congregação do Culto Divino, é evitar que o lava-pés se transforme em teatro, mas evidencie a medida desmedida do amor cristão.
A proposta do rito do lava-pés, não consiste tanto em simplesmente repetir o gesto de Jesus, lavando os pés, mas enfatizar ritualmente o significado deste gesto: gesto de quem se coloca a serviço do próximo. É o gesto concreto do Mandamento novo, proclamado na Missa in Coena Domini, o gesto que explica em que consiste “amar o próximo como Jesus amou” (...). Consiste em se colocar a serviço da vida do outro para que viva de modo digno.

Notas históricas
Por muitos séculos, o lava-pés não se realizava durante a Missa da Quinta-feira Santa, mas fora da celebração, com o bispo que lavava os pés de 12 padres. O rito entrou na Missa com o Papa Pio XII. Até 1955, portanto, era um rito prevalentemente clerical, reservado ao clero, não realizado diante da assembléia do Povo de Deus. A partir de 1955 adquire visibilidade e a possibilidade de ser realizado durante a Missa.
Com a mudança feita por Papa Francisco, não será mais necessário que todos sejam homens, nem que os 12 sejam escolhidos antecipadamente para este rito. A orientação diz respeito a um grupo de fiéis, homens e mulheres, jovens e idosos, sadios e enfermos, padres, consagrados, leigos. Ou seja, a variedade e a unidade do Povo de Deus.
Serginho Valle

Maio de 2018

12 de mai. de 2018

Imaculada Conceição

Solenidade litúrgica que celebra Maria, Mãe de Jesus, concebida em pecado, no dia 8 de dezembro. Em vista do Mistério Pascal de Jesus Cristo, por graça especial de Deus, Maria participa do privilégio único de ter sido concebida sem pecado original. Disto a denominação de Imaculada (sem mácula, sem mancha) Conceição (concepção).  
            Era necessário, sem dúvida, que o Filho de Deus merecesse uma mãe imaculada, quer dizer, sem nenhum pecado desde sua concepção. Por isso, Maria recebeu a plenitude da graça (Lc 1,28), para que pudesse ser a Mãe de Deus. No contexto do projeto divino, é para nós e para nossa Salvação, que Maria nasceu Imaculada desde a sua concepção, segundo o dogma definido por Pio IX, em 1854.
            Maria foi especialmente escolhida por Deus para exercer a vocação maternal e a vocação da maternidade, para que o Filho de Deus nascesse plenamente humano. Para exercer tal função, Deus a quis toda pura, sem mancha; toda imaculada (Ef 5,27). É isso que a Igreja expressa na Liturgia desta solenidade, nos textos eucológicos.


Coleta da Missa da Imaculada

                              Ó Deus, que preparastes uma digna habitação para o vosso Filho, pela Imaculada
                             Conceição da Virgem Maria, preservando-a de todo pecado em previsão dos 
                             méritos de Cristo, concedei-nos chegar até vós purificados de toda culpa por sua  
                             maternal intercessão. PNSCJ. Amém!

            Como em outras coletas, ditas “novas”, a coleta da Imaculada Conceição retoma quase que textualmente a essência da definição dogmática de Pio IX (1854): foi preservada de toda mancha do pecado, em vista dos méritos de Cristo. Uma coleta, portanto, que pode ser definida como “dogmática”.
            A coleta proclama Maria como morada digna da vida divina, na pessoa de Jesus Cristo, preservada de todo pecado. Maria, portanto, é imaculada, sem mácula, sem mancha, sem pecado. A coleta ressalta que a Imaculada Conceição de Maria atinge também toda a humanidade pelos méritos de Cristo, quer dizer, por aquilo que Jesus realiza em favor de todos os homens e mulheres, purificando-nos de toda a culpa pela maternal intercessão da Virgem Imaculada.
            No contexto teológico do Dogma da Imaculada Conceição, sua fundamentação bíblica encontra-se no Mistério da Encarnação (Lc 1,26-38, Mt 1,21; Rm 1,4). Graças ao “sim” de Maria, Deus que falara de tantos modos, nestes últimos tempos falou através do seu Filho Jesus, para que tivéssemos nele a vida plena (Gl 4,4-5; Jo 10,10). Graças aos méritos divinos concedidos a Maria, tornando-a digna habitação do seu Filho, pode-se participar da graça divina como filhos e filhas adotivos de Deus (Ef 1,3-12; 1Pd 1,3), destinados a viver livres de toda culpa, justificados em Cristo para poder participar da vida divina (Ef 1,7; Cl 1,14; Hb 9,22).

Prefácio da Imaculada Conceição (embolismo)

A fim de preparar para o vosso Filho mãe que fosse digna 
dele preservastes a Virgem Maria da mancha do pecado original, 
enriquecendo-a com a plenitude da vossa graça. Nela, nos destes 
as primícias da Igreja, esposa de Cristo, sem ruga e sem mancha, 
resplandecente de beleza.Puríssima, na verdade, devia ser 
a Virgem que nos daria o Salvador, o Cordeiro sem mancha, 
que tira os nossos pecados. Escolhida, entre todas as mulheres, 
modelo de santidade e advogada nossa, ela intervém 
constantemente em favor de vosso povo.

O Prefácio da Solenidade da Imaculada Conceição, que tem como tema: “Maria e a Igreja”. Um Prefácio inspirado, no que se refere à Igreja, no texto paulino de Ef 5,27, na teologia mariana presente na Sacrossanctum Concilium (SC 103) e no contexto teológico da Lumen Gentium (LG 65).
O texto prefacial faz referência à Maria como a primeira filha da Igreja, o novo Povo de Deus, que participa plenamente da glória celeste, por ser preservada da mancha original. Maria é primeira, aquela que, no dizer de Paulo, é apresentada toda bela e sem mancha, sem ruga; toda santa e sem defeito aos olhos de Deus (Ef 5,27). Ela é a filha do povo que encanta o olhar do rei, a ponto de lhe conceder tudo que pedir; uma filha que se torna intercessora diante do rei divino (1ª leitura – Est 5,1-2;72-3).
O segundo aspecto do Prefácio, fundamentado na Teologia Mariana pós-conciliar, faz referência à celebração do Mistério Pascal de Cristo na vida de Maria, Mãe de Deus, contemplando-a e proclamando-a como o primeiro e o mais excelso fruto da redenção realizada por Jesus Cristo (SC 103). Por isso, ela é a primeira cristã e o modelo de discípula a ser imitada por todos os cristãos (LG 65).

Espiritualidade da Solenidade da Imaculada Conceição
            A celebração Litúrgica da Solenidade da Imaculada Conceição, do ponto de vista da espiritualidade Litúrgica, encontra-se plenamente envolvida no Mistério Pascal de Jesus Cristo. Maria recebe de Deus a graça de ser preservada do pecado em vista do Mistério Pascal de Jesus Cristo, em vista do processo redentor escolhido por Deus. É o que se reza na coleta inicial e o que se proclama no embolismo prefacial. Um feito que produz na vida espiritual a admiração, o louvor, a ação de graças pela obra divina realizada na vida de um ser humana, Maria, a Mãe de Jesus.
            Sendo humana, entende-se que os méritos divinos que atingem o ser humano na pessoa de Maria, igualmente atinge a vida de quem celebra este Mistério. Toda humanidade, e cada celebrante, uma vez purificados de suas manchas desde o Batismo, são chamados à purificação pessoal para acolher em suas vidas a vida divina, cujo corpo é morada do Espírito Santo (1Cor 3,16). É uma espiritualidade propositora do caminho da purificação da humanidade, da Igreja e de cada ser humano em vista da santificação. No seio de Maria, Deus veio habitar a vida humana e, onde Deus habita, ali habita a sua santidade. Disso, a espiritualidade de purificar-se, distanciar-se do pecado para se tornar santo e santa, acolhendo a vida divina na vida humana purificada; sem pecado.
            Interessante notar, igualmente, que a Solenidade da Imaculada Conceição é celebrada no Tempo do Advento. Em tal circunstância, respira os ares espirituais da esperança. Esperança de haver pessoas dispondo-se à purificação pessoal para acolher Jesus, que nasce no Natal. O Advento, no dizer de Paulo VI, é o tempo litúrgico mariano por excelência e, por isso, a espiritualidade desta solenidade favorece igualmente a compreensão do Advento como tempo mariano, isto é, tempo para esperar o Senhor com amor de mãe gestante: feliz e radiante da alegria humana.
Serginho Valle
Maio de 2018


28 de abr. de 2018

Pastoral litúrgica — Domingos livres para celebrar a fé

A importância pastoral do Ano Litúrgico vale especialmente para o Domingo. Quem atua na Pastoral Litúrgica sabe que o Domingo é um dia sacramental; dia do sacramento da Ressurreição de Jesus atualizado (memorial) na Eucaristia. É também um dia, no qual a vida paroquial se apresenta em toda sua vitalidade. É nos Domingos que a comunidade celebra a Eucaristia, celebra sua vida, celebra seus batizados, os casamentos, em sua grande maioria, são celebrados na véspera do Domingo. No Domingo celebra-se a Crisma, a acolhida de catecúmenos e das crianças, na Primeira Comunhão. Também a catequese e muitos encontros acontecem no Domingo. Jovens e adolescentes se reúnem na comunidade para refletir ou para partilhar a vida cantando ou divertindo-se no espaço da paróquia. Parafraseando o ditado popular: diga-me como vives o Domingo e te direi como é tua comunidade.
            Gostaria de chamar sua atenção para a dimensão litúrgica da celebração do Domingo. Na primeira parte do Ano Litúrgico, do Advento até as celebrações que acontecem em julho, neste caso incluindo a primeira parte do Tempo Comum, os Domingos são celebrados em sua originalidade. Entra a Quaresma, e algumas paróquias priorizam a Campanha da Fraternidade, a ponto de se esquecer o caminho quaresmal proposto pela pedagogia litúrgica; fixam-se unicamente na proposta temática da Campanha da Fraternidade. Não desconsidero a Campanha da Fraternidade; quero apenas ressaltar a prioridade da pedagogia litúrgica quaresmal. Em julho, os Domingos do Tempo Comum são celebrados como Domingos do Tempo Comum; depois começam os meses temáticos: vocações, Bíblia, missões... e a campanha da Evangelização, no Advento.
            Tudo isso é importante. O problema aparece quando a pedagogia litúrgica do Domingo é simplesmente substituída pelo tema proposto naquele mês ou para um determinado Domingo. Corre-se o risco de a homilia deixar de ser homilia e se tornar palestra. Esse assunto tem sido tratado em alguns documentos da CNBB, mas sem muito efeito prático em algumas comunidades. É possível uma sintonia entre o que a Liturgia propõe para o itinerário celebrativo e pedagógico do Domingo e os temas propostos? Depende! Quando a escolha do tema, por exemplo, considera o Ano Litúrgico em curso com o evangelista que é proclamado naquele ano, creio que sim. Se não, fica difícil.
De outro lado, confesso que percebo certo cansaço na Pastoral Litúrgica de algumas comunidades quando aos meses temáticos. Percebo que muitos padres e Equipes de Liturgia não demonstram muito entusiasmo e se limitam a rezar pelas vocações, pelas missões, se o folheto que usam propõe alguma prece. Claro que os Domingos e meses temáticos são propostos em nível de proposta e não de obrigatoriedade. São temas importantes, não discuto. Minha queixa, repetida, vai no sentido que a escolha dos mesmos nem sempre considera o contexto celebrativo da pedagogia Litúrgica do ano em curso.
            Tem ainda outro aspecto que quero ressaltar. Defendo o argumento que não deveríamos inchar as celebrações Dominicais com temas, como se o Evangelho não bastasse para celebrar e refletir a proposta vocacional, evangelizadora ou missionária da comunidade. Quem conhece a pedagogia do Ano Litúrgico, especialmente aquela Dominical, percebe nitidamente o processo da formação do discipulado no contexto celebrativo da Eucaristia, especialmente na Liturgia da Palavra. Muitos dos temas propostos em meses ou Domingos temáticos aparecem naturalmente no decorrer do Ano Litúrgico e, deste ponto de vista, aqueles meses e Domingos são dispensáveis. A Liturgia mesma propõe e cabe ao bom senso do padre e da Equipe Litúrgica da comunidade refletir, à luz da Palavra, a importância da vocação, da missão e assim com outros temas.
            Em assim sendo, poder-se-ia ouvir do padre e da Equipe de Liturgia que “neste Domingo, vamos celebrar o Bom Pastor”, noutro celebra-se o “o fariseu e o publicano”, naquele, a “mulher Cananéia”... Domingos caracterizados pela pedagogia do discipulado, na escola do Evangelho. O Domingo como um tempo livre para o Senhor e para a vida pessoal e da comunidade que se deixa iluminar pelo Evangelho e pela Eucaristia. Domingo marcado pelo encontro fraterno da celebração que abre horizontes para o crescimento no discipulado na e pela pedagogia do Evangelho.
Serginho Valle

Abril de 2018
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