23 de jun. de 2018

Paramentos e arte litúrgica

Quem acompanha a caminhada de seminaristas sabe que a conclusão do curso de Teologia, em muitos casos, é marcada pela procura e compra dos paramentos. Já presenciei ansiedade exagerada em seminaristas às vésperas de ordenação, preocupados com a compra de seus paramentos. Agitação compreensível, até certo ponto, marcada pela alegria que a proximidade da ordenação provoca em quem vê no sacerdócio a realização de sua vida.
Depois de tantos anos trabalhando em seminário maior, é possível prever o estilo do paramento de cada um. O modo de entender a Igreja, a visão teológica e o conceito de Liturgia são refletidos no modo como o padre (e o futuro sacerdote) paramenta-se para presidir as celebrações litúrgicas. Pelo modo de paramentar-se, inclusive, é possível compreender o estilo comunicativo da presidência celebrativa. Não existe nada de novo nisso; a Psicologia social, o estudo antropológico e cultural do vestuário dedica páginas e páginas explicando que a personalidade de cada povo, e de indivíduos, manifesta-se pelo modo como se veste. Não seria diferente para o padre; ele reflete seu modo de celebrar também pela paramentação.
Os paramentos são um meio comunicativo da celebração, que tem a ver com comunicação corporal; o corpo paramentado comunica. O modo como o padre se paramenta para celebrar é uma mensagem comunicativa corporal, estética e cultural. Dizem os estudiosos da moda, que a pessoa é um corpo vestido para uma finalidade específica: trabalho, esporte, festa, andar na rua... Do ponto de vista estético, a veste revela o conceito de beleza que a pessoa cultiva; é reflexo da sua estética. Do ponto de vista cultural, a veste simboliza a cultura de um povo ou de uma instituição, como é o caso da Igreja. A cultura litúrgica da Igreja Católica usa os paramentos para celebrar sua Liturgia e não para fazer shows, por exemplo; paramenta-se para celebrações e não para participar de um protesto social.
Por isso o bom gosto ou o desleixo revelam também o cuidado ou o descuido para com a celebração. Revela o carinho, a atenção para com a celebração e, mais que isso, o respeito para com os celebrantes. Um padre ou diácono que se paramenta de modo desmazelado para assistir a um Matrimônio, por exemplo, comunica seu pouco caso para com a celebração e seu desrespeito para com os noivos e convidados.

Modelos e estilos
Em se tratando de paramentação, a gente vê quase de tudo. Tem aqueles coloridos que parecem carros alegóricos, aqueles com imagens de Nossa Senhora e de santos estampados em casulas, os que inventam símbolos e sinais pessoais ou relacionados a alguma atividade pastoral, como o bordado de um chapéu sertanejo... Símbolos e sinais estranhos à cultura, ao simbolismo Bíblico e Litúrgico. Entre aquela casula que se aproxima do estilo de um macacão de piloto da Formula 1, pelo excesso de informação, e uma que destaca a beleza pela sobriedade, a Liturgia tende e orienta sua escolha para a segunda, aquela sóbria.
A Liturgia tem sua parte de culpa nessa dificuldade de entender a cultura do vestuário litúrgico. No decorrer da história, a Liturgia chamou os melhores arquitetos, os melhores pintores e escultores, mas só vi, até hoje, uma participação com profissionais da arte têxtil e da costura  debatendo as vestes litúrgicas. Foi no tempo que estudava Liturgia em Roma. Na época (1998, se não me falha a memória) foi organizada em Milão uma exposição para que grandes nomes da arte do vestuário (que normalmente resume-se com o termo “moda”) expusessem propostas de casulas, a partir dos conceitos Bíblicos e Litúrgicos da Eucaristia. Professores de faculdades, pesquisadores e profissionais que atuam nesta área fizeram suas propostas. Os professores que nos acompanharam na visita à exposição chamaram nossa atenção para a simplicidade e a sobriedade da maior parte das peças. Casulas que se distinguem pela simplicidade e sobriedade.
Hoje, promovem-se exposições de paramentos em feiras para vender, não com a finalidade de um debate sobre a comunicação corporal pela paramentação. Tenho visitado algumas dessas exposições, entro em algumas lojas de paramentos de vez em quando e, o que vejo, além do preço salgado, é um certo descuido com a arte litúrgica da paramentação. Não estou propondo o fechamento das empresas de confecção litúrgica, mas, um debate com estudos, pesquisas e propostas sobre este importante meio de comunicação litúrgica. É um assunto importante, porque onde não existe indicativos de caminhos a seguir, cada um faz o que quer e, neste caso, gosto se discute sim, porque se está lidando com a Liturgia, que ultrapassa o conceito pessoal, por se tratar de uma cultura que é da Igreja, de todo povo de Deus.
Serginho Valle
Junho 2018


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