Duas celebrações solenes
marcam a quinta-feira Santa, precedendo o Domingo da Páscoa: a Missa Crismal e
a Missa da Ceia do Senhor (in Coena Domini, dito em latim). Além de
Quinta-feira Santa, outros nomes marcam ou marcaram este dia. No século VI e
VII, por exemplo, a Quinta-feira Santa era conhecida como “Natalis Calicis”, que em tradução livre seria “comemoração do
cálice”; alusão feita à Instituição da Eucaristia. Outra terminologia é a de “endoenças”¸ que em português antigo,
significa dores e tremores, que Jesus sofreu logo depois da Última Ceia, no
Monte das Oliveiras, antes de ser preso e traído por Judas Iscariotes. Em
Portugal, na cidade de Braga, realiza-se uma conhecida procissão chamada de “Procissão das endoenças”.
Missa
crismal
A Missa Crismal é celebrada na Quinta-feira Santa, pela
manhã, e reúne ao redor do Bispo, juntamente com seu povo, todo o presbitério
que atua na Diocese (padres e diáconos), celebrando a Instituição do Sacerdócio
por Jesus Cristo. Por este motivo, os padres e diáconos presentes renovam suas
promessas sacerdotais diante do Bispo e de todo o povo. Nesta mesma
oportunidade acontece a consagração do Óleo Crismal, de onde a denominação de
“Missa Crismal”, e a bênção dos Óleos dos Enfermos e Catecúmenos, introduzidos
solenemente na assembléia para serem abençoados pelo Bispo. Por motivos
pastorais, esta celebração poderá ser transferida para a quarta-feira Santa,
com uma Missa vespertina.
Missa
in Coena Domini
A “Missa in Coena Domini” (Missa da Ceia do Senhor) é uma
celebração solene, que abre a grande celebração do Tríduo Pascal. Na prática, o
Tríduo Pascal é uma única celebração realizada em três dias diferentes —
Quinta-feira Santa, Sexta-feira Santa e Sábado Santo —, motivo pelo qual as
duas primeiras celebrações (Quinta-feira e Sexta-feira Santas) não se concluem
com a bênção e nem com o envio. É uma celebração, cujas notícias históricas
remandam ao século IV.
A Missa da Ceia do Senhor é celebrada à noite e faz memória
da Instituição da Eucaristia e do Mandamento Novo, cantado no rito da “aclamação
ao Evangelho”. É a celebração que abre o Tríduo Pascal e contém três
particularidades que merecem atenção. A primeira delas é que, após o canto
solene e festivo do glória, todos os instrumentos musicais e os sinos se calam
e voltam a ser tocados somente no Glória, da Missa da Vigília Pascal, no Sábado
Santo. A partir do canto do glória, portanto, a celebração torna-se silenciosa
e com cantos a cappella.
A segunda característica é o gesto do lava-pés, repetindo
o gesto de Jesus, que lavou os pés de seus Apóstolos (Jo 13,3-17). Um rito não
obrigatório, que pode ser substituído por outro gesto que demonstre caridade
fraterna, conforme consta nas rubricas do Missal Romano. Neste ano de 2016, Papa
Francisco decretou que o lava-pés, um rito até então destinado unicamente a
participação de homens, poderia acolher também mulheres na participação do rito.
Isto na prática acontecia em todas as partes do mundo, até mesmo o próprio
Papa, em 2015, por exemplo, lavou os pés de algumas jovens, uma delas
mulçumana.
Por fim, a terceira característica da celebração é a
transladação do Santíssimo Sacramento a um altar lateral ou a uma capela
devidamente preparada para acolher os celebrantes, onde permanecerá em
exposição solene até a meia-noite para a adoração dos fiéis. Depois da meia-noite,
até momentos antes da celebração da Sexta-feira Santa, a adoração é dita
simples, com predominância para a oração pessoal e silenciosa. Ainda com
respeito à adoração ao Santíssimo, este não é exposto com o ostensório, mas na
ambula coberta com o véu próprio da ambula.
Curiosidades
históricas
Houve um tempo, na História da Liturgia, que não se dava
o ósculo da paz na Missa da Quinta-feira Santa em protesto ao beijo traidor de
Judas Iscariotes ao entregar Jesus ao algozes (Lc 22,48).
Desde longa data, ainda presente em nossas celebrações,
depois da procissão da transladação do Santíssimo, acontece a desnudação do
altar, tirando as toalhas do altar e todas as flores, deixando o presbitério
sem algum tipo de ornamento. Antes da reforma litúrgica (1963), até mesmo a
água benta era retirada das pias de água benta, que se encontravam nas portas
das igrejas.
De acordo com o Sacramentário Gelasiano (um dos primeiros
missais da Liturgia cristã, usado entre os séculos V e VII) na Quinta-feira
Santa celebravam-se três Missas: a primeira por ocasião da reconciliação dos
penitentes (pecadores públicos que eram readmitidos na Igreja), a segunda para
a bênção dos Santos Óleos (que ainda é celebrada em nossos dias) e a terceira a
Instituição da Eucaristia e o Mandamento Novo. Atualmente, são celebradas as
duas últimas Missas.
No século XVI acontecia uma antiga tradição romana,
conhecida como “giro delle Sette Chiese” — peregrinação pelas Sete Igrejas —
que comportava um percurso de 20 Km a pé. A proposta apareceu na metade do século
XVI, por iniciativa de São Filipe Neri com caráter penitencial. A proposta era
realizar o percurso num único dia. Mas como o percurso é extenso, o mesmo
começava na Quinta-feira Santa, depois da celebração das Vésperas e deveria ser
concluído na Sexta-feira Santa, antes da celebração da Morte do Senhor. As Sete
Igrejas mais antigas de Roma, por onde passavam os peregrinos, eram: Basílica
de São João do Latrão, Basílica de Santa Maria Maior, Basílica de São Pedro
(Vaticano), Basílica de São Paulo fora dos Muros, Basílica da Santa Cruz,
Basílica de São Lourenço fora dos Muros e Basílica de São Sebastião.
Atualmente, muitos peregrinos continuam fazendo este percurso, durante várias
noites, mas no mês de maio e de setembro. A mesma tradição de visitas a sete
igrejas acontece em alguns países da América Latina, durante a noite, em forma de
procissões ou peregrinações penitenciais.
Uma
última curiosidade é que a Quinta-feira Santa ocorre sempre entre 19 de março e
22 de abril. Os dias variam dependendo das fases da lua, uma vez que a Liturgia
adota o calendário lunar.
Serginho Valle
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