Já
tivemos oportunidade de considerar a Oração Eucarística como
a eucologia mor e mais bem estruturada da Liturgia. Trata-se de uma “peça
orante” dirigida ao Pai, por Cristo, no Espírito Santo.
É
importante reconfirmar isso: oração dirigida ao Pai. Uma oração contínua, do
início (Prefácio) ao fim (grande doxologia),
completamente dirigida ao Pai. É ao Pai que se dirige o louvor e
a glorificação, ao Pai que se invoca o Espírito Santo para consagrar o pão e o
vinho em Corpo e Sangue do Senhor. Ao Pai que se fazem as preces em favor da
Igreja, dos vivos e falecidos. Ao Pai, por fim, que se oferece o sacrifício da
Igreja, que é o próprio Jesus Cristo.
Mas,
este é um dado que parece não ser considerado, especialmente quando a Oração
Eucarística é transformada em homenagem ao Sacramento da Eucaristia. Em tal
proposta, rompe-se com o destinatário da Oração Eucarística, o Pai, para dirigir
homenagem ao Sacramento. A Oração Eucarística, como se lê em todos os
documentos litúrgicos da Igreja, como evidenciado em textos de teólogos, não é
momento para se prestar homenagem, adoração, louvores e súplicas ao Santíssimo.
Esta acontece fora da celebração Eucarística, na Adoração ao Santíssimo, por
exemplo.
Antes
que alguém me julgue ou me entenda mal, não estou falando de pecado,
tão somente de um desvio de finalidade, nitidamente claro do ponto de vista da
comunicação litúrgica. Ou seja, a Anáfora é uma oração dirigida ao Pai e não
momento para homenagear o Sacramento.
Genuflexão
Um
modo de prestar homenagem ao Sacramento é através da genuflexão. No Missal de
Pio V, usado antes do atual (Missal de Paulo VI), eram feitas duas
genuflexões, num total de quatro. Duas genuflexões para o Pão consagrado e duas
genuflexões para o Vinho consagrado.
Na
reforma Litúrgica, realizada pelo Concilio Vaticano II (1963), os especialistas
em Liturgia tinham um projeto para se abolir as quatro genuflexões. Assim
só não aconteceu, mas se optou por apenas duas, por uma questão histórica. O
motivo de uma possível abolição das genuflexões era evidenciar a direção da
Oração Eucarística totalmente orientada ao Pai.
É
interessante observar que até mesmo a elevação do Pão e do Vinho
consagrados são tratados, na Instrução Geral do Missal Romano (IGMR), com
discrição, seja pela presença em alguns parágrafos, seja no modo de orientar
como fazer. A IGMR fala de “ostensionem
hostiae ... ostensionem calicis”, traduzido no português como “apresentação
da hóstia e apresentação do cálice” (cf. IGMR 179; 274) e não como
"elevatio". Este termo aparece na orientação do rito da doxologia
final: “patenam cum hostia elevat”
... “calicem elevatum”, traduzido no português com o verbo “elevar”; orientação,
como dito, somente para o momento da grande doxologia do "per ipsum"
(Por Cristo...) (cf. IGMR 180). Indicativo para não atrair a atenção ao
Sacramento em si, com elevação do Pão e do Cálice consagrados e, indicativo
para esclarecer que o Sacramento é o Sacrifício da Igreja oferecido ao Pai;
elevado do altar da Igreja ao Pai. Nas anáforas orientais, por exemplo, não se
contempla as apresentações do Pão e do Vinho consagrados aos celebrantes.
Momento devocional
Considero
grave, do ponto de vista da comunicação litúrgica, transformar a “consagração”
em manifestação devocional ao Sacramento. Hoje, em muitas comunidades, alguns
padres transformam a consagração em momento devocional. Ficam ajoelhados diante
do Santíssimo cantando canções a Jesus sacramentado, como por exemplo, "Eu
te adoro, hóstia divina", ou canções semelhantes.
Do
ponto de vista da Teologia Litúrgica, isto pode ser considerado aberração. Não
entro no mérito religioso e afetivo do padre e dos celebrantes, mas no fato se
introduzir algo pessoal negando-se a fazer o que a Igreja pede e orienta.
Orações pessoais
Tenho
participado de algumas Missas que o absurdo, do ponto de vista litúrgico, é, no
mínimo deplorável, para não dizer reprovável. Refiro-me a padres que, ao
concluir a consagração, se ajoelham, deixam de lado a Oração Eucarística e passam
a fazer orações por conta própria ao Senhor Sacramentado com pedidos de cura e
libertação ou com outras intenções.
Esquece-se
que quem faz a Oração Eucarística não é o padre, mas o próprio Jesus Cristo,
que é o mediador junto ao Pai, que apresenta a ação de graças ao Pai, juntamente
com a Igreja. O padre age "in persona Christi", e age como "vox ecclesiae"
e, deste ponto de vista teológico, não é do seu direito modificar, a seu gosto
e com seu sentimento pessoal, a Oração Eucarística que é sempre “prex
ecclesiae”.
Quem
sou para julgar se Jesus ouve ou não as preces. O que ressalto é a
incompatibilidade entre a Oração Eucarística, que é da Igreja, e a escolha de substituí-la
por preces pessoais. Nas vezes que questionei os padres sobre isso, alguns
responderam-me: "o povo gosta". O problema é que quando a
teoria do "povo gosta" entra na Liturgia, ou a Igreja ou o próprio
Jesus deixam de ser protagonistas da celebração e cedem lugar ao padre ou
a alguém que se julga acima de ambos.
Serginho Valle
2017
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