28 de jul. de 2017

Liturgia e vocação

Minha proposta é considerar as celebrações litúrgicas de agosto 2017 a partir do contexto vocacional, considerando que agosto é um daqueles meses temáticos instituídos pela CNBB, dedicado às vocações.
            Toda vocação, do ponto de vista de Bíblico, consiste basicamente em três movimentos: o chamado divino, o tempo da escuta e a resposta pessoal. Mesmo havendo casos em que a escuta pareça inexistente, sempre existe um momento para interrogar, como é o caso da vocação de Maria, a Mãe de Jesus. Ela foi chamada por Deus, escutou e questionou a proposta divina e, depois disso, deu sua resposta definitiva acolhendo o chamado. Este é um tema que mantém relação com a Solenidade da Assunção de Nossa Senhora.
É um dado importante considerar estes três movimentos — chamado, escuta e resposta pessoal — para não se correr o risco de precipitação, em se querer responder de maneira apressada. Deus chama e dá um tempo para que a pessoa decida. Não existe, portanto, uma obrigação, mas sempre a liberdade de optar entre aceitar ou não aceitar. O papel da Liturgia, através das celebrações, é fazer memória das respostas vocacionais presente na Palavra que a Eucaristia propõe nos Domingos de agosto.

Como estes três momentos estão presentes nas celebrações do mês vocacional 2017

Chamado divino
            Existe um chamado vocacional, da parte de Jesus, ao escolher três de seus discípulos para que subissem com ele no Monte Tabor (Domingo da Transfiguração). É a dimensão do chamado como escolha pessoal, da parte de Deus e, de certo modo, escolha privilegiada. Nem todos são chamados, apenas alguns. Um chamado de destaque é aquele feito a Pedro, quando recebe a missão de ser “pedra”, fundamento da Igreja de Jesus Cristo (21DTC-A).
O chamado divino costuma ser com uma linguagem marcada pela serenidade. O exemplo está no modo como Deus entra em contato com Elias: não através de tempestades e trovões, mas pelo vento suave de uma brisa. É o que celebramos no 19DTC-A. Esta mesma experiência de chamado pela serenidade aconteceu na vocação de Maria Santíssima, na Anunciação.

Tempo da escuta
            O segundo movimento da experiência vocacional é o tempo da escuta. O cenário vocacional da Transfiguração sugere que este tempo necessita ser vivenciado na contemplação. É o vocacionado que sente o chamado, mas precisa distanciar-se do mundo, como fez Jesus com seus três discípulos, para silenciosamente contemplar e ouvir Deus falando com outros vocacionados: Abrão, Moisés e Elias. Escutar através da contemplação é um modo de não responder à vocação somente pelo entusiasmo, mas entendendo a necessidade de ter tempo para si antes de responder.
            Elias é o vocacionado que treme de medo e foge (19DTC-A). Mas Deus o busca e o toca com sua brisa suave. Elias é aquele vocacionado que (podemos dizer) tem medo do chamado divino e se esconde. Com esse tipo de vocacionado, Deus não se serve da força e nem de ameaças, mas o conforta e o fortalece com a ternura de uma brisa suave fazendo-se presente em seu coração. É a experiência mística pela qual todo vocacionado passa.
            Já fizemos referência ao tempo de escuta da Virgem Maria. Um tempo de escuta que representa aquele vocacionado que questiona Deus, que precisa de algumas explicações, que necessita de confirmações. Escuta, mas questiona. Toda experiência vocacional passa por um momento de questionamento.
            O terceiro exemplo está em Pedro. É chamado e o seu tempo de escuta dura três anos de convivência. É o vocacionado que convive por muito tempo com Jesus até ter a certeza que, de fato, é o Senhor que o chama (21DTC-A). A vocação de Pedro representa a necessidade de conhecer profundamente o chamado através da convivência com Jesus.

Resposta pessoal
            A vocação, por fim, é sempre resposta pessoal. Ninguém responde em meu lugar. Quando Jesus chama Pedro, Tiago e João para subir com ele a montanha, eles respondem com a sua presença com o seu corpo (Transfiguração). Quando Deus chama Maria para ser a Mãe de Jesus, ela responde com sua presença e com o seu corpo (Assunção). Quando Deus chama Elias, ele responde com sua presença (19DTC-A), o mesmo acontecendo com Pedro, ao ser instituído fundamento da Igreja de Jesus Cristo (21DTC-A). Não existe, em resumo, reposta vocacional que não envolva a pessoa fisicamente.


Dúvida e medo da resposta vocacional
            A dúvida e o medo fazem companhia na vida do vocacionado e são, por assim dizer, normais na dinâmica vocacional do chamado – escuta – resposta pessoal. Verificamos isso nos personagens com os quais celebraremos a Liturgia, neste mês de agosto 2017.
            Na vocação da Virgem Maria, o evangelista relata que ela ficou assustada e foi acalmada pelo anjo: “não temas Maria!”. Já fiz referência ao medo de Elias, que foge da cidade para se esconder de Deus. Tem ainda o medo de Pedro, ao ser chamado para caminhar sobre a água (21DTC-A).
            O elemento “dúvida”, no afundamento de Pedro, é um dado interessante no processo vocacional, não pela dúvida em si, mas por aquilo que se contrapõe à dúvida: a fé como confiança. Confiar em responder afirmativamente, porque se Deus chama, ele sempre estenderá a mão para que a pessoa não se afunde no medo.  
Serginho Valle

Agosto 2017

15 de jul. de 2017

Secreta da comunhão

A oração “secreta” dos ritos preparatórios para a Comunhão Eucarística obedece a mesma função, a mesma finalidade e a mesma dinâmica das outras orações secretas já avaliadas aqui no blogger. Trata-se de uma oração silenciosa feita exclusivamente pelo padre. O Missal Romano propõe duas fórmulas para a secreta antes da comunhão.

Conteúdo oracional
            A primeira secreta é dirigida a Jesus Cristo, reconhecendo que ele é o Filho do Deus vivo, aquele que realizou plenamente a vontade do Pai. O texto faz uma breve anàmnesis (memorial), que se conclui reconhecendo que toda a ação salvadora de Jesus Cristo, em favor da humanidade, foi realizada juntamente com o Espírito Santo. Quer dizer, o Espírito divino age e colabora na ação salvadora de Jesus Cristo. Faz-se memória, em outras palavras, da Salvação como obra Trinitária.
A segunda parte desta primeira secreta apresenta, sempre em forma memorial, o modo como Jesus oferece a Salvação divina à humanidade e como ele a realizou através da sua morte, na Cruz. Esta é tratada como árvore que produz frutos de vida nova.
Por fim, a parte conclusiva é aquela intercessora, suplicando o perdão dos pecados, o livramento do mal e da maldade e a graça de, “pela comunhão do vosso Corpo e pelo vosso Sangue”, ser capaz de viver sempre fazendo a vontade divina, a exemplo do próprio Jesus que viveu fazendo a vontade do Pai.
A segunda fórmula da secreta antes da comunhão é mais breve e tem uma linguagem mais objetiva, toda formatada num contexto suplicante. Dirige-se a Jesus Cristo, presente no Sacramento Eucarístico, diante dos olhos do padre, portanto, intercedendo que a Eucaristia — Corpo e Sangue do Senhor — não seja motivo de condenação, mas sustento e remédio para a vida. É uma dimensão que pode ser relacionada com a missão sacerdotal, enquanto sustento para a vida e caminhada do sacerdote em sua atividade evangelizadora, pela qual anuncia a Salvação divina.

Comunicação litúrgica
            Do ponto de vista da comunicação litúrgica, o rito da secreta antes da comunhão é realizado pelo padre com a participação e a sustentação orante silenciosa dos celebrantes. É um rito silencioso e cumpre a função de fazer uma pausa silenciosa antes de se aproximar da Mesa Eucarística. Por isso, a realização deste rito por toda a assembléia rompe o propósito de silenciar antes da comunhão e introduz a “falação”.
            Por que somente o padre? Do ponto de vista espiritual, o padre reconhece-se beneficiado da graça de alimentar sua vida pessoal e sacerdotal (que deve ser uma unidade) e intercede o dom da santidade, isto é, a participação na vida divina. Claro que isso é compatível igualmente para os celebrantes, mas no caso específico, o padre como que refaz sua vocação, ele que recebeu a Ordenação para alimentar o povo com a mesma vida divina que tem em suas mãos, no Pão e no Vinho Eucaristizados. A esse momento, os celebrantes se unem com a oração pessoal silenciosa, preparando-se para a comunhão Eucarística.
Serginho Valle

2017

7 de jul. de 2017

A formação e a criatividade do ministro da ornamentação

O ministério da ornamentação não se caracteriza como um grupo de pessoas que enfeitam a igreja para celebrações. Já comentamos esse aspecto e esta dimensão reducionistas do ministério da ornamentação em nossas comunidades. A composição floral e simbólica do espaço celebrativo tem a ver com a celebração e como que exige um conhecimento básico de comunicação simbólica litúrgica para o bom exercício das atividades do ministério da ornamentação na comunidade. 
A competência para exercer tal finalidade, além do talento artístico, pede uma estrutura formativa planejada e orgânica. Se a boa vontade ajuda, no inicio, esta não tem condições de se sustentar por muito tempo. Ou seja, somente boa vontade não é suficiente. É preciso, portanto, propor sempre novos elementos e estes são passados e aprofundados por meio da formação, de leituras, de cursos, de pesquisas, de estudos e de interação com o mundo da arte e da curiosidade sadia que vive em todo artista. A criatividade pode nascer da intuição e “do nada” (um de repente), mas quase sempre aparece à medida que se lida e se está em contato com a arte. É uma espécie de contágio, de se deixar contagiar pela beleza da arte.
O ministro da ornamentação necessita de bom conhecimento da Liturgia, especialmente naquilo que se refere ao contexto e ao processo comunicativo da celebração litúrgica. Isto significa conhecer a dimensão pedagógica do Ano Litúrgico e a prática de meditar e refletir a celebração a qual deverá prestar seu serviço como arranjador, a refletir a celebração do ponto de vista litúrgico-celebrativo, a entender a proposta artística que cada celebração inspira. Algo que exige dedicação e aprendizado, uma iniciação em vista de se fazer o melhor, de realizar algo qualificado. Com o tempo, isso começa a fazer parte da bagagem do metier, que se chama “experiência pessoal”.
Outro elemento importante na formação dos agentes do ministério da ornamentação é aprender a ser criativo com o que se dispõe. É claro que é mais fácil criar e propor arranjos belíssimos quando as condições econômicas favorecem. Propor a apresentar símbolos atraentes quando se tem condições financeiras. Mas, essa nem sempre é a realidade da maior parte das nossas comunidades, por isso a necessidade de ser criativo e fazer o que pode ser feito com o pouco. Este pouco tem a ver, literalmente, com poucos recursos financeiros.
Isso de fazer bem com poucos recursos exige, por exemplo, o aprendizado de técnicas de conservação e armazenamento de flores, o aprendizado de técnicas de reciclagem, o uso de materiais de fácil acesso no local da comunidade para a criação e confecção de elementos simbólicos. E, neste caso, quando mais desafiante for, mais prazeroso é o trabalho e mais admirado é o resultado deste trabalho.
Importante igualmente, aprender a ser criativo com plantas típicas da região. Se houver bambu, criar arranjos com bambus, havendo muitas flores do campo, com essas aprender a fazer arranjos. Jesus não foi a uma floricultura chique para falar dos lírios do campo; ele os via nos caminhos por onde passava. Neste contexto, aprender a fazer arranjo com vegetação nativa é um modo prático de ser criativo, além de ser econômico, não deixa de ser um belo exercício de inculturação. 
Declinei apenas alguns elementos. Existem muito mais, é evidente. Mas estes poucos elementos são suficientes para se perceber como pode ser desafiador o serviço ministerial do ministro da ornamentação, especialmente onde as necessidades o obrigam a ser ainda mais criativo. E é aqui que se encontra o lado bonito de quem sempre quer fazer bonito diante de Deus e da comunidade.
Serginho Valle  

2017 
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