27 de mai. de 2018

Palavra de Deus: língua mãe do cristão

Uma das mais importantes consequências do Vaticano II foi devolver, por assim dizer, a Bíblia ao Povo de Deus. Quem viveu e participou dos anos pós-conciliares lembra dos encontros Bíblicos, das tardes ou fins de semana dedicados a cursos de Bíblia em nossas comunidades, dos círculos Bíblicos realizados nos bairros da paróquia. Junto a isso, surgiram as campanhas para comprar Bíblia. Na minha paróquia — São Luiz Gonzaga (Brusque – SC) — foi realizada a campanha: “Uma Bíblia em cada casa”.
No contexto litúrgico, nem é preciso dizer que a Liturgia da Palavra, depois da reforma litúrgica do Vaticano II (1964), foi uma das principais responsáveis para a divulgação do conhecimento Bíblico em nossas comunidades. Um fato que exigiu mais dedicação ao estudo da Sagrada Escritura, principalmente da parte dos padres, para que suas homilias tivessem conteúdo e fossem capazes de alimentar a vida espiritual do povo com a Palavra de Deus. Não que antes isso não acontecesse, mas como a Palavra era proclamada em latim, muitos padres limitavam suas homilias a traduzir o que leram em latim.
Outro dia, escutei um padre dizendo que a Bíblia saiu de moda. Referia-se aos cursos de formação, que mencionei acima. É claro que a Bíblia não sai de moda; disso meu amigo padre sabe muito bem. Hoje, o empenho é favorecer o contato com a Bíblia não tanto na área formativa, embora essa nunca tenha perdido sua força, mas o contato com a Bíblia para introduzi-la na vida. Disso, o grande esforço para implementar a Lectio Divina, dinâmicas e técnicas de meditação com a Bíblia, seja em vista do crescimento da espiritualidade pessoal como, até mesmo, de terapia psicológica.
A Lectio Divina, por exemplo, deveria ser um hábito em nossas comunidades. De modo especial, deveria ser hábito na preparação das celebrações e na preparação das homilias. Por isso, minha sugestão propõe preparar as homilias, por exemplo, dando uma olhada em comentários exegéticos (que é sempre útil e até necessário em algumas circunstâncias), mas especialmente preparar as homilias saboreando a Palavra na escola da Lectio Divina. É dessa forma que a Palavra de Deus, pouco a pouco, vai se tornando a língua materna do homiliasta. Isto é, ele fala aquela Palavra com a mesma facilidade com que fala sua língua mãe porque a tem no seu coração. Quando isso acontece, o contágio entre os celebrantes é inevitável e facilmente constatável.
Para tal finalidade, os aprofundamentos Bíblicos, feitos em cursos e com a literatura de bons autores são de grande utilidade; não se discute. Mas, mais importante e mais eficaz que isso é o clima e o estilo com que a Palavra é conservada no coração do homiliasta para transmiti-la aos que com ele celebram, de modo que “a Palavra habite em vós em toda plenitude” (Cl 3,16).
Hoje, o cristão comum, aquele que apenas frequenta a Eucaristia, graças ao incentivo de se ler a Bíblia e entrar em contato com a Palavra, não se contenta com uma homilia “meia boca”, do padre repetindo o que acabou de ser proclamado nas Leituras, como se este tivesse sido proclamado em alguma língua estranha. O cristão comum e, com muito mais exigência, aquele engajado, exigem conteúdo. E é bom que se tenha consciência disso, não só para demonstrar conhecimento, mas para tornar a homilia aquilo que é uma de suas principais finalidades: alimentar o povo celebrante com o Pão da Palavra.
No contexto da Pastoral Litúrgica Portanto, portanto, um dos desafios e objetivos consiste em tornar a Palavra de Deus acessível a todos, para que cada celebrante torne a Palavra de Deus a sua língua mãe, no seu modo de se expressar, especialmente pela expressão comportamental que testemunhe sua fé, seu agir e seu pensar de discípulo e discípula de Jesus.
Serginho Valle

Maio de 2018

16 de mai. de 2018

Lava-pés

Um pouco encurvado, um avental amarrado na cintura, mãos que derramam água para limpar os pés dos outros. Não existe sentimento que fique insensível durante a proclamação do lava-pés, na Missa da Quinta-feira Santa, recordando o gesto de Jesus ao lavar os pés de seus discípulos.
O lava-pés era uma cortesia típica das famílias hebraicas, transformado por Jesus em gesto de amor e humildade absolutos. Para melhor compreender o significado, Papa Francisco modificou recentemente o Missal Romano, definindo que, de agora em diante, pode-se escolher todos os membros do povo de Deus para participar do rito do lava-pés; a proposta tem a ver com a inclusão mulheres que, devido a um antigo e descontextualizado conceito, só permitia a participação masculina neste rito. Um costume que, na prática, ao menos aqui no Brasil, era desconsiderado, e com razão.
A finalidade, explica a Congregação do Culto Divino, é evitar que o lava-pés se transforme em teatro, mas evidencie a medida desmedida do amor cristão.
A proposta do rito do lava-pés, não consiste tanto em simplesmente repetir o gesto de Jesus, lavando os pés, mas enfatizar ritualmente o significado deste gesto: gesto de quem se coloca a serviço do próximo. É o gesto concreto do Mandamento novo, proclamado na Missa in Coena Domini, o gesto que explica em que consiste “amar o próximo como Jesus amou” (...). Consiste em se colocar a serviço da vida do outro para que viva de modo digno.

Notas históricas
Por muitos séculos, o lava-pés não se realizava durante a Missa da Quinta-feira Santa, mas fora da celebração, com o bispo que lavava os pés de 12 padres. O rito entrou na Missa com o Papa Pio XII. Até 1955, portanto, era um rito prevalentemente clerical, reservado ao clero, não realizado diante da assembléia do Povo de Deus. A partir de 1955 adquire visibilidade e a possibilidade de ser realizado durante a Missa.
Com a mudança feita por Papa Francisco, não será mais necessário que todos sejam homens, nem que os 12 sejam escolhidos antecipadamente para este rito. A orientação diz respeito a um grupo de fiéis, homens e mulheres, jovens e idosos, sadios e enfermos, padres, consagrados, leigos. Ou seja, a variedade e a unidade do Povo de Deus.
Serginho Valle

Maio de 2018

12 de mai. de 2018

Imaculada Conceição

Solenidade litúrgica que celebra Maria, Mãe de Jesus, concebida em pecado, no dia 8 de dezembro. Em vista do Mistério Pascal de Jesus Cristo, por graça especial de Deus, Maria participa do privilégio único de ter sido concebida sem pecado original. Disto a denominação de Imaculada (sem mácula, sem mancha) Conceição (concepção).  
            Era necessário, sem dúvida, que o Filho de Deus merecesse uma mãe imaculada, quer dizer, sem nenhum pecado desde sua concepção. Por isso, Maria recebeu a plenitude da graça (Lc 1,28), para que pudesse ser a Mãe de Deus. No contexto do projeto divino, é para nós e para nossa Salvação, que Maria nasceu Imaculada desde a sua concepção, segundo o dogma definido por Pio IX, em 1854.
            Maria foi especialmente escolhida por Deus para exercer a vocação maternal e a vocação da maternidade, para que o Filho de Deus nascesse plenamente humano. Para exercer tal função, Deus a quis toda pura, sem mancha; toda imaculada (Ef 5,27). É isso que a Igreja expressa na Liturgia desta solenidade, nos textos eucológicos.


Coleta da Missa da Imaculada

                              Ó Deus, que preparastes uma digna habitação para o vosso Filho, pela Imaculada
                             Conceição da Virgem Maria, preservando-a de todo pecado em previsão dos 
                             méritos de Cristo, concedei-nos chegar até vós purificados de toda culpa por sua  
                             maternal intercessão. PNSCJ. Amém!

            Como em outras coletas, ditas “novas”, a coleta da Imaculada Conceição retoma quase que textualmente a essência da definição dogmática de Pio IX (1854): foi preservada de toda mancha do pecado, em vista dos méritos de Cristo. Uma coleta, portanto, que pode ser definida como “dogmática”.
            A coleta proclama Maria como morada digna da vida divina, na pessoa de Jesus Cristo, preservada de todo pecado. Maria, portanto, é imaculada, sem mácula, sem mancha, sem pecado. A coleta ressalta que a Imaculada Conceição de Maria atinge também toda a humanidade pelos méritos de Cristo, quer dizer, por aquilo que Jesus realiza em favor de todos os homens e mulheres, purificando-nos de toda a culpa pela maternal intercessão da Virgem Imaculada.
            No contexto teológico do Dogma da Imaculada Conceição, sua fundamentação bíblica encontra-se no Mistério da Encarnação (Lc 1,26-38, Mt 1,21; Rm 1,4). Graças ao “sim” de Maria, Deus que falara de tantos modos, nestes últimos tempos falou através do seu Filho Jesus, para que tivéssemos nele a vida plena (Gl 4,4-5; Jo 10,10). Graças aos méritos divinos concedidos a Maria, tornando-a digna habitação do seu Filho, pode-se participar da graça divina como filhos e filhas adotivos de Deus (Ef 1,3-12; 1Pd 1,3), destinados a viver livres de toda culpa, justificados em Cristo para poder participar da vida divina (Ef 1,7; Cl 1,14; Hb 9,22).

Prefácio da Imaculada Conceição (embolismo)

A fim de preparar para o vosso Filho mãe que fosse digna 
dele preservastes a Virgem Maria da mancha do pecado original, 
enriquecendo-a com a plenitude da vossa graça. Nela, nos destes 
as primícias da Igreja, esposa de Cristo, sem ruga e sem mancha, 
resplandecente de beleza.Puríssima, na verdade, devia ser 
a Virgem que nos daria o Salvador, o Cordeiro sem mancha, 
que tira os nossos pecados. Escolhida, entre todas as mulheres, 
modelo de santidade e advogada nossa, ela intervém 
constantemente em favor de vosso povo.

O Prefácio da Solenidade da Imaculada Conceição, que tem como tema: “Maria e a Igreja”. Um Prefácio inspirado, no que se refere à Igreja, no texto paulino de Ef 5,27, na teologia mariana presente na Sacrossanctum Concilium (SC 103) e no contexto teológico da Lumen Gentium (LG 65).
O texto prefacial faz referência à Maria como a primeira filha da Igreja, o novo Povo de Deus, que participa plenamente da glória celeste, por ser preservada da mancha original. Maria é primeira, aquela que, no dizer de Paulo, é apresentada toda bela e sem mancha, sem ruga; toda santa e sem defeito aos olhos de Deus (Ef 5,27). Ela é a filha do povo que encanta o olhar do rei, a ponto de lhe conceder tudo que pedir; uma filha que se torna intercessora diante do rei divino (1ª leitura – Est 5,1-2;72-3).
O segundo aspecto do Prefácio, fundamentado na Teologia Mariana pós-conciliar, faz referência à celebração do Mistério Pascal de Cristo na vida de Maria, Mãe de Deus, contemplando-a e proclamando-a como o primeiro e o mais excelso fruto da redenção realizada por Jesus Cristo (SC 103). Por isso, ela é a primeira cristã e o modelo de discípula a ser imitada por todos os cristãos (LG 65).

Espiritualidade da Solenidade da Imaculada Conceição
            A celebração Litúrgica da Solenidade da Imaculada Conceição, do ponto de vista da espiritualidade Litúrgica, encontra-se plenamente envolvida no Mistério Pascal de Jesus Cristo. Maria recebe de Deus a graça de ser preservada do pecado em vista do Mistério Pascal de Jesus Cristo, em vista do processo redentor escolhido por Deus. É o que se reza na coleta inicial e o que se proclama no embolismo prefacial. Um feito que produz na vida espiritual a admiração, o louvor, a ação de graças pela obra divina realizada na vida de um ser humana, Maria, a Mãe de Jesus.
            Sendo humana, entende-se que os méritos divinos que atingem o ser humano na pessoa de Maria, igualmente atinge a vida de quem celebra este Mistério. Toda humanidade, e cada celebrante, uma vez purificados de suas manchas desde o Batismo, são chamados à purificação pessoal para acolher em suas vidas a vida divina, cujo corpo é morada do Espírito Santo (1Cor 3,16). É uma espiritualidade propositora do caminho da purificação da humanidade, da Igreja e de cada ser humano em vista da santificação. No seio de Maria, Deus veio habitar a vida humana e, onde Deus habita, ali habita a sua santidade. Disso, a espiritualidade de purificar-se, distanciar-se do pecado para se tornar santo e santa, acolhendo a vida divina na vida humana purificada; sem pecado.
            Interessante notar, igualmente, que a Solenidade da Imaculada Conceição é celebrada no Tempo do Advento. Em tal circunstância, respira os ares espirituais da esperança. Esperança de haver pessoas dispondo-se à purificação pessoal para acolher Jesus, que nasce no Natal. O Advento, no dizer de Paulo VI, é o tempo litúrgico mariano por excelência e, por isso, a espiritualidade desta solenidade favorece igualmente a compreensão do Advento como tempo mariano, isto é, tempo para esperar o Senhor com amor de mãe gestante: feliz e radiante da alegria humana.
Serginho Valle
Maio de 2018


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