16 de mar. de 2019

O poder do serviço celebrado na Liturgia

Quem lida com PL conhece a etimologia da palavra “Liturgia”: serviço; serviço prestado ao povo. Liturgo é alguém que se dedica a servir o povo, diz o primeiro volume da coleção Anàmnesis. A prioridade do serviço litúrgico, sendo redundante nos significados, pertence a Deus. É Deus que, na Liturgia e pela Liturgia, dedica-se a servir seu povo. Jesus é o “diácono” divino, o servidor de Deus e dos homens. É a Liturgia como “Opus Dei”, o serviço de Deus. São noções que nos situam na proposta serviçal contida na Liturgia.
A resposta humana ao serviço divino acontece em duas atividades. Primeiro pelo serviço laudativo e glorificador que a Igreja celebrante eleva a Deus; é o “sacrificium laudis” (sacrifício, no sentido de “oferta”; o louvor é um sacrifício, é um dom oferecido a Deus). O segundo momento deste serviço acontece no cotidiano da vida de cada celebrante que transforma sua vida em serviço fraterno. É o “sacrificium vitae”, a oferta da vida que acontece concretamente pelo serviço. A origem deste segundo elemento encontra-se na Instituição da Eucaristia, no gesto do lava-pés: “eu vos dei o exemplo para que façais o mesmo” (Jo 13,15).
Sobre este segundo elemento, uma anotação, em passant, que serve como exemplo. Ouve-se muito, nas Missas, o convite para oferecer a vida no momento das apresentações das oferendas. Está certo, mas a concretização deste ofertório só acontece na atividade prática de quem se coloca a serviço. Não se trata, portanto, de um rito emocional, que se conclui com um sentimento de gratidão, na celebração. Este rito de oferecer a vida só se completa em que viver servindo, a exemplo de Jesus que veio para servir e não para ser servido (Mt 20,28). Nenhuma celebração litúrgica está completa somente no rito celebrativo porque toda celebração conduz para a vida e a vida leva à celebração.

Serviço como alternativa do poder
Outro exemplo referente ao segundo elemento, considerando uma questão prática do envio celebrativo, especialmente na Eucaristia: a Liturgia sempre envia seus celebrantes a viver em contexto de serviço fraterno. É uma proposta que tem embutida uma atitude transformadora da ordem social, que irá se refletir nos relacionamentos sociais.
A sociedade, como sabemos, é regida por vários poderes, como o poder político, o poder financeiro, o poder da mídia... A Liturgia, em suas celebrações, propõe o “serviço” como alternativa ao poder que rege a vida social. Todos os poderes do mundo fundamentam-se na competição e na lei que os fortes vencem e dominam. Aquele ensinamento de Jesus “entre vós não seja assim...” é continuamente repetido em todas as celebrações litúrgicas: “quem dentre vós quiser ser o primeiro, seja seu servidor” (cf. Mt 20,25-28). Ou seja, a Liturgia propõe um poder alternativo, não fundamentado no exercício do domínio, mas em se colocar diante do outro disposto a servir fraternalmente. Este um o poder transformador dos relacionamentos sociais. É o segredo da transformação social.
Entende-se, neste contexto, que a Liturgia não comporta espaço para comícios políticos, embora possa propor critérios para escolha de lideranças sociais, iluminando-se no conceito evangélico do serviço. Um desses critérios, critério primário, por ser o mais importante, é o serviço à vida. Em toda celebração litúrgica a vida sempre está presente, seja na sua Eucologia, seja em ritos, seja na simbologia sacramental... Vida plena, vida em abundância, no dizer de Jesus (Jo 10,10). Ora, quem participa desta vida abundante na Liturgia torna-se divinizado, comprometido em partilhar esta mesma vida, no cotidiano da sua existência, pelo serviço fraterno. A Liturgia é a escola do serviço fraterno que sempre compromete os celebrantes com a promoção da vida plena. Claro que isso só é possível se a Liturgia for completa, quer dizer, celebração e atitude existencial.
Disto, a minha repetida proposta que o envio celebrativo, particularmente o envio Eucarístico, deveria ser: “vai e faze tudo o mesmo” (Lc 10,37). É o envio ao serviço fraterno, iluminado na misericórdia, presente na parábola do Bom Samaritano. Fazer o mesmo que Jesus e fazer como Jesus, para que a Liturgia seja completa: seja celebração e atitude de serviço fraterno.
Serginho Valle

Março 2019
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