A Liturgia é a Oração Litúrgica da Igreja

A série de artigos sobre a espiritualidade litúrgica, que tenho publicado aqui, no meu blogger, tem duas finalidades práticas. Uma, chamar atenção para aquilo que torna a celebração, não apenas uma ritualidade religiosa, mas momento orante. A outra, insistir no fato que a Liturgia é a pedagoga do crescimento na vida cristã e isto acontece na e pela escola da espiritualidade litúrgica. As celebrações litúrgicas não se resumem em ritos e em “criatividades” para atrair ou agradar os celebrantes, além disso, são essencialmente momentos orantes e escola da espiritualidade para a vida no discipulado do Evangelho.  
Uma das características mais marcantes, do ponto de vista litúrgico, é compreender que a Liturgia é a Igreja em oração. Através da sua Liturgia, a Igreja participa da oração do Coração de Jesus rezando no meio do mundo. É o Coração de Jesus orante, mediador e Sumo Sacerdote, que pela oração de seus membros, alcança todas as partes do mundo para elevar a glorificação ao Pai de todos os homens e mulheres pelo impulso vivificante do Espírito Santo. A oração da Igreja, na Liturgia, é uma realidade viva e dinâmica no meio do mundo que cada celebrante participa e comunga pela pertença ao Corpo Místico de Cristo.
O princípio teológico proposto no parágrafo anterior é suficientemente profundo para entender que a ação da Liturgia, em todos os Sacramentos, e especialmente na Eucaristia, não se resume unicamente em expressões exteriores de ritos e ritualidades. Ao celebrar o Mistério Pascal de Jesus Cristo, a Liturgia conduz e introduz seus celebrantes para dentro do mistério da oração. Infelizmente, este é um aspecto que ainda precisa ser apreendido e aprendido, seja da parte de muitos padres como da parte da grande maioria dos celebrantes. A catequese de hoje deveria favorecer a compreensão de que os participantes na celebração não sejam meros celebrantes executores de ritos, mas celebrantes orantes, no modo próprio da Liturgia rezar.
No dizer da Teologia Litúrgica, a oração da Igreja, celebrada na Liturgia, é a síntese viva de toda a obra da Salvação de Jesus Cristo, para a glorificação de Deus Pai, na ação do Espírito Santo. Por isso, toda vez que celebramos na terra a Liturgia de ação de graças (Eucaristia), nos unimos com os anjos e santos para cantar a uma só voz — a voz da Igreja terrena e aquela da Igreja celeste — a proclamação da santidade divina: “SANTO, SANTO, SANTO é o Senhor Deus do universo. O céu e a terra proclamam a vossa glória”. Trata-se de um Mistério solene, do qual somos convidados a nos aproximar com respeito e com temor para silenciosamente adorar e se deixar envolver na santidade divina para alimentar a vida e prosseguir no caminho do discipulado, caminhando na estrada de Jesus.
Serginho Valle
Junho de 2019



A Liturgia: oração da Igreja

A celebração litúrgica se caracteriza também como momento orante da Igreja. Aliás, trata-se de uma das mais importantes características da celebração litúrgica. Diria que é preciso conhecer muito bem a Liturgia para fazer da celebração uma oração pessoal e comunitária assemblear. Conhecer bem a Liturgia, conhecer o processo comunicativo litúrgico para transformar a celebração, especialmente a Liturgia Eucarística, em clima de oração. É mais fácil, por exemplo, um padre ser animador da Missa que condutor orante de uma assembléia. Hoje, por exemplo, percebe-se que existe oração nas celebrações, mas quase que paralelo ao processo comunicativo e ritual da Liturgia, como as preces de cura, em qualquer momento da celebração; em alguns casos, reza-se com música em excesso (cantorias) ou com dinâmicas de envolvimento emocional. Estes exemplos favorecem a compreensão da dificuldade de rezar com o rito litúrgico em si.
            A emoção sempre está presente na Liturgia. Quando esta desaparece, a celebração litúrgica torna-se apática, morna. Mas é uma emoção que necessita tender ao sentimento. Não somente a emoção da paz, mas que a paz se instale como sentimento cada vez que se celebre a Liturgia, especialmente a Eucaristia. Não somente a emoção da alegria, mas que a celebração seja envolvida pelo sentimento da alegria espiritual. E assim se espera com a oração; não só a oração emocionada, mas a oração como sentimento que brota do coração do celebrante, do centro de sua vida e se expressa como vida.
Para isso, primeira condição consiste em entender a celebração, do ponto de vista orante, como oração comunitária, na qual se reza como Igreja; não tem sentido, por exemplo, alguém ficar rezando o terço durante a Missa. A Liturgia, enquanto ato celebrativo, é oração da Igreja — ênfase em ser oração da Igreja — e por isso, pertence a toda a comunidade eclesial e não seja trocada por espiritualidades de grupos ou movimentos. Sempre se reza a Liturgia como Igreja, embora se reconheça que o modo de celebrar possa ter características específicas; algumas espiritualidades cantam mais outras preferem celebrar silenciosamente, por exemplo. Não existe, portanto, o bonito e o feio, o chato e o agradável, mas modos diferentes de rezar celebrando.
Quando se fala que a Liturgia é a oração da Igreja, entende-se que a Liturgia caracteriza-se como a oração do Corpo Místico de Cristo, no qual é o próprio Jesus que reza e torna cada celebrante um participante de sua oração filial ao Pai. Este é um dos motivos pelo qual a Igreja orienta e estabelece como celebrar a Liturgia, em vista de favorecer a dimensão comunitária da celebração e não o sentimento pessoal (nem mesmo do padre) ou de algum grupo. A individualidade orante ou a coletividade orante de um grupo, na ação celebrativa litúrgica, não é anulada, mas associada ao Corpo Místico de Cristo, do qual ele é a cabeça e cada celebrante, individualmente, é membro vivo (1Cor 12,27). Deduz-se, portanto, que a celebração Litúrgica sempre é ato orante da Igreja, da qual cada celebrante participa como membro vivo, com sua vida individual.
Serginho Valle
Junho de 2019


Participação dos fiéis na Liturgia

Todos os celebrantes, fundamentados na Teologia do Sacerdócio Comum dos Fiéis, têm o direito e o dever de participar ativamente da Liturgia da Igreja, em suas celebrações. Inspirando-se na etimologia da palavra “participação” — “pars + in + actio” — que se traduz como “tomar parte”, “estar presente na atividade”, se “fazer presente”, entende-se a participação litúrgica, num primeiro momento, como acolhimento e presença física dos celebrantes na celebração.
Uma segunda compreensão de participação é aquela que se denomina “participação ativa”, entendida como envolver-se na celebração, cantando, rezando, silenciando... estar presente na atividade celebrativa naquilo que compete a cada um, seja em nível ministerial que assemblear. No caso da celebração Eucarística, por exemplo, isso é claramente determinado na Instrução do Missal Romano (IGMR
Do ponto de vista da espiritualidade litúrgica, compreende-se a participação como inserção — aquele que está inserido, que toma parte — no Mistério Pascal de Jesus Cristo. Trata-se de inserção pessoal e comunitária. Participa-se do Mistério Pascal de Jesus de modo pessoal e também como membro de uma comunidade. Disto a necessidade enfatizar a compreensão da participação em seu primeiro aspecto, aquele de se fazer presente para ser envolvido no clima celebrativo, que sempre é clima epiclético, isto é, animado pelo Espírito Santo. Dito em outras palavras, a participação, do ponto de vista da espiritualidade litúrgica, pede a participação “in persona” (da pessoa) para que seja santificada; para que participe da atividade santificadora do Espírito Santo na Liturgia.
Na segunda compreensão de participação litúrgica, aquela ativa, no contexto da espiritualidade litúrgica, também esta coloca a condição de se fazer presente. Hoje, existe toda uma discussão sobre o conceito de presença na Liturgia pelos meios de comunicação social. Para a presente reflexão, quero apenas chamar atenção ao fato que é o Espírito Santo que une a oração comum de todos os fiéis. É o Espírito Santo que torna a oração agradável ao Pai e favorece a compreensão que a Liturgia não é presbiteral, no sentido que o padre seja seu único protagonista por presidir a celebração, mas pertence a toda a assembléia celebrante. Isto é bem compreendido quando se define a Liturgia, no contexto da sua espiritualidade, como atividade espiritual — atividade do Espírito Santo — com a participação de todo o Corpo Místico de Cristo.
É pela Liturgia que a Igreja se manifesta como comunidade orante diante do mundo e invocadora incansável da presença divina na terra, como ensinado pelo próprio Jesus que, onde dois ou três estiverem reunidos — estiverem participando — em seu nome de uma súplica ao Pai, ele ali está presente (Mt 18,20), ali “ele está no meio de nós!”
Serginho Valle
Maio de 2019


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