Na maior parte
das comunidades, a “indústria dos casamentos” tomou conta das celebrações e
ocupa o lugar da Pastoral Litúrgica Paroquial (PLP). Existe todo um comércio que
gira em torno das celebrações de casamentos, incluindo a Liturgia. Comércio de
olho no vestuário dos noivos, padrinhos e madrinhas, na preparação da festa e,
no caso da Liturgia, nos ritos da celebração matrimonial. No que se refere a
este último aspecto, a “indústria dos casamentos” assume a função que deveria
ser da equipe (ou equipes) de celebrações matrimoniais. Tornou-se uma espécie
de “equipe celebrativa terceirizada”. Vou considerar somente o Rito Matrimonial
fora da Missa.
O ingresso da “indústria dos
casamentos” na Liturgia começou com a ornamentação, entrou com tudo pela música
e, agora, chega aos ritos, com um novo personagem: o cerimonialista. Na
Liturgia, temos o cerimoniário, no casamento, o cerimonialista.
O cerimonialista se apresenta bem
vestido e age discretamente, com precisão e classe. Inicia sua atividade na
porta da igreja como recepcionista e organizador da procissão de entrada — de
várias procissões, algumas das quais semelhantes a desfiles. Em termos
celebrativos, exerce a atividade do ministério da acolhida, dedicando atenção
especial aos noivos, aos pais dos noivos e aos padrinhos e madrinhas. Procura acalmar
os noivos, se necessário, garantindo que tudo acontecerá como preparado.
Munido de um discreto fone de ouvido
e um microfone de lapela, comunica-se com os músicos e com outros atores da
celebração, como fotógrafos e cinegrafistas, preparando-os antecipadamente para
cada momento e cada rito. Se o cerimoniário atua vistosamente diante da
assembleia, no presbitério, o cerimonialista não aparece. Fala baixo no
microfone para pedir que os músicos iniciem as canções, alerta o pessoal da
imagem (fotógrafo e cinegrafistas) para algum detalhe do rito. Não interfere no
padre (ao menos por enquanto), mas no movimento que acontece ao redor da
celebração.
Dois sentimentos
Tenho dois sentimentos diante desse
cenário. O primeiro é de admiração porque existe neste desenrolar de ritos todo
um exercício de criatividade e de organização celebrativa. Preciso admitir que
a “indústria dos casamentos” percebeu que o rito da celebração matrimonial é
simples, como é característico da nossa Liturgia, e por isso era necessário
introduzir ali o sentimento e a emoção. O rito descrito no Ritual do Matrimônio
precisava ganhar vida e isto significou um exercício de criatividade.
O exercício da criatividade está na
decoração do espaço celebrativo, na qualidade artística dos músicos e dos
cantores, na discrição do cerimonialista, na introdução de gestualidades. Um
dia, um padre me confessou que, na sua paróquia tem uma “empresa que faz
casamentos” (nas palavras dele) que, quando atuam, até ele se sente motivado a
celebrar melhor para não fazer feio, tal a qualidade com que preparam e
conduzem a celebração. Este é o meu primeiro sentimento: admiração com certa
dose de santa inveja: por que nossas comunidades não poderiam exercer este
ministério com a mesma qualidade e competência?
Meu segundo sentimento, como
liturgista, é de tristeza. Fico triste porque este cenário é indicativo claro
da falta de uma PLP. Quem deveria realizar toda esta celebração, e com igual
qualidade e competência, deveria ser uma equipe celebrativa (ou várias)
designada pela Equipe Litúrgica que coordena a PLP.
Seria uma equipe grande, é verdade, constituída por músicos,
ornamentadores, cerimonialista... Uma ou várias equipes de celebração capaz de
preparar os noivos para não apenas serem atores na celebração, mas protagonistas.
O Rito do Matrimônio proposto pela CNBB, em 1991, tem a finalidade de criar
esta participação e comunhão celebrativa litúrgica dos noivos, da família e da
comunidade. Não saberia dizer se o rito foi bem acolhido e nem mesmo se é
celebrado com certa frequência.
Formação
Hoje, na situação que chegamos, na
maior parte das nossas comunidades, impedir que o pessoal da “indústria dos
casamentos” atue é comprar briga. Por isso, em vez do litígio, os coordenadores
da PLP poderiam encontrar meios de ajudá-los a celebrar liturgicamente. Refiro-me
a um projeto formativo direcionado a esse pessoal.
A maior parte deles não conhece Liturgia, por isso não se preocupa com
o conteúdo. A preocupação é com a encenação, com a beleza do espaço
celebrativo, da música, da gestualidade dos ritos. Já fazem bem isso, portanto,
o projeto formativo para esse pessoal precisa ser pensado a partir do conteúdo.
E, neste caso, estou dizendo que o departamento formativo da PLP pode criar um
roteiro formativo de cunho teológico, litúrgico e ritual, por exemplo.
Outro roteiro
formativo, poderá ser focado em grupos específicos. Com os ornamentadores, a
formação contará com o conteúdo litúrgico do espaço celebrativo, indicando,
desde coisas bem simples, como por exemplo, não fazer do altar uma prateleira
de flores, até elementos que fundamentam a Teologia do espaço celebrativo. Claro
que isso não deveria ser feito num único dia. Outro exemplo, seria ajudar os
músicos a entender como a música litúrgica se comunica na celebração e quais
critérios são adotados na escolha de músicas para cada rito, além de outros
temas. Conheço uma comunidade que realizou este processo formativo tão bem, que
os músicos profissionais não só começaram a participar de um ministério da
música, como também se responsabilizaram pela formação de outros músicos.
Formação importante, e
em certos casos, importantíssima, deve ser proposta aos fotógrafos e
cinegrafistas, para ajuda-los a realizar o seu trabalho de modo discreto e sem
invadir espaços rituais, prejudicando (e enervando) o padre, por exemplo.
Diálogo
Pela formação, dialogando
com essa gente, existe a possibilidade de um enriquecimento mútuo. É um
trabalho que vai colocar a PLP em contato com pessoas de outras Igrejas, em
contato com pessoas que vêm à igreja só para exercer este trabalho. Por isso,
não se trata, somente, de um trabalho organizativo, mas também evangelizador e
de crescimento espiritual. Quando se conversa com o pessoal da “indústria do
casamento” ouve-se dois assuntos: as queixas que padres (alguns) e o pessoal da
Igreja não é acessível para conversar e, a queixa que fazem como fazem porque
nunca foram instruídos.
É um diálogo que pode
ser muito proveitoso, porque a PLP vai conversar com pessoas que trazem
experiências, queixas, propostas e, em muitos casos, buscando esclarecimentos
sobre como agir no desenvolvimento do Rito Matrimonial.
É um diálogo que não
pode ser feito com argumentos do “eu acho bonito” ou do “sempre foi feito
assim”. É um diálogo que prima pela qualidade da celebração litúrgica
matrimonial, que se caracteriza não somente pela beleza ritual, mas que a
beleza ritual realce a beleza espiritual de um casal que é abençoado para
iniciar uma nova família. Uma celebração que não seja somente para ser vista,
mas vendo-a, torne-se capaz de questionar especialmente a vida dos casais
presentes. Celebração evangelizadora, portanto, capaz de tocar a vida.
Serginho Valle
Janeiro de 2020
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