25 de mar. de 2023

A Liturgia educa para o belo

“A beleza salvará o mundo". A conhecida frase de Dostoiévski encontra na Liturgia uma fonte educadora muito pouco valorizada, se considerarmos Liturgia como epifania da beleza divina, como diz a Teologia Litúrgica oriental; a Liturgia manifesta a beleza divina. Uma beleza a ser contemplada com os olhos da espiritualidade, de quem se deixa conduzir pelo Espírito de Deus no momento celebrativo.

Se a Liturgia é a fonte da beleza divina, então, com mais razão podemos compreender que a beleza, particularmente a beleza divina salvará o mundo. Seremos salvos pela beleza, porque Deus é a beleza perfeita. Além disso, compreende-se que celebrar a Liturgia é mergulhar para se envolver na beleza divina; beleza que ultrapassa a admiração para se tornar contemplação do Mistério divino presente na simplicidade sacramental dos sinais e dos ritos celebrados.

Será possível perceber a beleza divina nas celebrações?
Se a Teologia da beleza divina é encantadora, a realidade das celebrações nem sempre se manifesta belamente. É inquietante saber e, por isso é justo se perguntar: por que, muitas vezes, nossas celebrações não conseguem ser epifania da beleza divina?

Existem vários motivos. Um deles tem a ver com o conceito de beleza na Teologia; o conceito teológico do belo e, agrupado a esse, o conceito de belo na Liturgia. Encontramos o conceito teológico da beleza nas primeiras páginas da Bíblia: Deus realiza a Liturgia da criação e a admira como bela; como beleza. Tudo que Deus faz é belo, irradia beleza; a criação é bela e manifesta o dedo artístico de Deus. Deus celebra a criação contemplando-a como bela: “e Deus viu que tudo era muito belo” (Gn 2,18), diz o autor no original Bíblico.

O conceito de beleza, na Liturgia, conserva a mesma dinâmica divina de contemplar a obra da salvação na Liturgia e ver que tudo é belo. É a alegria de quem se encanta com a beleza, de quem sabe contemplar a arte celebrativa e nela encontrar a mensagem do belo. É mais que um simples exercício psicológico causado pela emoção do encantamento; é uma participação de quem comunga a beleza divina celebrando a obra salvadora de Deus.

O conceito de belo, sempre no contexto da Liturgia, envolve outro aspecto, além do teológico: a estética da celebração. Celebrar é belo, mas é preciso aprender a celebrar com a beleza da Liturgia. Este é o aspecto mais visível da celebração. Não é simples, reconheçamos, porque a beleza estética da Liturgia é manifestação da beleza teológica da Salvação. Quando não se degusta a beleza da Salvação, a beleza da Liturgia pode ser sequestrada por outros modos de propor a beleza, como aquele em formato show de auditório: agrada os olhos, toca a emoção, mas com o risco de não atingir a vida e nem reagir na vida.

A Liturgia celebrada no Monte Tabor
Um modo de ilustrar a beleza divina presente na celebração litúrgica encontra-se na cena da Transfiguração do Senhor (Mt 17,1-9). A perícope da Transfiguração é uma narrativa litúrgica, realizada com uma sequência de ritualidade: a convocação de Jesus, o rito de entrada subindo o Tabor, o encontro com Jesus transfigurado, a comunhão com a beleza divina e o envio para descer o Tabor e voltar para a planície. Volta-se para a planície diferente depois de comungar a beleza divina na Liturgia. A celebração não se resume em levar a vida para o Tabor — para a celebração — mas em descer do Tabor (celebração) para transfigurar a planície.

Estamos diante do ideal sempre procurado em termos de celebração litúrgica: envolver os celebrantes na contemplação divina, encantá-los a ponto de reconhecer que é bom estar ali, como disse Pedro (Mt 17,4) e, iluminados com a luz da beleza transfiguradora de Jesus, enviá-los ao mundo para transfigurar a realidade da planície, no chão onde convivemos com a realidade da vida social. Este é o grande desafio: uma Liturgia bela — transfiguradora —, uma Liturgia que eduque para a beleza divina, capaz de envolver os celebrantes na beleza divina, na beleza profunda da espiritualidade litúrgica.

A Liturgia, experiência de Tabor, monte do encontro com o Senhor; local para uma celebração reservada de encontro com a beleza divina onde é possível contemplar a glória divina em Jesus Cristo. A beleza da contemplação de quem celebra para admirar a luz divina. Sim, é uma beleza mística, de uma Liturgia educadora da contemplação e da mística. Um tempo marcado pela beleza, a ponto de repetir a mesma experiência de Pedro: “Mestre, é bom estarmos aqui, vamos fazer três tendas" (Mt 17,4). Uma celebração que termina com a vontade de voltar porque é bom e bonito estar aqui. A beleza sempre encanta e sempre atrai; sempre expressa a vontade de “ficar um pouco mais!” O feio repele e sempre é evitado.

A Liturgia celebrada no santuário do presépio
Outra fonte da Teologia da beleza, na Liturgia, pode ser encontrada na celebração da Epifania (Mt 2,1-12). Uma celebração marcada pela beleza da luz que conduz ao encantamento e à adoração. A Liturgia educa para a beleza e, diante da beleza divina, a adoração silenciosa. A Liturgia da Epifania é uma celebração atraente, iluminada pela estrela guia (Mt 2,2) que conduz os celebrantes ao encontro da simplicidade e da pobreza divina no santuário de um presépio.

A Liturgia, do ponto de vista de ser fonte da vida cristã (SC 10), é a estrela guia que brilha e atrai os celebrantes ao encontro da simplicidade e da pobreza divina. A glória divina, no contexto da Epifania, se manifesta na simplicidade, na pobreza, no silêncio. Celebrações simples e serenadas (Cf. SC 34), que brilham para provocar nos celebrantes a mesma atitude dos Reis Magos: “vimos sua estrela e viemos adorá-lo” (Mt 2,2). A beleza da Liturgia, celebrada em todos os Sacramentos, tem sua dimensão estética realizada para atrair e conduzir ao encontro com Jesus Cristo e, diante dele, prostrar-se para adorar e abrir o cofre de nossos corações para oferecer o tesouro de nossa vida (Mt 2,11).

Outra atitude celebrativa, ainda no contexto da Liturgia celebrada no santuário do presépio, é aquela de Maria, a Mãe de Jesus. Ela celebra o encontro com Jesus no silêncio, meditando tudo em seu coração (Lc 2,19). Nada de agitação, de palavras de comando para levantar braços e produzir aplausos. No santuário do presépio tudo é silêncio; o “bebê está dormindo!” A beleza na Liturgia não é encontrada no agito de aeróbicas de braços, pernas e gestos, mas no recolhimento. A dificuldade de celebrar silenciando o coração e o corpo não está na Liturgia em si, alegando que seja “parada, estática”, mas na dificuldade de silenciar a vida, cada vez mais agitada em nossos tempos. A escola da Liturgia educa ao silêncio, educa à contemplação, dois caminhos para encontrar a beleza da Liturgia que se traduz em adoração.  

A beleza da Liturgia manifestada pela arte 
Do ponto de vista estético, a Liturgia sempre primou pela beleza. A história da Liturgia é um monumento de arte em suas variadas manifestações artísticas: arquitetura, escultura, música, literatura, retórica, pintura... todas as artes a serviço do culto a Deus. Os celebrantes são educados para adorar, rezar e silenciar diante da grandeza divina pela linguagem da arte. Com um detalhe que sempre precisa ser considerado: a linguagem da arte não serve para explicar, mas para manifestar (epifania) e compreender sem se preocupar com a compreensão. A beleza não se explica, é sentida com o sentimento e com a emoção de se estar bem; em paz.

Não é simples — e nem tem sido fácil — compreender que a formação litúrgica, educando para o belo e para a beleza, não se faz com um dicionário de simbologia litúrgica debaixo do braço. O caminho não está na explicação de quem sabe para o povo que não conhece. O caminho inspira-se na beleza do Tabor e na epifania do santuário do presépio: silenciar, contemplar, adorar. O caminho para a beleza da Liturgia encontra-se na escola da oração, seguindo o exemplo de Jesus, nosso Mestre da oração (Lc 6,12).

Por fim, a beleza manifestada pela arte da Liturgia exige pessoas preparadas para comunicar -se liturgicamente. Preparadas, primariamente, do ponto de vista espiritual, sem perder a capacidade de se comunicar com a linguagem própria da Liturgia. Simplesmente, não é possível educar pela Liturgia se a beleza da Liturgia não estiver dentro do comunicador. Ele pode propor (ou até mesmo proporcionar) tentativas de animações emocionais para tocar o espiritual, por exemplo, mas serão limitadas ao tempo emocional: breves e passageiras.

Quem atua na PLP – Pastoral Litúrgica Paroquial – jamais pode perder de vista o aprimoramento da comunicação litúrgica pela linguagem da Liturgia, que sempre se manifesta pelo belo, pela beleza. Mas, para isso acontecer será preciso cultivar a beleza de conviver e ter experiência com o Senhor, como aconteceu no Tabor e como aconteceu no santuário do presépio.

Serginho Valle
Março de 2023

 

 

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