15 de abr. de 2023

Música e silêncio

 


Silêncio e música são irmãos. Não é possível, especialmente tratando de Música Litúrgica, a ausência do diálogo entre música e silêncio. O silêncio é necessário para que a música cante no coração e na mente dos celebrantes e, de outro lado, a música interrompe o silêncio para expressar o que está sendo celebrado. São dois irmãos que atuam em forma de diálogo celebrativo. 
    É diante desse quadro, que vamos considerar alguns elementos da Música, na celebração da Eucaristia, pontuando quatro momentos celebrativos: cantar de modo orante, o silêncio antes da Missa, os ritos silenciosos, o silêncio na Oração Eucarística e o equilíbrio dialógico entre música e silêncio.

 
Cantar e tocar instrumentos de modo orante  

    No documento litúrgico “Musicam sacram” (n. 17), duas coisas chamam atenção: a finalidade do silêncio não é reduzir os celebrantes a expectadores, mas com a ajuda, inclusive da música, introduzi-los de modo mais interiorizado no mistério celebrado. Neste sentido, a música tem a função de conduzir ao silêncio e de ajudar os celebrantes a tornar o silêncio frutuoso. Isto é facilitado com canções orantes em suas poesias e no modo de executá-las. É um convite a analisar a poesia das canções e o modo de executar as canções. 
Músicas tocadas e cantadas agressivamente, de forma barulhenta... em vez de ajudar os celebrantes a descansar na oração silenciosa, dispersa-os. Considerando que o barulho agride os ouvidos dos celebrantes e os dispersa, é cada vez mais importante valorizar a arte de usar liturgicamente os instrumentos musicais e de cantar interpretando liturgicamente as canções.

 

Silêncio antes da Missa  
    Nas Instruções Gerais do Missal Romano (IGMR 45) encontramos dois aspectos importantes: existem “silêncios” diferenciados e, a importância do silêncio antes da Missa. O silêncio antes da Missa é importante para favorecer o clima de oração e de tranqüilidade antes de entrar na celebração. Por isso, a recomendação se faz oportuna para que haja silêncio também naqueles locais onde os ministros se preparam para participar da celebração, como por exemplo, na sacristia. 
    Dentro da igreja, o espaço celebrativo deveria acolher os celebrantes com o silêncio ou, quem sabe, uma música suave (instrumental ou gregoriano), tocando no sistema de som da igreja, antes da celebração começar. É antipático ser acolhido com afinações de instrumentos ou músicos testando microfones. Além de antipático favorece a dispersão de quem chega. Por isso, os músicos estejam devidamente preparados com antecedência para evitar ajustes barulhentos de última hora. Quando isto for necessário, o local é a sacristia ou a sala dos ministérios.

 
Ritos silenciosos  
    Quanto às diversas modalidades de silêncio na celebração, é útil recordar que alguns ritos são participados  pelo próprio silêncio. É o caso da preparação ao ato penitencial. O rito prevê um espaço de silêncio e um momento silencioso antes da invocação penitencial. Por isso, entrar com fundo musical é invadir e destruir o rito, impedindo que se realize no modo como é proposto: silenciosamente. 

O silêncio na Liturgia da Palavra, por exemplo, é um silêncio de audição; quer dizer, uma atitude educada de quem se dispõe a silenciar para ouvir Deus falando pela sua Palavra. O músico que afina instrumentos ou fica treinando acordes para o salmo responsorial demonstra-se mal educado, a ponto de não respeitar a voz de Deus falando na assembléia. Pode acontecer que algum instrumento desafine. Nesse caso, o melhor é sair da igreja, discretamente, para afinar os instrumentos na sacristia. 
    Destaque especial merece a notação do silêncio depois da comunhão. É um silêncio importante; silêncio ritual destinado à oração pessoal silenciosa. Não é momento para rezar com fórmulas ou fazer devoções eucarísticas. É silêncio ritual de oração para proporcionar a oração pessoal. Isto significa que os celebrantes sejam educados para silenciar e deixar o Espírito Santo rezar neles. Se um instrumentista entra e começa a tocar um solo instrumental, mesmo que seja ótimo no que faz, provoca ruído porque invade o rito silencioso que é próprio daquele momento. Depois do silêncio e como continuação do mesmo, então sim... então pode-se cantar uma canção de agradecimento, de louvor ou de compromisso com a celebração. 
    Conta muito, neste caso, o jeito de tocar, o jeito de executar os instrumentos. O pessoal do Ministério da Música precisa compreender que devem entrar no silêncio na ponta dos pés, com acordes baixos, tom suave e jeito de cantar suave. Passa-se do silêncio ao cantar sussurrado até o cantar com voz alta. Esta é uma sensibilidade que ainda precisa ser aprendida em muitas comunidades.

 
Silêncio na Oração Eucarística  

    Para aqueles músicos que sempre exigiam algum texto escrito por Roma para silenciar na hora da consagração, eis um documento da Santa Sé é claro neste sentido. Estou falando da “Redemptionis Sacramentum” (n. 53). Ali diz que, durante a Oração Eucarística, se faz silêncio, inclusive silenciando os instrumentos. Tudo se cala diante do Mistério da Salvação presente no altar. Se existe uma invasão e uma demonstração de falta de sensibilidade litúrgica é esta de músicos cantando ou fazendo fundo musical durante a proclamação da Oração Eucarística.
    O mesmo vale para aqueles que cantam canções devocionais no momento da elevação do Corpo e Sangue consagrados ou em substituição à aclamação litúrgica do “Mistério da fé”. 
Por aclamações devocionais entende-se as canções “Eu te adoro hóstia divina”, “Deus está aqui”, “Viva Jesus na hóstia santa” e outras canções semelhantes. São canções de louvor Eucarístico, é claro, mas não apropriadas para serem cantadas depois da elevação do Pão e Vinho consagrados. Aliás, nem se deve cantar.


Equilíbrio dialógico entre música e silêncio  
    Por fim, a importância do equilíbrio entre a canção e o silêncio. Não se pode fazer uma celebração totalmente silenciosa e nem totalmente musicada. Por isso, a necessidade do equilíbrio que permite celebrar cantando e celebrar silenciando. A canção conduzindo ao silêncio e o silêncio preparando o louvor, a súplica, a canção.

Serginho Valle
Outubro 2021

 

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