31 de ago. de 2024

A Palavra de Deus na pastoral

A Exortação Apostólica Verbum Domini, de Bento XVI, publicada em 2010, tem o objetivo de fortalecer a Igreja em sua missão evangelizadora, colocando a Sagrada Escritura no centro de toda a vida da Igreja. No centro de todas as atividades realizadas na Igreja. Isto inclui, evidentemente, a atividade pastoral com todas as pastorais realizadas em nossas paróquias. Papa Bento XVI, na Verbum Domini, convida a fazer da Palavra de Deus o coração de todas as atividades da Igreja.

Neste artigo, vou propor somente um aspecto: a centralidade e a função da Palavra de Deus na comunidade paroquial de olho na atividade pastoral paroquial. Interessa-me chamar atenção para o papel da Liturgia em toda a dinâmica pastoral e evangelizadora conduzida e iluminada pela Palavra de Deus.

 

Evangelização além das palavras

Um primeiro olhar, ao qual gostaria de chamar sua atenção é para um fato que precisa estar bem claro: a evangelização não se limita a pregações e estudos bíblicos. A evangelização não se limita a atividades verbais, oral ou escrita. Não se evangeliza unicamente ou somente com palavras. A Evangelização vai além das palavras.

 

Entende-se que a evangelização abrange também as obras pastorais. Dizendo de modo mais claro: cada atividade pastoral realizada na paróquia é uma atividade evangelizadora. Todo agente de pastoral é um evangelizador, que não evangeliza com palavras, mas com atitudes, com o testemunho fraterno do Evangelho próprio de cada atividade pastoral.

 

Tal dinâmica tem várias fontes. Destaco a fonte de todas as atividades da Igreja (SC 10): a Liturgia. Nas paróquias, como destaco no meu curso Pastoral DA Liturgia, as pastorais são expressões de celebrações evangelizadas e evangelizadoras. Celebrações que envolvem os celebrantes no Evangelho, ajudam os celebrantes a pensar com o pensamento divino proposto no Evangelho que terão, como consequência, respostas e reações evangelizadoras. Tais reações evangelizadas são as atividades pastorais que, por sua vez, tornam-se evangelizadoras.

 

A centralidade da Palavra de Deus

Bento XVI afirma que a Palavra de Deus deve ocupar um lugar central na vida da Igreja (VD 73). A Liturgia é um espaço privilegiado dessa centralidade. Embora não seja uma cátedra de estudos bíblicos, a Liturgia é o local e o momento da semeadura da Palavra de Deus no terreno da vida dos celebrantes. É na Liturgia que a Palavra é celebrada, anunciada, acolhida e refletida (homilia) para ser luz na vida dos celebrantes (Sl 119,105). Na Liturgia, a Palavra de Deus é celebrada para tocar a vida de cada pessoa, penetrando até a profundeza da alma, no mais profundo da vida humana (Hb 4,12).

 

Mas, não somente luz que atinge profundamente a vida pessoal. Atinge também a vida comunitária, porque é a Palavra que sustenta e orienta a vida da Igreja. Está no centro da

comunidade e no centro da sociedade. Celebrada na Liturgia, a Palavra acende o Evangelho na vida de cada celebrante para iluminar com a luz da Palavra toda a sociedade através de relacionamentos fraternos, dos quais, de modo organizado, encontram-se as pastorais. Entende-se, uma vez mais, que as pastorais são reações do acolhimento da Palavra celebrada na Liturgia.

 

A Palavra de Deus na vida dos santos e santas

Gostaria de chamar atenção para um fato que merece ser considerado: a finalidade da Liturgia da Palavra é proporcionar o encontro com Jesus Cristo e este encontro irá repercutir em relacionamentos fraternizados. A Palavra tenha força para atingir e converter a vida dos celebrantes. A biografia de santos e santas é pródiga neste sentido. Todos ingressaram no processo da conversão pelo acolhimento da Palavra. Por isso, a vida dos santos e santas são vidas evangelizadas que evangelizam com obras.

 

A vida dos santos e das santas mostra que é possível encontrar o Senhor, viver o Evangelho e transformá-lo em pastorais que cuidam da vida do povo. A Igreja propõe diversos caminhos de santidade: pela caridade, consagração, vida familiar, ou martírio. Em todos esses estilos de vida, o ponto comum é o encontro com Cristo presente na Palavra de Deus, particularmente, presente no Evangelho, e transformado em caridade atuante. Um exemplo apenas: Santa Dulce dos Pobres. Acolheu a Palavra e a transformou em pastoral cuidando dos menos favorecidos socialmente. Esta é uma finalidade da Pastoral da Liturgia: celebrações evangelizadas capazes de enviar celebrantes evangelizadores.

 

Disto nasce outra proposta. A proposta de a Palavra de Deus ser o centro de toda atividade pastoral da Igreja, fomentada pela Liturgia ou pela Pastoral Bíblica tem o escopo de criar, ou recriar, uma cultura baseada no Evangelho. Os santos e santas são exemplos vivos de como viver e promover essa cultura, não apenas por palavras, mas pela espiritualidade do Evangelho vivenciada nas comunidades. Espiritualidade evangelizada que se concretiza em atividades pastorais que evangelizam.

 

Por isso, o conhecimento da vida dos santos e santas é essencial para entender como a Palavra de Deus transformou suas vidas e como eles concretizaram o Evangelho em atividades de caridade fraterna. Já mencionei Santa Dulce dos Pobres, mas podemos lembrar de São João Bosco, São Vicente de Paula, Santa Teresa de Calcutá. Cristãos e cristãs que traduziram a Palavra de Deus, ouvida na Liturgia, meditada na vida pessoal, em atividade pastoral. O que e como os santos e santas fizeram desafia-nos a fazer o mesmo.

Serginho Valle

Agosto de 2024

 

24 de ago. de 2024

A Palavra de Deus na Liturgia

Todas as celebrações litúrgicas, dos Sacramentos e Sacramentais, celebram uma Liturgia da Palavra antes da Liturgia Sacramental, ou, no caso, antes da Liturgia dos Sacramentais. Até mesmo o Sacramento da Penitência, realizada de maneira mais sóbria e breve, inclui a Liturgia da Palavra, nem sempre realizada pelos confessores. Da mesma forma, uma celebração de bênção, em se tratando de Sacramentais, ou a celebração de um funeral, também é precedida por uma Liturgia da Palavra. Esse é um dado importante que destaca a relevância da Palavra de Deus na Liturgia. Um dado para compreender que toda celebração litúrgica é iluminada pela luz da Palavra de Deus.

 A Teologia Litúrgica, quando fala de Palavra de Deus, não se refere aos 73 livros da Bíblia, mas a uma pessoa: Jesus Cristo. Ele é a Palavra de Deus, a Palavra definitiva que o Pai enviou ao mundo (Jo 1,1-7) para que todos os que nele creem tenham vida eterna (Jo 3,15-18). A Liturgia da Palavra, portanto, realizada com linguagem comunicativa de proclamação de textos Bíblicos e com a devida atualização na homilia, é momento de encontro com Jesus Cristo através do acolhimento da Palavra. Sendo atividade de acolhimento, na celebração litúrgica, a Palavra de Deus não é apenas lida; é celebrada em uma Mesa especial (ambão) para evidenciar que é alimento para nutrir a vida dos celebrantes com sabedoria divina.

 O pastoreio pela Palavra

Além de nutrir, a Palavra de Deus celebrada em todas as Liturgias tem uma finalidade condutora. Ela serve para guiar a vida dos celebrantes. Por isso, em cada celebração litúrgica, a Palavra é proclamada para conduzir a vida dos celebrantes. Essa dimensão condutora da Palavra de Deus é uma atividade pastoral. No meu curso de PLP (Pastoral Litúrgica Paroquial), analiso essa função pastoral. Dentre as várias funções da pastoral, uma delas é conduzir. As pastorais, na comunidade paroquial, assumem a atividade própria do pastor de conduzir seu rebanho para alimentá-lo e colocá-lo em segurança (Sl 22). Isso é particularmente evidente na dimensão da Pastoral DA Liturgia, que proclama a Palavra para conduzir e alimentar os celebrantes com a vida divina.

 A pastoral, entendida em sua atividade de alimentar e conduzir, não se configura como atividade administrativa. Pessoalmente, tenho dificuldade em considerar, por exemplo, o dízimo como uma atividade pastoral. Vejo-o mais como uma atividade administrativa, realizada como um serviço que faz parte dos ministérios paroquiais. Considerando que a pastoral tem a função de conduzir e alimentar o povo, A Liturgia, proclamando a Palavra em todas as celebrações, especialmente nas celebrações Eucarísticas, continua o pastoreio divino de guiar o povo a uma terra fértil, como fez Deus durante o êxodo (Ex 12). Deus é o Bom Pastor que conduz e alimenta seu povo pelo deserto (Ex 34,23-24). Esta atividade é continuada pelas pastorais da Igreja, alimentada pela Palavra celebrada e atualizada na Liturgia, no contexto da minha reflexão.

Não é difícil entender que a Liturgia é referência no exercício pastoral de conduzir o povo nas estradas do mundo e nas ruas da sociedade, proclamando, celebrando, refletindo e guiando o povo com a luz da Palavra de Deus. Essa é a dimensão da Pastoral DA Liturgia realizando celebrações evangelizadas e evangelizadoras. Na Pastoral DA Liturgia, cada celebração, ao considerar a vida do povo (do rebanho), torna-se um momento de “pausa restauradora”, onde o povo se alimenta e é conduzido pela Palavra de Deus. Estou fazendo um recorte didático somente com a Palavra de Deus, sem desconsiderar, é claro, a importância da Liturgia Sacramental.

 Finalidade da pastoral na paróquia 

Outra consideração, focando na parábola do Bom Pastor (Jo 10,1-16), é a finalidade da pastoral na comunidade paroquial. Com base nos ensinamentos de Jesus, entendemos que a pastoral não é, em primeiro lugar, um serviço religioso realizado na paróquia com fins sociais. A pastoral é uma atividade evangelizadora, fruto do acolhimento da Palavra, especialmente do Evangelho. Toda pastoral é um modo de evangelizar e, parafraseando Jo 10, serve para conduzir o povo da paróquia e alimentá-lo com a vida divina. Isso é especialmente visível na Pastoral DA Liturgia. A mesma dinâmica, contudo, pode ser observada em todas as pastorais da comunidade. Na Pastoral da Saúde, por exemplo, os ministros (agentes da pastoral) conduzem e alimentam os enfermos com a vida divina através da caridade fraterna. É um modo prático, concreto, de evangelizar transformando o Evangelho em atitude. A Palavra acolhida na Liturgia torna-se atitude fraterna. Isto em todas as pastorais.

 A fonte, na qual todas as pastorais restauram suas forças e de onde são enviadas com novo ardor missionário, encontra-se na Liturgia (SC 10), que alimenta continuamente os celebrantes com a Palavra de Deus e com a vida divina presente em cada celebração sacramental. Esta, repito para concluir, é uma atividade da dimensão Pastoral DA Liturgia.

 Esse é tema principal de dois dos meus cursos: o curso introdutório de formação litúrgica, chamado Pastoral DA Liturgia, e o curso avançado, chamado PLP — Pastoral Litúrgica Paroquial. A Pastoral Litúrgica e a Pastoral DA Liturgia vão muito além de simplesmente auxiliar o padre nas celebrações ou realizar leituras ou cantar nas Missas; elas têm uma profunda dimensão evangelizadora e, por isso, colocam uma responsabilidade que vai bem além de simplesmente fazer as celebrações acontecerem. É a responsabilidade de acolher o envio evangelizador de Jesus Cristo para evangelizar celebrando.

Serginho Valle 
Agosto 2024

 

Links dos CURSOS de PLP e Pastoral DA Liturgia

www.liturgia.pro.br

Mais informações

PLP — https://lp.liturgia.pro.br/plp1

PDL — https://lp.liturgia.pro.br/plp1

17 de ago. de 2024

Pastoral Litúrgica na era digital

Estamos vivendo a era digital que desafia todas as atividades pastorais paroquiais e, logicamente, desafia a dinâmica da Pastoral Litúrgica Paroquial (PLP). Antes de prosseguir, entendamos a diferença entre PLP e Pastoral DA Liturgia; perceba que se existe um “DA” em maiúsculo na última expressão.

Distinções Importantes:

  • Pastoral Litúrgica Paroquial (PLP): Cuida da organização de todas as atividades litúrgicas na paróquia. Tem função organizacional.
  • Pastoral DA Liturgia: Refere-se à evangelização através das celebrações litúrgicas, que se manifesta nas celebrações pela pedagogia litúrgica.

Sobre esses dois temas, estou propondo dois cursos complementares. Quer dizer, você começa com o curso Pastoral DA Liturgia (https://lp.liturgia.pro.br/pastoral-da-liturgia ), que é um curso introdutório, e segue (completa) com o curso de PLP – Pastoral Litúrgica Paroquial (https://lp.liturgia.pro.br/plp1 ).

Minha reflexão inspira-se numa provocação do Santo Padre. Em 2013 (cf. EG 87), Papa Francisco trouxe uma questão relevante, que interpreto com uma interrogação: o que a Igreja, com suas celebrações tranquilas e tradicionais, pode oferecer aos fiéis que, muitas vezes, estão conectados às redes sociais até durante a Missa e para a acompanhar a Missa? Provocação que considera a calma natural da comunicação litúrgica em relação à frenesi que impede a concentração das redes sociais diante da quantidade de informações a processar. Eis o desafio pastoral de nossos dias.

Sobre desafios pastorais dos dias atuais causado pelas redes sociais, vou me deter somente nos desafios relacionados à Pastoral Litúrgica Paroquial e à Pastoral DA Liturgia. Não estou fazendo um tratado sobre o assunto, é evidente, por isso, proponho, apenas, algumas pontuações abertas com a intenção de promover algum debate e outros possíveis questionamentos na Equipe de Liturgia da sua paróquia.

Um desafio diz respeito às transmissões online: Muitas paróquias, pela exigência pastoral imposta na pandemia, começaram a transmitir Missas pela internet, visando atender uma necessidade pastoral. Hoje, no pós-pandemia, é preciso refletir sobre o impacto e a necessidade dessas transmissões em relação ao bem espiritual. Será que elas promovem um bem espiritual ou favorecem a acídia, que resulta em isolamento religioso? Neste caso, a dimensão fontal da Liturgia, como escola da espiritualidade cristã, é prejudicada, uma vez que esta constrói a “ekklesia”, comunidade e não isola. 

Noutro desafio, podemos considerar a mentalidade “assistir à Missa”: A facilidade de acessar Missas online (pode) reforça — ou trazer de volta — a mentalidade de “assistir” passivamente às Missas, em detrimento ao valor de participar presencialmente da celebração. A presença em uma celebração envolve o celebrante e dificulta o grau de assistência. O acompanhamento de Missas nas redes sociais nitidamente contribui para a mentalidade da assistência da Missa. Isto, ao meu ver, é uma regressão pastoral, em termos de Pastoral DA Liturgia.  

Proponho ainda um terceiro desafio, o impacto comunitário: Participar presencialmente de uma celebração é diferente de assistir sozinho, em casa. Depois de tantos anos da Reforma Litúrgica, existe uma consciência já bem fortalecida sobre a importância da participação presencial da Missa em favor da comunhão e participação na comunidade. Este é um tema que desenvolvo no meu curso “Pastoral DA Liturgia”. A presença nas celebrações favorece o engajamento comunitári

o, especialmente em celebrações evangelizadas e evangelizadoras. A troca da participação pela assistência pode não ser benéfica no fortalecimento da pertença comunitária gerando, inclusive, o individualismo religioso.

Conclusão: 

As orientações pastorais da Igreja reconhecem que as transmissões litúrgicas pela mídia e pelas redes sociais contêm um valor pastoral, especialmente para aqueles que não podem estar presentes. No entanto, isso precisa ficar bem claro: a necessidade pastoral para quem está impedido por algum motivo de se fazer presente na celebração. Sobre isso, lembro a atividade pastoral de uma prática milenar da Igreja de levar a Eucaristia aos doentes e outros impossibilitados. Quer dizer, quando a pessoa não pode ir à igreja, a Igreja vai ao encontro do filho ou filha impossibilitados para criar um vínculo de comunidade fraterna entre os celebrantes e os ausentes. Este é um modo que a Igreja conserva até hoje como cuidado pastoral que as redes sociais, dada sua tendência ao isolamento, não conseguem oferecer.

Serginho Valle

Agosto de 2024

10 de ago. de 2024

A Comunicação Litúrgica na era digital

A comunicação é, em sua essência, um processo de relacionamento que visa criar comunhão, participação e comunidade. Embora interações comunicativas possam gerar conflitos ou agressividades, essas não refletem a verdadeira finalidade da comunicação. No seu âmago, a comunicação, enquanto processo comunicativo, acontece como promotora da união e da partilha de vidas entre pessoas. O processo comunicativo tem vocação para unir, não para isolar e, menos ainda, criar polarizações.

Dois ou três elementos teóricos
A palavra "comunicação" tem suas raízes no latim communicatio, derivada do verbo communicare, que significa "partilhar, compartilhar, tornar comum." Esse verbo, por sua vez, deriva de communis, que significa "comum", de onde surge a palavra “comunidade”. Etimologicamente falando, comunicação refere-se ao ato de tornar algo comum, em modo de compartilhamento; é um processo participativo. Pela comunicação os interlocutores tomam parte (participam) de um momento existencial com outras pessoas. Ao comunicar, estamos criando um campo comum de acolhimento, criando pontes e envolvimento. Tudo isso é diferente de informação, que não tem como fim criar algo em comum.

A comunicação humana, em todas as suas formas, depende de meios para se concretizar. O corpo humano, por exemplo, é o primeiro e mais básico desses meios, através do qual partilhamos mensagens, emoções, sentimentos e, essencialmente, experiências existenciais. Outros meios, em nosso momento histórico, incluem canais de mídia (TV, rádio, jornal...), canais de redes sociais com múltiplos meios. Todos estes meios podem ser usados para comunicar — criar comunhão e participação — ou somente para informar.

Importante considerar, ainda mais, que as mensagens são transmitidas através de diversas linguagens: oral, gestual, simbólica, artística, musical e outras mais. Esses diversos modos de expressão, sempre em forma de linguagens, são usados nos meios de comunicação – como rádio, TV, e, predominantemente, nos tempos atuais, pelas redes sociais. A teoria da comunicação alerta que não existe neutralidade nos meios de comunicação. Por isso, as linguagens podem ser manipuladas para o bem ou para o mal.  Atualmente, na qualidade de receptor, isso coloca-nos em insegurança.

Na era digital, a comunicação se caracteriza pela rapidez e pela concisão. A velocidade com que as informações são transmitidas e consumidas criou uma cultura comunicativa onde o texto longo, o famoso "textão," nem sempre é bem visto. Nas redes sociais, as mensagens são costumeiramente curtas e diretas para serem rapidamente compreendidas. Por isso, estão mais para informação que para comunicação. Relacionamentos realizados e mantidos por processos informativos e não comunicativos tendem a serem frios e superficiais. Perde-se a interpessoalidade. Hoje, nas redes sociais colocou-se a necessidade de provar que você não é um robô.

A comunicação litúrgica
Essa dinâmica acelerada e abreviada da comunicação digital contrasta fortemente com o processo da comunicação litúrgica. A Liturgia, em todas as suas manifestações e linguagens comunicativas, é marcada por uma cadência mais tranquila, que se desenvolve sem pressa, com calma e, muitas vezes, em silêncio que, por sua vez, é uma linguagem, hoje, impedida nas redes sociais. Na comunicação litúrgica, o ritmo desacelerado é fundamental para que a mensagem seja assimilada em forma de conta gotas na vida, para permitir e possibilitar que os participantes de uma celebração se conectem de maneira mais profunda com o sagrado. A comunicação com o sagrado não acontece pela via da informação, mas pela via da comunhão e participação; envolve experiência existencial.

Durante uma celebração litúrgica, os celebrantes são acalmados através do processo comunicativo próprio da comunicação litúrgica. Ora se sentam para ouvir, sem pressa ajoelham-se para rezar e adorar, e contemplam o altar ou o ambão de maneira tranquila e reflexiva. Esse comportamento, servindo-se da linguagem corporal apenas, é um reflexo da natureza contemplativa da Liturgia, com a finalidade de tornar o tempo como que “suspenso”. A proposta é conduzir o celebrante a se “esquecer” do tempo para fazer experiência, nas condições permitidas”, do eterno, adentrando-se no espaço do divino, onde a pressa e a velocidade informativa não têm lugar. A comunicação litúrgica é calma.

Essa diferença é significativa quando comparada à comunicação nas redes sociais. Como dizia acima, enquanto o ambiente digital exige rapidez e eficiência na transmissão de mensagens, a comunicação litúrgica valoriza o silêncio, a calma e a reflexão. Não se importa se a mensagem foi compreendida naquele momento; pode ter sido apenas semeada e irá produzir frutos no tempo certo. Não é um processo comunicativo para falar apressadamente, agitar-se em ritmos de canções frenéticas e coisas do gênero, pois a comunicação litúrgica conduz ao encontro profundo com o divino de modo calmo; não é lento, mas num compasso calmo.

A "pausa restauradora," mencionada num dos “orate fratres” da Missa, é um aspecto essencial da Liturgia. Essa "pausa restauradora" permite aos participantes desacelerarem, refletirem e se reconectarem consigo mesmos e com o transcendente através do processo comunicativo da Liturgia. Na era digital, onde a comunicação, na maior parte das vezes, tende ao superficial devido à imediatez da pressa, a Liturgia oferece um contraste valioso, um espaço onde a profundidade, a comunhão e a participação de vidas, humana e divina, são prioritárias.

Outro ponto importante é o papel das diferentes linguagens na comunicação litúrgica. Cada gesto, símbolo, canto e oração na liturgia possui um significado profundo que vai além das palavras; envolve e se sintoniza com a História da Salvação. Nem tudo na comunicação litúrgica pode ser dito com palavras. Por isso, a riqueza simbólica, gestual e silenciosa é um convite à contemplação e à participação ativa, algo que a comunicação digital dificilmente consegue oferecer.

Portanto, ao comparar a comunicação litúrgica com a comunicação na era digital, falando em termos de processos comunicativos, faz percebermos que ambas têm propósitos e ritmos distintos. Enquanto a era digital valoriza a rapidez e a concisão, a comunicação litúrgica convida e conduz a um ritmo mais lento, permitindo-nos mergulhar em um espaço de comunhão profunda com o divino e com a comunidade.

 Concluindo
No ambiente digital, há uma pressão constante para sermos rápidos, concisos, objetivos, superficiais e diretos. No ambiente da comunicação litúrgica, somos convidados a desacelerar, a silenciar e contemplar para nos tornar profundos. Tal contraste não serve para avaliar dois processos comunicativos, mas tem a finalidade de poder ajudar a equilibrar essas duas formas de comunicação na vida cotidiana. A era digital oferece ferramentas valiosas, enquanto que a comunicação litúrgica destaca a importância da calma, da reflexão e da verdadeira comunhão existencial entre vidas para quem se faz celebrante litúrgico. Ao navegarmos nesses dois mares, é interessa reconhecermos o valor de cada um e aprender a apreciar o tempo e o espaço que a comunicação litúrgica nos oferece para nos conectarmos não apenas com a informação rápida das coisas.

Serginho Valle 
Agosto 2024

3 de ago. de 2024

LITURGIA E REDES SOCIAIS

O Dicastério para a Comunicação do Vaticano publicou, no dia 28 de maio de 2023, um documento intitulado "Rumo à presença plena: uma reflexão pastoral sobre a participação nas redes sociais". O texto pode ser encontrado na íntegra no site do Vaticano e da CNBB. O texto que oferece acenos interessantes para quem atua na PLP – Pastoral Litúrgica Paroquial.

Riscos e inversão de prioridades

Na primeira parte, o documento alerta para as ciladas presentes no uso das redes sociais. Sugere que as redes sociais podem roubar alguma preciosidade da vida, se não estivermos atentos, pode causar prejuízos em diferentes aspectos, como espirituais, psicológicos, relacionamento social... No que se refere à Liturgia, tema desta reflexão, um prejuízo é considerar desnecessária a participação presencial nas celebrações, substituindo-a por assistir a Missa ou fazer Adoração ao Santíssimo, por exemplo, diante de uma tela de celular, um computador, um tablet. O risco de considerar a celebração da Penitência em modo virtual, sem a presencialidade.

 

O uso das redes sociais para atividades litúrgicas pode inverter prioridade a prioridade, colocando a presencialidade em segundo plano. Inicialmente, a intenção é transmitir as celebrações por motivos pastorais; com o tempo pode surgir o desejo de ser avaliado, buscar cliques, comentários e aplausos virtuais; é o risco de cair na “métrica da vaidade”. O perigo de usar a Liturgia como meio de promoção pessoal. Vale aqui o propósito de vida de João Batista: "é preciso que ele cresça e eu diminua" (Jo 3,30).

 

O documento "Rumo à presença plena: uma reflexão pastoral sobre a participação nas redes sociais" destaca a importância da presença física nos relacionamentos, que não pode ser substituída pelo contato virtual. A mesma necessidade é prioritária em se tratando da comunicação litúrgica. O corpo não se faz representar em modo virtual. Ele é uma mensagem de quem somos e de como somos. No contexto da comunicação litúrgica, a presença física nas celebrações é fundamental e necessária. As redes sociais têm sua importância pastoral, mas não a ponto de substituir a participação presencial na Liturgia.

 

Comunicação profética

Nosso documento avalia que as redes sociais têm sido utilizadas de maneira polarizada e proselitista, nem sempre com referências à verdade e ao verificável. Há uma predominância de "ouvir dizer". Tornou-se um espaço de fakes: fake news, deep fakes, speak fake, botness, clickbait... um terreno repleto de armadilhas qual areia movediça com potenciais de comunicações duvidosas. Diante de tal contexto, a comunicação litúrgica deve servir como referência e como espaço para o contato com a verdade. Comunicação profética em celebrações evangelizadas, evangelizadoras, comprometidas com a verdade.

 

A comunicação encontra-se no centro da vida humana. As redes sociais, como meios de comunicação, tendem a valorizar mais a informação do que a comunicação. A informação não tem a finalidade de criar vínculo; apenas informa, emite uma mensagem. A comunicação, por sua vez, contribui no processo formador de comunidade. A desinformação cria polaridades. A celebração é constituída com um processo comunicativo. Isto significa que uma fonte de comunhão, uma escola de participação e de partilha de vidas que acontece através do relacionamento silencioso, pela escuta e pela convivência com pessoas concretas, visíveis, audíveis e tocáveis. É a importância de realizar a comunicação litúrgica com a presencialidade nas celebrações litúrgicas. Você não participa da celebração para ser informado sobre Deus ou sobre a religião, mas para fazer comunhão com Deus em modo de assembleia celebrativa e fraterna.

 

A comunicação litúrgica é um processo contínuo de inter-relacionamento com Deus, com os membros da assembleia, com o espaço celebrativo e com o tempo da vida pessoal dedicado a celebrar o Mistério da Salvação divina. A experiência celebrativa contesta a comunicação virtual, que se manifesta em modo isolado e com tendência a ser isoladora. É a comunicação profética denunciando o isolamento através da prática celebrativa e propondo a pertença na comunidade eclesial.

 

Cultura do Encontro

Este tema da pertença na comunidade eclesial encontra-se na proposta de Papa Francisco, realizada na Encíclica “Fratelli Tutti” (2022), conclamando a Igreja e o mundo a favorecer e incentivar a “cultura do encontro”, convidando a criar situações e condições favoráveis ao encontro em vista da amizade social. Não o isolamento que pode ser provocado pelas redes sociais, mas a convivência capaz de evitar os diversos naipes de polarizações que acontecem na sociedade.

 

Ao contrário de fomentar a polarização, a comunicação litúrgica, em modo profético, conduz os celebrantes a valorizar a comunhão fraterna através da amizade social. Isto acontece com celebrações evangelizadas promotoras da cultura do encontro, da concórdia, sugerindo reações fraternas ajudando os celebrantes a se tornarem profetas da paz e construtores da reconciliação. O que as redes sociais fragilizam de muitos modos, especialmente quando potencializam as polarizações, a comunicação litúrgica ilumina a realidade com a luz do Evangelho.

 

Concluindo
O documento "Rumo à presença plena: uma reflexão pastoral sobre a participação nas redes sociais" destaca a importância da presencialidade nas celebrações, como é próprio da comunicação litúrgica. A inversão da participação presencial por interações virtuais, compromete a experiência celebrativa litúrgica. A comunicação litúrgica é um espaço de verdade e comunhão, que se manifesta em modo de comunicação profética e promotora da cultura do encontro. É uma comunicação, a litúrgica, que continuamente propõe a necessidade da convivência e da pertença comunitária eclesial, inspirando, educando e conduzindo os celebrantes a serem promotores da amizade social como profetas da paz e da reconciliação.

Serginho Valle  

Agosto de 2024

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