10 de ago. de 2024

A Comunicação Litúrgica na era digital

A comunicação é, em sua essência, um processo de relacionamento que visa criar comunhão, participação e comunidade. Embora interações comunicativas possam gerar conflitos ou agressividades, essas não refletem a verdadeira finalidade da comunicação. No seu âmago, a comunicação, enquanto processo comunicativo, acontece como promotora da união e da partilha de vidas entre pessoas. O processo comunicativo tem vocação para unir, não para isolar e, menos ainda, criar polarizações.

Dois ou três elementos teóricos
A palavra "comunicação" tem suas raízes no latim communicatio, derivada do verbo communicare, que significa "partilhar, compartilhar, tornar comum." Esse verbo, por sua vez, deriva de communis, que significa "comum", de onde surge a palavra “comunidade”. Etimologicamente falando, comunicação refere-se ao ato de tornar algo comum, em modo de compartilhamento; é um processo participativo. Pela comunicação os interlocutores tomam parte (participam) de um momento existencial com outras pessoas. Ao comunicar, estamos criando um campo comum de acolhimento, criando pontes e envolvimento. Tudo isso é diferente de informação, que não tem como fim criar algo em comum.

A comunicação humana, em todas as suas formas, depende de meios para se concretizar. O corpo humano, por exemplo, é o primeiro e mais básico desses meios, através do qual partilhamos mensagens, emoções, sentimentos e, essencialmente, experiências existenciais. Outros meios, em nosso momento histórico, incluem canais de mídia (TV, rádio, jornal...), canais de redes sociais com múltiplos meios. Todos estes meios podem ser usados para comunicar — criar comunhão e participação — ou somente para informar.

Importante considerar, ainda mais, que as mensagens são transmitidas através de diversas linguagens: oral, gestual, simbólica, artística, musical e outras mais. Esses diversos modos de expressão, sempre em forma de linguagens, são usados nos meios de comunicação – como rádio, TV, e, predominantemente, nos tempos atuais, pelas redes sociais. A teoria da comunicação alerta que não existe neutralidade nos meios de comunicação. Por isso, as linguagens podem ser manipuladas para o bem ou para o mal.  Atualmente, na qualidade de receptor, isso coloca-nos em insegurança.

Na era digital, a comunicação se caracteriza pela rapidez e pela concisão. A velocidade com que as informações são transmitidas e consumidas criou uma cultura comunicativa onde o texto longo, o famoso "textão," nem sempre é bem visto. Nas redes sociais, as mensagens são costumeiramente curtas e diretas para serem rapidamente compreendidas. Por isso, estão mais para informação que para comunicação. Relacionamentos realizados e mantidos por processos informativos e não comunicativos tendem a serem frios e superficiais. Perde-se a interpessoalidade. Hoje, nas redes sociais colocou-se a necessidade de provar que você não é um robô.

A comunicação litúrgica
Essa dinâmica acelerada e abreviada da comunicação digital contrasta fortemente com o processo da comunicação litúrgica. A Liturgia, em todas as suas manifestações e linguagens comunicativas, é marcada por uma cadência mais tranquila, que se desenvolve sem pressa, com calma e, muitas vezes, em silêncio que, por sua vez, é uma linguagem, hoje, impedida nas redes sociais. Na comunicação litúrgica, o ritmo desacelerado é fundamental para que a mensagem seja assimilada em forma de conta gotas na vida, para permitir e possibilitar que os participantes de uma celebração se conectem de maneira mais profunda com o sagrado. A comunicação com o sagrado não acontece pela via da informação, mas pela via da comunhão e participação; envolve experiência existencial.

Durante uma celebração litúrgica, os celebrantes são acalmados através do processo comunicativo próprio da comunicação litúrgica. Ora se sentam para ouvir, sem pressa ajoelham-se para rezar e adorar, e contemplam o altar ou o ambão de maneira tranquila e reflexiva. Esse comportamento, servindo-se da linguagem corporal apenas, é um reflexo da natureza contemplativa da Liturgia, com a finalidade de tornar o tempo como que “suspenso”. A proposta é conduzir o celebrante a se “esquecer” do tempo para fazer experiência, nas condições permitidas”, do eterno, adentrando-se no espaço do divino, onde a pressa e a velocidade informativa não têm lugar. A comunicação litúrgica é calma.

Essa diferença é significativa quando comparada à comunicação nas redes sociais. Como dizia acima, enquanto o ambiente digital exige rapidez e eficiência na transmissão de mensagens, a comunicação litúrgica valoriza o silêncio, a calma e a reflexão. Não se importa se a mensagem foi compreendida naquele momento; pode ter sido apenas semeada e irá produzir frutos no tempo certo. Não é um processo comunicativo para falar apressadamente, agitar-se em ritmos de canções frenéticas e coisas do gênero, pois a comunicação litúrgica conduz ao encontro profundo com o divino de modo calmo; não é lento, mas num compasso calmo.

A "pausa restauradora," mencionada num dos “orate fratres” da Missa, é um aspecto essencial da Liturgia. Essa "pausa restauradora" permite aos participantes desacelerarem, refletirem e se reconectarem consigo mesmos e com o transcendente através do processo comunicativo da Liturgia. Na era digital, onde a comunicação, na maior parte das vezes, tende ao superficial devido à imediatez da pressa, a Liturgia oferece um contraste valioso, um espaço onde a profundidade, a comunhão e a participação de vidas, humana e divina, são prioritárias.

Outro ponto importante é o papel das diferentes linguagens na comunicação litúrgica. Cada gesto, símbolo, canto e oração na liturgia possui um significado profundo que vai além das palavras; envolve e se sintoniza com a História da Salvação. Nem tudo na comunicação litúrgica pode ser dito com palavras. Por isso, a riqueza simbólica, gestual e silenciosa é um convite à contemplação e à participação ativa, algo que a comunicação digital dificilmente consegue oferecer.

Portanto, ao comparar a comunicação litúrgica com a comunicação na era digital, falando em termos de processos comunicativos, faz percebermos que ambas têm propósitos e ritmos distintos. Enquanto a era digital valoriza a rapidez e a concisão, a comunicação litúrgica convida e conduz a um ritmo mais lento, permitindo-nos mergulhar em um espaço de comunhão profunda com o divino e com a comunidade.

 Concluindo
No ambiente digital, há uma pressão constante para sermos rápidos, concisos, objetivos, superficiais e diretos. No ambiente da comunicação litúrgica, somos convidados a desacelerar, a silenciar e contemplar para nos tornar profundos. Tal contraste não serve para avaliar dois processos comunicativos, mas tem a finalidade de poder ajudar a equilibrar essas duas formas de comunicação na vida cotidiana. A era digital oferece ferramentas valiosas, enquanto que a comunicação litúrgica destaca a importância da calma, da reflexão e da verdadeira comunhão existencial entre vidas para quem se faz celebrante litúrgico. Ao navegarmos nesses dois mares, é interessa reconhecermos o valor de cada um e aprender a apreciar o tempo e o espaço que a comunicação litúrgica nos oferece para nos conectarmos não apenas com a informação rápida das coisas.

Serginho Valle 
Agosto 2024

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