Concluído o ato penitencial ou o Kyrie, a assembléia canta o hino do
“Gloria in excelsis Deo”, um hino de glorificação a Deus, podendo ser cantado
ou recitado. A Teologia Litúrgica não equipara o Gloria a canções laudativas,
mas trata-o como um rito e, como rito doxológico. Alguns autores caracterizam o
Glória como a “doxologia maior” da Missa.
A doxologia (glorificadora) do Glória é um
poema que exalta a "doxa" divina. Os dicionários definem esta palavra,
de origem grega, em dois aspectos. Na Filosofia grega, “doxa” tinha o sentido
de “opinião comum” ou “senso comum”. Quer dizer, todos estão de acordo com uma
determinada atitude ou opinião, que era a certa, a correta. Disto vem a palavra
“ortodoxo”, aquele que vive na retidão, na doutrina certa. Já no conceito
Bíblico, a “doxa” faz referência ao poder divino que se manifesta em sua
glória. Aos seres humanos cabe o reconhecimento da glória divina com louvores,
glorificações e adoração. O termo “doxa”, em conceitos teológicos, define a
glória divina e, em termos da Teologia Litúrgica relata um rito glorificador a
Deus. Na Missa, este rito é feito com canto do “Gloria in excelsis Deo”,
conhecida também como “doxologia maior”, diferente do que acontece na Liturgia
das Horas, que se serve de uma “doxologia menor”, nos finais dos salmos, pela recitação
do “Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo”.
Sempre em consideração ao processo
comunicativo, foco dos meus artigos, traço algumas considerações.
Proclamação solene da glória divina
Quando a Liturgia canta o “Glória in
excelsis Deo” — “Glória a Deus nas alturas” — está proclamando solenemente a glória
divina, não como um atributo divino entre outros, mas como manifestação
glorificante e glorificadora ao ingressar no “espaço” da celebração Eucarística,
o local onde a glória divina se manifesta sacramentalmente. Lembro que o canto
do Glória situa-se nos ritos iniciais da Missa, os quais tem a função de
introduzir os celebrantes no memorial do Mistério Pascal de Jesus Cristo, onde
reside a glória divina, na terra, tão bem descrito no prólogo de João (Jo 1) e por Paulo, escrevendo aos Colossenses: “pois nele habita corporalmente toda a
plenitude divina” (Cl 2,9). Habita toda a glória divina.
Uma vez que os ritos iniciais conduzem os
celebrantes a participar da glória divina e o colocam diante da glória divina,
presente na celebração Eucarística, o processo comunicativo do rito do Glória
qualifica-se pela solenidade, pela adoração e pelo respeito profundo, expressos
por uma arte musical artisticamente refinada, como demonstra a história da
música sacra, nas composições para o “Glória in excelsis Deo”. Não se trata de
considerar simplesmente a “glória de Deus brilhando na natureza”, mas de cantar
a glória divina que se manifesta na vida plena trazida por Jesus Cristo, da
qual os homens de boa vontade acolhem em suas vidas como dom da paz. Esta
grande glória divina, manifestada na criação, na libertação do povo, na voz dos
profetas... agora é manifestada plenamente e, no dizer de Paulo, corporalmente,
na pessoa de Jesus Cristo, o Cordeiro de Deus que tira o pecado, o intercessor
nosso que está à direita do Pai, o alimento da vida plena, com o qual somos
alimentados na Eucaristia. Ele é o Ungido com o Espírito Santo, de onde ser
glorificado com o nome de “Christós”. Ora, de tudo isso os celebrantes tomam
parte e comungam na Liturgia Eucarística, motivo pelo qual se colocam diante de
Deus com seu canto de glorificação desde o início da celebração.
E, na Quaresma e no Advento, quando o
Glória não é cantado? A mesma glorificação solene continua sendo feita, mas
desta vez pelo canto do Kyrie, quando se glorifica o “Senhorio de Jesus Cristo”,
proclamando-o “kyrios Theós” e “Christós Theós” — o Senhor Deus e o Ungido de
Deus — , de quem invocamos a piedade divina.
O conteúdo do Glória
Uma análise simples do conteúdo poético do
Glória é suficiente para demonstrar que algumas canções de louvação trinitária
não cumprem a proposta ritual feita pela Liturgia, seja do ponto de vista
teológico como ritual. Outra consideração inicial é lembrar que o Glória é um
hino de antiquíssima tradição que se mantém inalterado em sua poesia. Por isso,
repetindo, a Igreja pede que não seja substituído por uma canção de louvor
qualquer. No canto do Glória, a Igreja continua glorificando a Deus, como no
decorrer de todos os seus séculos de história. Embora o Glória não tenha origem
na Igreja primitiva, expressa uma comunhão com as origens da Igreja, cantando
sempre o mesmo hino glorificador ao Pai. Vale lembrar que a Igreja tem aprovado
algumas versões poéticas que mantêm o conteúdo glorificante. Mas, tais versões precisam
da aprovação da Igreja. Cantar canções laudativas não substituem o rito do
Glória.
Ainda sobre o conteúdo poético do Glória, muitos
autores não aceitam a tese de que o Gloria seja um hino dedicado à Trindade, mas
um hino dirigido ao Pai, que faz memória da ação salvadora de Jesus Cristo, o
qual age em sua missão redentora guiado pela Espírito Santo. Mas, os mesmos
argumentos podem servir para demonstrar que a glorificação divina acontece pelo
agir do Pai, do Filho e do Espírito Santo; uma ação trinitária, no meu
entender.
A comunicação glorificadora
Dito isto, podemos concluir (mas de modo
provisório) que o processo comunicativo do rito do Glória situa-se nos ritos
iniciais e, enquanto tal, tem a finalidade de introduzir os celebrantes no
contexto celebrativo da Eucaristia, glorificando a Deus. Sendo introdutório do
contexto celebrativo — isto é, iniciando a ação celebrativa — pondero que
melodias com ritmos agitados correm o risco de expor os celebrantes à dispersão
em vez de prepará-los para calmamente ouvirem a Palavra de Deus, proclamada
logo em seguida, a qual é também local onde se manifesta a glória divina.
Do ponto de vista poético, leve-se em
consideração que se trata de um hino alegre, festivo e vibrante.
Características que não se confundem com exageros que podem desconcentrar os
celebrantes, agitando-os e despreparando-os para ouvir a Palavra. É um rito que
conta com a participação de todos os celebrantes cantando e não apenas ouvindo.
Serginho
Valle
2016
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