Em
todos esses anos dedicados ao trabalho pastoral da Liturgia nas comunidades,
tenho ouvido, lido e debatido sobre o papel da Paróquia em nossos dias.
Argumentos de que a Paróquia foi uma proposta pastoral para um tempo que já vai
distante e não se adéqua mais aos nossos tempos, especialmente para os meios
urbanos, é uma das tônicas quando se trata de propostas alternativas à
Paróquia. Um bom número de pastoralistas, para citar um exemplo, defende a
Paróquia como rede de comunidades; um jeito de avaliar a necessidade da
Paróquia e a dinâmica da mesma nas ruas e nos bairros do território paroquial.
É um debate bonito. O que percebo, contudo, é a permanência da Paróquia, o
reconhecimento de sua utilidade pastoral e sua referência comunitária para cristãos
e para a sociedade em geral.
Pessoalmente, penso que não existe
lugar melhor para perceber a vida cristã, no concreto do cotidiano, que na
comunidade paroquial. É na comunidade paroquial que aparecem os desafios, as
conquistas, os cansaços do cotidiano, na qual o cuidado pastoral — através das
diferentes pastorais — toca a vida pessoal dos membros da comunidade.
Papel
importantíssimo, neste campo, compete à Pastoral Litúrgica, convidada a agir
como semeadora do Mistério Pascal de Jesus Cristo nos canteiros da vida pessoal
e social da Paróquia. É na Paróquia que se pode ter contato direto com a vida
das pessoas, onde é possível “dosar” e, cotidianamente ou semanalmente, semear
gradativamente o Evangelho para favorecer a espiritualidade do discipulado. Entendo
que a Liturgia não é o único caminho e o único espaço para tal fim, como diz a
SC 9; os caminhos e as modalidades são muitos. E aqui entra o tino
administrativo pastoral do padre e daqueles que administram a dinâmica pastoral
da comunidade. Mesmo não sendo o único meio de favorecer a espiritualidade na
vida dos paroquianos, a Liturgia tem papel de protagonista neste campo.
Ao
meu ver, entendo que a Liturgia, ao lado da Catequese, ocupa um lugar
privilegiado para favorecer a acessibilidade dos paroquianos ao Evangelho. Para
isso, as celebrações de todos os Sacramentos, mas da Eucaristia em particular,
não pode reduzir-se a simples “apresentação ritual”, com linguagens inadequadas
à celebração litúrgica, como aquela de shows populares, por exemplo, para
atrair celebrantes. Assembléia litúrgica não é platéia. Dentre as finalidades
propostas pela Igreja para a Pastoral Litúrgica, uma delas é a evangelização e
o cultivo da vida espiritual. A Paróquia, neste contexto, é considerada uma
sementeira onde se semeia o Evangelho para o crescimento espiritual dos
paroquianos.
A Liturgia exerce protagonismo como
semeadora porque tem a oportunidade de atingir diária, ou ao menos
semanalmente, não somente aqueles que “participam” de modo mais intenso da vida
paroquial em alguma pastoral, por exemplo. Estes já bebem de muitas fontes,
como cursos, retiros, dias de formação... Refiro-me ao fato que grande número de
pessoas — senão a maioria — tem na Liturgia sua única fonte de espiritualidade.
Disto, a importância de uma Pastoral Litúrgica Paroquial atenta a um projeto
fomentador da espiritualidade em vista do discipulado. A carência de lideranças
que existe em muitas comunidades deve-se à falta de um projeto evangelizador
que fomente a espiritualidade do discipulado.
A vida paroquial, com seus desafios,
não é (não pode ou não deveria) uma ilha na vida diária dos paroquianos. É na
vida paroquial que o padre e os agentes pastorais lidam com a pobreza, com a
riqueza, com os jovens, com os doentes, com as crianças, com famílias ajustadas
e desajustadas... lidam, numa palavra, com a vida cotidiana das pessoas. A
Paróquia, na sua dinâmica, não pode distanciar-se da sociedade e buscar o crescimento
espiritual em isolamentos sociais. Isto é contraditório à dinâmica missionária
da Encarnação de Jesus. A vocação da Paróquia consiste em viver concretamente,
tocando com a mão, a vida das pessoas para “fazê-los discípulos e discípulas do
Evangelho” (Mt 28,19-10). Como na Encarnação de Jesus, a vida e a atividade da
Paróquia tocam a vida humana naquilo que a vida é e como ela é no dia a dia dos
membros da comunidade paroquial.
Disto, a inspiração, para que a
Pastoral Litúrgica não seja uma pastoral criativa, no sentido de “inventar moda”
e fazer “Missa bonita” para atrair pessoas e encher a igreja. Celebrar bem e
bonito é necessário e imprescindível, como é importante que os celebrantes
sintam-se bem na celebração. Mas, seja uma Pastoral que conheça profundamente a
vida dos paroquianos para iluminá-la com a luz do Evangelho, com a força e a
espiritualidade de que cada celebração sacramental. É assim que Liturgia e vida
do povo se misturam uma iluminando a outra, condição indispensável para o
cultivo de uma espiritualidade encarnada, capaz de tocar a vida cotidiana das
pessoas.
Serginho Valle
Janeiro de 2018
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