Em
outros artigos sobre a função da Pastoral Litúrgica Paroquial, do ponto de
vista da formação e do cultivo da vida espiritual da comunidade, destacava que
a celebração litúrgica é uma das poucas ou a única fonte espiritual da maior
parte dos paroquianos. Vou continuar neste viés a partir de um conhecido jargão
veiculado em cursos, encontros e debates sobre a Liturgia Paroquial: celebrar a
vida do povo.
Dois
polos no celebrar a vida do povo
O termo “celebrar a vida do povo” é
um tema genérico e, por isso, aberto, do qual destaco dois polos. De um lado, aqueles
o entendimento que celebrar a vida do povo é priorizar o que se denomina como
“lutas do povo” e transformam a celebração em denuncias e queixas. Do outro lado,
aqueles que entendem que celebrar a vida do povo é momento purgativo dos males
físicos e emocionais, e transformam a celebração em exorcismos ou em intercessões
de curas e milagres.
Ambos os polos têm espaço nas
celebrações litúrgicas, de acordo com a proposta pedagógica do Ano Litúrgico.
As normas Litúrgicas, excetuando Domingos e os tempos fortes, permitem,
inclusive, a escolha de leituras que favoreçam um polo ou outro. O problema é a
manipulação nas escolhas e seu uso para comprovar o que pensa o pregador. Neste
sentido, a sabedoria e a experiência da Igreja, em seus dois milênios de
história, é exemplar e pode inspirar-se, neste caso, a partir da sabedoria do
Eclesiastes: “há um tempo para cada coisa” (Ecl 3,1-8).
O
Ano Litúrgico propõe à vida do povo um tempo para esperar (Advento), um tempo
para renascer (Natal e Páscoa), um tempo para penitenciar-se e reconciliar-se
(Quaresma), um tempo para celebrar a vida plena (Tempo Pascal) um tempo para o
discipulado (Tempo Comum). A insistência em tematizar celebrações cria
desequilíbrios celebrativos, como por exemplo, 1h de homilia (em estilo de
sermão, na maior parte das vezes) e rapidez exagerada em outras partes da
celebração, ou, outro exemplo, atos penitenciais infindáveis e cansativos e pouco
tempo para a ação de graças e o louvor.
A
arte celebrativa consiste em harmonizar os diferentes momentos da celebração,
seja no conteúdo, seja no tempo dedicado aos ritos. Não uma celebração que se
pareça a um comício e nem uma celebração envolvida em espiritualismo
sentimental. Os dois polos, aquele que reflete a fadiga do cotidiano, e aquele
que reflete a sede de Deus, precisam estar presentes de modo harmonizado,
refletindo a vida do povo.
Dois
significados para o celebrar a vida do povo
Existem dois significados básicos na
celebração da vida do povo. O primeiro relaciona-se à vida eterna. O que é vida
eterna? É a vida divina oferecida como alimento e como bebida ao povo. Por vida
eterna não se entende a vida depois da morte — embora assim também seja — mas a
qualidade de vida oferecida por Deus ao discípulo e discípula de Jesus. É o que
diz Jesus: “quem crê em mim não morrerá, viverá para sempre” (Jo 11,25). É a
vida eterna que celebramos em todas as celebrações Litúrgicas, é a celebração
da vida plena, recebida no Batismo, alimentada na Eucaristia e nos demais
sacramentos. Quanto mais se celebra a vida plena em nossas celebrações, mais as
sementes do Evangelho tomarão conta da vida de cada celebrante e contaminará o
cotidiano da vida do povo com a vida plena. Este é um grande desafio de quem
preside as Liturgias com o povo e um grande desafio da Pastoral Litúrgica:
criar celebrações que celebrem a vida eterna para que a vida do povo seja plena.
Ou seja, celebrar a vida do povo não é colocar uma lente de aumento nos problemas
sociais ou nos pecados, mas acender a luz do Evangelho na vida do povo, para
que a vida do povo seja vivenciada de modo pleno, apesar dos problemas sociais
e dos pecados pessoais e sociais.
O segundo significado de celebrar a
vida do povo é levar o cotidiano da comunidade para dentro da Liturgia. Para
isso, o padre e a Equipe Litúrgica precisam interceder com a mesma súplica da
Oração Eucarística VI – D: “dai-nos olhos para ver as necessidades e os
sofrimentos dos nossos irmãos e irmãs; inspirai-nos palavras e ações para
confortar os desanimados e os oprimidos; fazei que a exemplo de Cristo, e
seguindo o seu mandamento, nos empenhemos lealmente no serviço a eles”.
A celebração Eucarística celebra a
vida do povo quando se tem olhos para ver a realidade do povo com o mesmo olhar
de Jesus Cristo. A Igreja, na Oração Eucarística VI – D, menciona o serviço, localizando
a Eucaristia no contexto do lava-pés (Jo 13,5-14). Isto favorece a compreensão
que celebrar a vida do povo é abrir os olhos para ver a realidade com o mesmo
olhar de Jesus, condição necessária para se entrar na dinâmica do serviço com
palavras e atitudes em favor da vida plena para o povo.
A
celebração Litúrgica jamais deverá incitar raivas, ilusões utópicas ou promessas
de curas milagrosas; a celebração é um momento que se sai do barulho e das
mazelas do mundo para ajudar o povo a sentir o carinho de Deus e aprender de
Jesus a ter um coração semelhante ao dele para lidar com a dureza da vida do
povo.
Como
celebrar a vida do povo
O desafio do padre, ao presidir a
Liturgia, e o desafio das Equipes de Celebrações, especialmente na Eucaristia,
consiste em iluminar a vida do povo, em tocar a vida do povo, em criar esperanças
e propor caminhos para a vida do povo a partir da Palavra e, mais precisamente,
a partir do Evangelho. Condição indispensável para fazer isso é o conhecimento
da vida do povo.
Uma Pastoral Litúrgica — e igualmente
o padre — que não tem o olhar de Jesus para ver as necessidades do povo, que
não conhece as necessidades do povo, inevitavelmente vai se preocupar mais em
“apresentar a Missa” com canções, ritos e coreografias, por exemplo, que
celebrar a vida do povo acendendo nesta vida a luz do Evangelho.
Concluindo
Para concluir, gostaria de dizer que
estou falando de um objetivo da Pastoral Litúrgica: alimentar a vida de cada
celebrante e a vida da comunidade, acendendo a luz do Evangelho para se ter
olhos para ver com o olhar de Jesus a realidade da vida e a disposição ao
serviço. Com isto se entende que a celebração litúrgica é um momento que separa
os celebrantes da vida diária para, depois, devolvê-lo para a mesma vida
diária, mas com um olhar diferente e com a disposição de se colocar a serviço da
vida plena.
Por isso, não estou excluindo e nem
me colocando contra introduzir símbolos, bater palmas, fazer gestos... mas que
tudo isso tem uma finalidade específica: trazer a vida do povo para dentro da
celebração e sempre propor e repropor, de modo novo, com a criatividade
litúrgica, o olhar e as atitudes de Jesus em favor da vida do povo.
Serginho Valle
Fevereiro de 2018
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