Considerando
a Quaresma como promotora de encontros, no contexto do “Ano B”, vou considerar
três aspectos da conversão quaresmal a partir do encontro com o culto. Em
outras reflexões, considerei o encontro consigo mesmo (1DQ-B), o encontro com
Deus (2DQ-B) e, agora, o encontro com o culto, na fonte inspiradora no 3º
Domingo da Quaresma – B.
Por culto, nesta reflexão, entendo um
modo de entrar em contato com Deus, seja em privado, feito pessoalmente a Deus,
ou comunitariamente, também denominado culto público, realizado nas
celebrações.
A Bíblia oferece muitas indicações
quanto ao modo de cultuar Deus, mas duas delas servirão para compreender o
significado profundo e sincero do culto, de onde se origina o apelo à conversão.
Uma delas está no início da profecia de Isaias (Is 1,11-18). Pela boca do
profeta, Deus se mostra enojado dos sacrifícios oferecidos por serem vazios,
sem o suporte da vida. A profecia de Isaias retrata o culto mentiroso, feito de
ritos e de exterioridades; um culto que não vem do coração e nem chega ao
coração de quem o oferece a Deus. Este é um culto detestável a Deus.
Outro texto que inspira minha
reflexão encontra-se na carta aos Hebreus 10,5-14. É um texto básico, digamos
assim, para compreender a Teologia do culto cristão. O autor da carta aos
Hebreus anuncia que os cultos antigos, com sacrifícios (oferendas) de animais
não mais existem; o culto verdadeiro acontece em Jesus Cristo, no sacrifício da
vida de Jesus Cristo, para ser mais preciso. É a partir desta Teologia que se
entende a espiritualidade do culto, que se avalia a sinceridade ou a
superficialidade de um culto.
Adoração
cultual e estilo de vida
A principal característica do culto
é a adoração a Deus. Cultuamos Deus para adorá-lo. No culto de adoração a Deus,
o silêncio é uma necessidade (Hab 2,20), as nossas orações de súplicas (muitas
vezes inocentes), nossas preces de agradecimento e de louvor são culto de
adoração a Deus. Nossas celebrações têm a finalidade principal de adorar a
Deus; disto o questionamento daquelas celebrações preocupadas em agradar os
celebrantes pelo entretenimento emocional ou simplesmente visual.
É neste contexto que o 3DQ-B convida
a converter-se a um culto verdadeiro, que seja de adoração a Deus, excluindo
toda e qualquer forma de adoração a ídolos, porque não existe outro deus além
de Deus. É com este convite que a 1ª leitura do 3DA-B (Ex 20,1-17) conduz a
comunidade e cada celebrante a avaliar o seu modo de cultuar a Deus a partir
dos 10 Mandamentos. No contexto do 3DQ-B, entende-se que o culto verdadeiro só
existe no coração de quem ilumina seu modo de viver nos Mandamentos divinos.
Não existe culto de adoração a Deus sem o aval do comportamento pessoal e
relacional com o outro, como referido na profecia de Isaías (Is 1,11-18).
O
apelo à conversão quaresmal, portanto, para se adorar sinceramente a Deus,
corresponde a viver de acordo com os Mandamentos divinos.
Culto
e testemunho de vida
Na Carta aos Hebreus, citada acima
(Hb 10,5-14), o convite para cultuar a Deus é refletido numa expressão
belíssima: “ecce venio!”. “Eis que venho para fazer a tua vontade”. Antes
disso, o autor da Carta aos Hebreus coloca na boca de Jesus um reconhecimento:
“não quisestes nem sacrifícios e nem oblações, então eu disse: “ecce venio”
para fazer a tua vontade”. É claramente compreensível a mudança de uma forma de
culto para outra forma de cultuar a Deus: não mais com sacrifícios da vida de
animais, mas com o sacrifício da própria vida, fazendo a vontade de Deus no
cotidiano da vida.
É bom esclarecer que a palavra
sacrifício, no contexto Litúrgico, não tem a conotação do senso comum,
relacionada a sofrimento, a dolorismos ou renúncias de esforço extremo. O termo
etimológico — sacrum+facere — significa “tornar sagrado”; tornar a vida um
sacrifício é santificar a vida fazendo a vontade de Deus. Sacrifício é sinônimo
de oferenda, como se reza na Missa, após a preparação das ofertas: “orai,
irmãos e irmãs, para que o nosso sacrifício seja aceito por Deus Pai
todo-poderoso”. O sacrifício da assembléia celebrante é o pão o vinho,
sacramento da vida humana, que se transformará, pela ação do Espírito Santo, em
sacramento da vida divina. Por isso, transformar a vida em sacrifício não
significa optar por um modo de viver com dores e sofrimentos, mas em fazer da
vida uma oferta agradável a Deus para tornar-se santo como Deus é Santo (1Pd
1,16).
Um modo de transformar a vida em
sacrifício, em oferenda a Deus, diz a 2ª leitura (1Cor 1,22-25) do 3DQ-B é
testemunhar o Evangelho com o modo de viver. O verdadeiro culto, na reflexão de
Paulo, não se preocupa com milagres (como se vê em algumas modalidades de
Missa, que celebram para atrair milagres de curas), nem em propor uma ideologia
social (como se vê em algumas modalidades de Missas com cores partidárias). O
convite de Paulo propõe a fidelidade ao testemunho pelo discipulado de Jesus
Cristo crucificado, prestando pelo modo de viver culto a Deus.
Destruir
o culto interesseiro
Por fim, a terceira proposta de
encontrar-se com o modo de como cultuamos a Deus tem a ver com cultos
interesseiros, como proposto no Evangelho do 3DQ-B (Jo 2,13-25). Jesus pede
para destruir “este” templo, porque ele irá construir um novo Templo. O pronome
“este” faz referência a um estilo de templo construído para o lucro e não para
prestar culto de adoração a Deus.
É um tema muito pertinente e agudo,
que nem sempre gostamos de tocar, mas que é essencial no apelo da conversão
quaresmal. Para que o culto seja verdadeiro, Jesus expulsa os mercadores do
templo, aquelas pessoas que transformaram o templo num “covil de ladrões”.
Gente que se serve da pobreza humana, seja material como a causada pelo
desespero, para lucrar e “vender graças”, contradizendo o contexto gratuito
próprio da graça. Aqui temos o pecado do culto das igrejas comerciais, que
descaradamente vendem milagres e prometem riquezas em nome de Deus.
Infelizmente, é preciso reconhecer que também entre nós existem aqueles que
desvirtuam a finalidade do templo e o transformam numa supermercado de milagres
e serviços religiosos. O apelo é forte em vista da conversão a um culto
sincero, feito na gratuidade.
O
templo é um espaço gratuito, um espaço da gratuidade divina, onde os
celebrantes celebram seu culto de adoração a Deus na gratuidade divina,
convertendo suas vidas à gratuidade. Nisto consiste a conversão ao amor, a
recusa ao egoísmo e à avareza, de querer levar vantagem em tudo, até mesmo
naquilo que pertence a Deus. Em termos radicais, o culto é gratuito, não local
para pedir dinheiro nem que for para o dízimo. Todo interesse de lucro, no uso
do templo, o transforma num covil de ladrões, como diz Jesus.
A
conversão ao culto é extremamente necessária para se experimentar a gratuidade
divina e se converter a viver relacionando-se gratuitamente com todos.
Serginho Valle
Março de 2018
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