27 de jun. de 2020

“Sabaoth”: Deus dos exércitos!


Quem se dedica à análise da eucologia — não “ecologia — depara-se com um atributo divino, especialmente em hinos litúrgicos, que pode causar confusão. O atributo divino “sabaoth”. Existe uma diferença entre “Sabaoth” e sábado.
Sobre o sábado, diz o dicionário virtual do Google: “No judaísmo o sábado (שַׁבָּת, pronunciado "Shabat") significa "descanso," "cessação, "repouso" ou "interrupção" é o sétimo dia da semana dedicado à oração e ao descanso, pois segundo a tradição hebraica Deus descansou no sétimo dia após completar a criação do universo (Gn 2,1-3). Isto quanto ao “sábado”.
O termo ao qual fazemos referência é “SABAOTH”, presente em dois conhecidos hinos litúrgicos: no Trisagion, cantado em todas as Orações Eucarísticas, e o Hino Litúrgico “Te Deum”. O texto do Trisagion canta “Deus três vezes Santo”, — “Santo, Santo, Santo” — para dizer que Deus é a santidade infinita e unicamente santa. A presença de “sabaoth” está em latim:

Sanctus, Sanctus, Sanctus Dominus Deus Sabaoth.
Pleni sut caeli et terra gloria tua (...).

O outro hino, também em latim, o “Te Deum”, canta e como que explica o sentido de “Deus Sabaoth”. Primeiro um verso em latim, depois a tradução livre, feita por mim.

tibi omnes angeli, tibi cæli et universæ potestates,
tibi cherubim et seraphim incessabili voce proclamant:
Sanctus, Sanctus, Sanctus Dominus Deus Sabaoth.
Pleni sunt cæli et terra maiestatis gloriæ tuae.

A ti, todos os anjos, os céus e os poderes do universo,
A ti os querubins e serafins proclamam incessantemente a uma só voz:
Santo, Santo, Santo Senhor Deus dos Exércitos.
Os céus e a terra estão manifestam a tua glória.

“Sabaoth” – plural da palavra hebraica “sâbâ”, que significa “exército”. Assim, o título que se encontra na Bíblia “Deus sabaoth” é traduzido como “Deus dos exércitos”. A referência é feita aos “exércitos celestes” formados pelos anjos e astros.
            Na nossa Liturgia, este título é proclamado na celebração Eucarística, no rito do “Sanctus”, dizendo em latim: “Dominus Deus sabaoth”. A nossa tradução brasileira: “Senhor Deus do universo”. O que nos leva a pensar e formar uma imagem mais de astros — estrelas, sol, luz — que no exército celeste formado pelos anjos, arcanjos, serafins e querubins.
            A fundamentação Bíblia de “Deus sabaoth” encontra-se em Is 6,2-3: “Acima dele se erguiam serafins, cada qual com seis asas. Duas cobriam-lhes o rosto, duas o corpo e duas serviam para voar. Eclamavam: Santo, Santo, Santo é o Senhor dos exércitos, a terra inteira está repleta de sua glória.”
            Em cada Oração Eucarística, a Igreja convida todo o universo e todo o “exército celeste” — “sabaoth” — para participar desta solene ação de graças ao Pai.
          Serginho Valle
Junho de 2020


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20 de jun. de 2020

Liturgia, uma “obra aberta”


O semiólogo italiano Umberto Eco escreveu um livro chamado “Opera aperta” (“Obra aberta”). Eco explica que alguns processos de comunicação são obras abertas, quer dizer, fontes de mensagens com interpretações diversas. É o que acontece com a linguagem artística. Um quadro, uma escultura, uma foto, por exemplo, têm significados diferentes, promove reações diferentes dependendo do contexto, da cultura, do tempo e do estado emocional de quando se entra em contato com a obra de arte. É uma obra aberta; não fechada numa única interpretação.
            É exatamente isso que acontece com a Liturgia; com a linguagem litúrgica, mais especificamente. Cada celebração é diferente da anterior e diferente da vindoura. É única. A proeza de transformar uma celebração igual à outra é própria da miopia de quem vê a realidade da vida sempre igual, de quem parou no tempo, de quem não entrou na dinâmica do Reino, que é semelhante ao fermento jogado na massa para levedá-la. A celebração litúrgica sempre tem algo diferente a dizer, sempre tem um significado novo a se contemplar, sempre é uma experiência nova e renovadora; é uma “Obra aberta”.
Por se tratar de linguagem simbólica, repleta de ritos, de significantes que promove significados, a celebração litúrgica nunca se esgota e nem envelhece no tempo. Mas, o modo de celebrar, especialmente se houver carência espiritual, favorecerá a monotonia e a monocromia de olhar a realidade existencial da comunidade sem as luzes da Palavra e os desafios do Reino. São casos típicos de celebrações caricaturizadas, aquelas realizadas pela leitura de formulários ou de folhetos, distantes da vida.
Quando assim acontece em celebrações Eucarísticas de comunidades, não é de estranhar que a Igreja fique vazia, como em tempo da Covid 19. Mas, isto tem um motivo a ser considerado. Faço um exemplo típico. Tenho observado a transformação da Liturgia como “obra aberta” em “obra monótona” e “obra monocromática” na celebração da Liturgia da Horas. Não poucas vezes, ouço padres, religiosos e religiosas, e muitos seminaristas reclamando da monotonia da Liturgia das Horas. Transformaram a celebração comunitária ou individual em leitura. E, quando se lê sempre a mesma coisa, é claro que isso vira monotonia; deixa de ser “obra aberta”, que interroga a vida, que desafia a ascese do cultivo de virtudes e impede o crescimento espiritual e místico na escola e na fonte da oração litúrgica.
A dificuldade de usar a linguagem litúrgica para se comunicar na celebração e com a celebração tem várias origens, mas a principal delas, ao meu ver, é a ausência ou carência do hábito da Lectio Divina na preparação das celebrações. Tantos de padres como de equipes de celebrações. Quando não modelamos nosso olhar para ver a realidade da história com a luz da Palavra, especialmente com a luz do Evangelho, então, pouco a pouco, a vida torna-se monocromática e as celebrações monótonas.
Serginho Valle
Junho de 2020

6 de jun. de 2020

Respeito para com a Eucaristia


São João Paulo II, em várias oportunidades, chamou atenção ao respeito para com a Eucaristia. A convocação do “Ano da Eucaristia” (2004) tinha, entre outras finalidades, chamar atenção para a centralidade da Eucaristia na vida da Igreja e ressaltar o respeito para com a Eucaristia.
            Ao dividir a palavra respeito — res + peito — nota-se que a mesma tem a ver com aquilo que trazemos dentro da gente, lá no peito; no coração. A gente respeita aquilo que ama, que tem tanta consideração a ponto de guardá-la no coração. São coisas do peito, coisas do coração, coisas com as quais a gente mantém uma relação diferente, mais aprimorada, mais recata, mais carinhosa; mais respeitosa.
            Lembro-me, numa ocasião, que antes da Missa, um jovem se apresentou para proclamar a Palavra vestindo bermuda e camiseta regata. O padre perguntou onde iria vestido daquele jeito. — Vou fazer uma leitura na Missa, respondeu. O padre lhe disse: só se colocar uma roupa mais respeitosa para a Missa. O jovem argumentou que o importante não é a roupa, mas o que está dentro do coração. Uma resposta infeliz, mas que ofereceu a oportunidade para o padre lhe ensinar uma coisa importante: se o teu coração estiver cheio de amor pela Eucaristia, a ponto de compreender o que você vai celebrar e que vai proclamar a Palavra de Deus, você não viria vestido deste modo.
Moral da história: o modo como nos apresentamos para celebrar tem a ver com o sentimento que devotamos à Eucaristia. Não se conhecendo o que é a Eucaristia qualquer roupa serve, mesmo que seja desrespeitosa para o ambiente celebrativo litúrgico, a qual se acrescenta o comentário: o que importa é o que está no coração.
            A falta de respeito não se limita ao modo de vestir-se do celebrante. Tem a ver também com outras atitudes, como o silêncio, por exemplo. Noutro domingo, quatro adolescentes passaram a missa inteira (do começo ao fim) conversando, brincando e rindo; na hora da comunhão foram cochichando na fila até comungar. Será este um comportamento respeitoso? Também a postura, o modo de se comportar na Eucaristia demonstra e revela carinho ou indiferença para com a Eucaristia.
Mas não é só entre os jovens. Alguns adultos, em vez de participar totalmente na celebração, “aproveitam o tempo” para rezar novenas ou recitar o terço durante a Missa. Vão para a fila de comunhão com o terço enrolado na mão, sem deixar espaço para acolher o Corpo do Senhor. Será esta uma atitude respeitosa e participativa da Eucaristia? Cada vez mais precisamos entender que a Eucaristia é única; tão única que introduzir devoções particulares durante a celebração não tem sentido e, em alguns casos, é desrespeito para com a centralidade da Eucaristia na vida da Igreja e na vida cristã. Isto, aliás, já havia desaparecido, mas parece que está vindo de carona com ritos que a Igreja havia suprimido, fundamentando-se na Teologia Litúrgica e não em devoções ou arroubos sentimentalistas de alguns pregadores.
            Os exemplos se multiplicam com facilidade. Na proximidade de algumas festas dedicadas à Eucaristia, como Corpus Christi, a Equipe Litúrgica Paroquial poderia aproveitar a oportunidade para uma catequese sobre o respeito para com a Eucaristia.
Serginho Valle
Junho de 2020
Na proximidade da Solenidade de Corpus Christi 2020


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