15 de mar. de 2025

Quaresma e Campanha da Fraternidade

A Quaresma é um período importante para os cristãos, um tempo de reflexão, conversão e renovação espiritual. Uma das propostas da Igreja, nesse contexto, é a Campanha da Fraternidade, que busca ressaltar a responsabilidade social do cristão. Tal proposta, contudo, nem sempre é bem acolhida pela dificuldade de relacionar a religião com questões sociais.

Para muitos, a religião é algo a ser vivido dentro da Igreja, sem impacto direto nas questões sociais e cotidianas. É uma visão em desacordo com a Doutrina Social da Igreja que, como ensinava Papa Bento XVI em sua mensagem de Quaresma de 2006, a Quaresma é um tempo para alinhar o nosso olhar com o olhar de Jesus Cristo; olhar para o mundo com compaixão e promover um desenvolvimento integral da pessoa e da sociedade com os valores do Evangelho. A proposta da Igreja, com a Campanha da Fraternidade, consiste em ajudar católicos e católicas e, em caso de Campanhas de Fraternidade ecumênica, ajudar os cristãos e cristãs a ter o mesmo olhar compassivo de Jesus diante do povo que é agredido por alguma questão social.

As celebrações litúrgicas, especialmente a Eucaristia e o Sacramento da Penitência, nos ajudam a adotar esse olhar de Jesus sobre as necessidades sociais, como suplica a Oração Eucarística para Diversas Circunstâncias IV, na versão da 2ª edição do Missal Romano: "Dai-nos olhos para ver as necessidades de nossos irmãos e irmãs." Esses olhos não são os olhos de interesse ou de indiferença; refere-se ao olhar como Jesus olhava para a multidão – com misericórdia, e não com julgamentos.

A tradução proposta pela 3ª edição do Missal Romano, intercede para que os olhos sejam abertos a fim de “perceber as necessidades dos irmãos e irmãs (...)” e conclui a súplica intercedendo a graça de a Igreja ser “testemunha viva da verdade e da liberdade, da justiça e da paz” que, entende-se, em vista de uma sociedade solidariamente fraterna. Neste sentido, a Liturgia, em sua dimensão evangelizadora, propõe aos celebrantes ler os sinais dos tempos com os mesmos critérios e valores do Evangelho para a convivência social, como diz a Oração Eucarística para Diversas Circunstâncias III, onde se suplica: “Fazei que todos os fiéis da Igreja, discernindo os sinais dos tempos à luz da fé, empenhem-se coerentemente no serviço do Evangelho.”

Com tais pressupostos, compreende-se que a Campanha da Fraternidade não é uma campanha política ou ideológica. Ela tem inspiração religiosa, cristã, que se inspira diretamente no olhar de Jesus. É um convite para que cada cristão seja mais sensível e compassivo às necessidades de seus irmãos e irmãs, especialmente aqueles que enfrentam consequências das injustiças sociais. Por isso, a Campanha da Fraternidade é uma oportunidade para viver a fé de maneira mais concreta, acolhendo os desafios sociais e promovendo o amor que Jesus nos ensinou.

A Igreja dentro da sociedade

A Igreja, ao se inserir na sociedade, corre o risco de ser influenciada por ideologias políticas, que, muitas vezes, se apresentam de forma sutil, capazes tentar e desviar a finalidade do projeto evangelizador da Igreja. As ideologias, quando entram em uma comunidade eclesial, agridem e dividem e, como todas as ideologias, sem condições de oferecer soluções e, na maior parte das vezes, usando a miséria e a desigualdade social para manipular. A Campanha da Fraternidade, no contexto da dimensão evangelizadora da Liturgia, tem a função de ajudar os celebrantes a perceber o pecado de ideologias que manipulam e impedem e, às vezes, até matam a dignidade da vida humana em muitos setores da sociedade.

 

A Igreja, como instituição, jamais pode se envolver com partidos políticos, uma vez que se guia pela Doutrina Social da Igreja, que tem como base o Evangelho e busca defender a dignidade humana em todas as esferas da vida social. A Campanha da Fraternidade, que ocorre durante a Quaresma, pretende ser uma oportunidade de iluminar a realidade social à luz do Evangelho, sem se deixar instrumentalizar politicamente. A Igreja não é uma bolha que vive na sociedade como se não pertencesse à sociedade, ao contrário, vive na sociedade como fermento (Mt 13,33), como sal da terra e como luz do mundo (Mt 5,13).

 

A espiritualidade da Quaresma

A Quaresma é um tempo de conversão que não se limita à transformação pessoal, mas propõe também a conversão eclesial e social. A Igreja renova sua consciência da necessidade de conversão. Também a sociedade é necessitada de conversão para que a semente do Evangelho seja semeada em terra boa e não em terrenos impropriados (Mt 13,38ss). Neste sentido, a Campanha da Fraternidade, não julga a sociedade, mas convida a Igreja, convida os celebrantes, a ser cultivador do terreno social onde lançar a semente boa do Evangelho para que produza frutos. Esta é uma dimensão importante da espiritualidade da Quaresma em vista da conversão pessoal, eclesial e social.

 

A Igreja, ao se engajar com as questões sociais, adota o olhar de Jesus sobre a realidade do mundo, especialmente sobre os mais pobres e marginalizados sociais. A espiritualidade da Quaresma, representada pelo deserto e pelo silêncio, convida os cristãos a refletirem sobre a vida e a realidade social, buscando, com os olhos de Cristo, uma verdadeira mudança que também afete a sociedade, como pede Papa Francisco tratando da Nova Evangelização. Por isso, a Quaresma não é um tempo somente para pequenas penitências pessoais, é um momento favorável de renovação social, no qual os cristãos se empenham em ações de caridade e solidariedade. Este é um dos propósitos da Campanha da Fraternidade.

 

Práticas quaresmais e conversão social

A Quaresma também é um tempo de práticas espirituais que visam a conversão não só pessoal, mas também social, como proposto acima. As práticas de oração, penitência e caridade não devem ser limitadas a gestos e atitudes unicamente de esforço pessoal, como acontece com a privação de algum hábito (deixar de beber álcool, não assistir filmes, não comer doce...) mas devem ser dirigidas para a transformação da sociedade. Fazer um esforço para o bem comum proposto pela Campanha da Fraternidade. Neste ano de 2025, por exemplo, o esforço do cuidado da “casa comum” através da ecologia integral.

 

A espiritualidade quaresmal da Liturgia não pode ser isolada do contexto social, mas propõe a luz do Evangelho sobre as injustiças e as desigualdades sociais, como no caso da depredação ecológica, tema da Campanha da Fraternidade de 2025. O compromisso com a caridade social deve ser concreto, com ações que promovam a justiça e a dignidade humana, e não se reduzir a ideologias ou políticas partidárias.

 

Conclusão:

Com a finalidade de aprofundar este tema, gravei uma catequese litúrgica publicada no meu canal de Youtube — Lectio Liturgica —, que você acesse pelo endereço https://youtu.be/jl8B3BUvkAM  

 

É uma catequese litúrgica, na qual desenvolvo o tema de modo mais aprofundado com a metodologia catequética para refletir e compreender como a Igreja entende a necessidade e os motivos para realizar a Campanha da Fraternidade no tempo da Quaresma.

 

A verdadeira conversão que a Quaresma pede é aquela que transforma a vida pessoal, a vida eclesial e a comunidade social em um compromisso com a justiça, a solidariedade e a dignidade humana à luz do Evangelho.

Serginho Valle 
Março de 2025

1 de mar. de 2025

Formação litúrgica — teológica e espiritual para quem atua na PLP

 


Uma primeira e necessária condição para que a PLP – Pastoral Litúrgica Paroquial – tenha êxito na comunidade é o cuidado com a sua formação. A formação compreende embasamento teológico e espiritual. Não basta saber o que pode ou não pode ser feito em uma celebração; isso é muito pouco. Disso a necessidade de oferecer a formação necessária para realizar com consciência e autenticidade as atividades próprias da PLP.

Formação teológica e espiritual 
A Liturgia não se resume a momentos de oração, rituais, canções... próprios de uma celebração. Ela é a fonte e o cume de toda a vida cristã (SC 10). Celebrar a Liturgia é colocar em ato uma atividade orante e propositiva de vida cristã evangelizada. Diante disso, a necessidade de fortalecer a base espiritual e teológica para evitar os riscos de um ativismo vazio ou de algum tipo de pietismo sem ação concreta. A verdadeira Pastoral Litúrgica Paroquial (PLP) exige estar fundamentada na espiritualidade litúrgica e na Teologia Litúrgica. Sobre este tema, publiquei recentemente uma catequese litúrgica que você poderá assistir no endereço: https://youtu.be/TPMbkdLhaDo

Sem a base sólida fornecida pela formação litúrgica corre-se o risco de transformar a liturgia em espetáculo religioso ou em rotina automatizada, com celebrações mecanizadas e ritos desprovidos de qualquer contato com a vida pessoal e comunitária. Quando isso acontece, perde-se a essência da celebração litúrgica.

Formação Teológica: alicerce da Pastoral Litúrgica 
A Pastoral Litúrgica Paroquial precisa bem mais que a boa vontade de um grupo de pessoas abnegadas da comunidade. Para se realizar a Liturgia genuinamente transformadora, compreendida aqui como “fomentadora da vida cristã” (SC 1), capaz de transformar batizados em discípulos e discípulas, os agentes da PLP precisam de uma sólida formação teológica, que contemple não apenas os aspectos rubricistas, mas principalmente a inculturação do Evangelho na comunidade onde a Liturgia é celebrada.

O Documento 43 da CNBB destaca a necessidade de aculturação e inculturação da Liturgia, e isso só é possível mediante o conhecimento profundo da Teologia Litúrgica e da antropologia cultural. Sem esse conhecimento, podemos acabar oferecendo celebrações que não dialogam com as necessidades reais da comunidade, e até mesmo contrariando os princípios teológicos da Liturgia.

Proposta de formação: o caminho para uma PLP autêntica 
Existem centenas de propostas formativas para a Liturgia. Nem todas contemplam os fundamentos teológicos e espirituais e, nesse caso, muitas não passam de informações de regras de como proceder nos ritos. De outro lado, existem propostas que dão um passo a mais, conduzindo os agentes litúrgicos a tomar contato com os fundamentos da Teologia Litúrgica e da Espiritualidade Litúrgica. Para o bem da PLP da sua paróquia é importante dar esse passo a mais na qualidade da formação litúrgica.

Para contribuir com a formação litúrgica, peço sua licença para apresentar o Curso de Pastoral Litúrgica Paroquial (PLP). É um curso completo dedicado a quem realmente quer compreender e transformar a Liturgia em sua paróquia. Com uma metodologia e didática bem estruturada, o curso de PLP inicia um processo pastoral que envolve os fundamentos da Teologia Litúrgica, Espiritualidade Litúrgica, Comunicação Litúrgica e outros temas relevantes para o êxito de uma boa PLP na paróquia.

A título de ilustração, apresento um sumário breve do curso:

  • Teologia Litúrgica: Fundamentos que sustentam as celebrações e tornam sua prática significativa.

  • Espiritualidade Litúrgica: Como cultivar uma espiritualidade que gere ações concretas no serviço litúrgico. 

  • Comunicação Litúrgica: Como a Liturgia pode ser um meio eficaz de comunicação do Evangelho — celebrações evangelizadas e evangelizadoras. 

  • Antropologia: Como se servir do conhecimento cultural de sua comunidade nas celebrações.  
  • Música e arranjos litúrgicos: Como integrar elementos culturais sem comprometer a profundidade da Liturgia.

 Os motivos pelos quais é importante fazer um curso como este, além daqueles já mencionados acima, podem ser elencados em 4 propostas:  

  • Formação fundamentada: Tudo o que precisa conhecer e refletir para atuar com segurança e eficiência na PLP.  
  • Método prático e sistematizado: O curso é estruturado em módulos com metas claras para um aprendizado contínuo e eficaz.  
  • Material: material necessário para organizar e aplicar o aprendizado e as reflexões da PLP na sua paróquia.  
  • Prioridade para fazer o curso: Ideal para coordenadores, ministros e qualquer pessoa que atue diretamente com a Pastoral Litúrgica, a começar do padre.

 Transforme a liturgia em sua paróquia 
Se você atua na PLP e se sente comprometido em oferecer uma Liturgia que seja fonte de transformação espiritual para sua comunidade, considere a possibilidade e a necessidade de fazer o Curso da PLP. Não deixe que a falta de conhecimento decorrente de formação superficial comprometa a profundidade das celebrações em sua paróquia. Invista na formação contínua e sólida especialmente para quem atua diretamente na PLP.

Link do curso de PLP: https://lp.liturgia.pro.br/plp1
Link do curso introdutório: https://lp.liturgia.pro.br/pastoral-da-liturgia

Caso você tenha interesse se afiliar a esse projeto para divulgar a importância e a formação litúrgica da PLP nas paróquias, pode clicar no link abaixo.

Link e afiliado: https://dashboard.kiwify.com.br/join/affiliate/7dnxlCA8

Tudo que você leu pode ser interpretado como um texto publicitário. Contudo, nada do que foi dito é sem sentido e sem pertinência para o exercício da Liturgia em nossas comunidades paroquiais. Pense com carinho na possibilidade de dar um up na PLP de sua paróquia.

Serginho Valle 
Fevereiro 2025

 

 

8 de fev. de 2025

Planejamento da Pastoral Litúrgica Paroquial — PLP

A PLP — Pastoral Litúrgica Paroquial — é uma necessidade que assume grau de urgência em nossos dias. Torna-se especialmente urgente naquelas paróquias que ainda não descobriram a Liturgia como fonte e cume de todas as atividades da Igreja e, no caso, fonte e cume de todas as atividades da paróquia.  Eis o motivo deste artigo: chamar atenção para a necessidade da PLP e, mais especificamente, chamar atenção para o planejamento da PLP.

Sobre o tema “Planejamento da Pastoral Litúrgica Paroquial (PLP)”, gravei uma catequese litúrgica que você poderá assistir neste endereço: https://encurtador.com.br/HbUkF   Além desta catequese, existem outras duas catequeses refletindo a necessidade da PLP na comunidade paroquial. Em tal contexto de três catequeses, pode-se dizer que estamos começando uma espécie de “minicurso” que oferece uma introdução ao tema da PLP.

Objetivo do Planejamento da PLP  

O “Planejamento da Pastoral Litúrgica Paroquial (PLP)” apresenta diferenças entre as paróquias. Algumas paróquias fazem o “Planejamento da Pastoral Litúrgica Paroquial (PLP)” em modo trienal, contemplando os Anos A – B – C. Outras criam o “Planejamento da Pastoral Litúrgica Paroquial (PLP)” abraçando apenas o arco de um ano. Cada comunidade paroquial considera o que é mais prático e mais frutuoso. 

Planejar a vida litúrgica paroquial é construir um caminho para celebrar melhor, com celebrações evangelizadas e evangelizadoras, celebrações que sejam participativas, especialmente do ponto de vista mistagógico, para fomentar a vida cristã dos celebrantes (SC 1). O planejamento visa tornar as celebrações mais vivas com celebrantes sempre mais conscientes e enriquecidos espiritualmente.

Estrutura básica da Pastoral Litúrgica Paroquial 

A PLP é organizada e coordenada pela Equipe Litúrgica — que é diferente de Equipes de Celebrações —. A Equipe Litúrgica, juntamente com o pároco é responsável por toda a vida litúrgica da paróquia. Isso inclui a organização de celebrações a partir do Ano Litúrgico, de celebrações dos Sacramentos e dos Sacramentais, inclui a organização de formações para quem atua em ministérios litúrgicos e para o povo da paróquia, inclui a seleção de músicas, elaboração de agendas celebrativas e atividades em vista do fortalecimento da espiritualidade litúrgica. 

A Equipe Litúrgica é descrita como o
"coração e cérebro" da vida litúrgica paroquial e, por isso, é fundamental na coordenação das atividades litúrgicas da paróquia em vista de planejar, pesquisar a realidade dos celebrantes, aprofundar conteúdos teológicos e da espiritualidade litúrgica, formar agentes e organizar ações pastorais, conforme orientações do Documento 43 da CNBB.

 Finalidades da PLP 
Três dimensões teológicas e espirituais justificam a finalidade do planejamento da vida litúrgica paroquial:

  1. Dimensão memorial e santificadora: As celebrações atualizam o Mistério da Salvação, permitindo aos celebrantes que sejam santificados pela participação na vida divina em cada celebração litúrgica. 
  2. Dimensão celebrativa: Promover a participação plena, consciente e ativa dos celebrantes, tornando as celebrações evangelizadas e evangelizadoras para que a vivência cristã seja cada vez mais autêntica na comunidade. 
  3. Dimensão pedagógica: Favorecer a pedagogia mistagógica, iniciando os celebrantes no Mistério celebrado na Liturgia e, em decorrência disso, produzir frutos na vida comunitária em forma de atividade pastoral e missionária.

 Dicas para Planejar a PLP 

Quatro recomendações (na generalidade) para o planejamento eficiente:

  1. Conhecer a realidade da comunidade: Identificar quem participa das celebrações e suas necessidades espirituais. 
  2. Definir uma agenda celebrativa: Organizar um calendário que contemple solenidades e momentos formativos ao longo do ano. 
  3. Formação contínua dos agentes litúrgicos: Capacitar equipes para compreender e viver melhor a liturgia. 
  4. Avaliação constante: Verificar a eficácia das celebrações e ações litúrgicas na vida pessoal (no que é possível) e na vida da comunidade, ajustando conforme necessário.

Conclusão 
O planejamento da PLP é indispensável para garantir que a liturgia paroquial seja mais viva, formativa e evangelizadora. Com isso, a comunidade poderá tomar consciência de celebrar de maneira cada vez mais consciente e plena, fortalecendo a caminhada cristã dos celebrantes e de toda a paróquia.

Como dito acima, no início deste artigo, estou propondo três catequeses litúrgicas no meu canal de Youtube, Lectio Liturgica, na playlist Pastoral Litúrgica – catequese, que você encontra no endereço: https://www.youtube.com/playlist?list=PL0h4xujwJqhniqXWe4q-zho_cdFq-VTnp

 Agora, para uma formação mais aprofundada, sugiro o curso completo sobre PLP está disponível no site do SAL. Na realidade são dois cursos: um introdutório, que se chama Pastoral DA Liturgia e o curso mais extenso sobre este tema, que se chama PLP – Pastoral Litúrgica Paroquial.

PLP - Pastoral Litúrgica Paroquial — https://lp.liturgia.pro.br/plp1

Serginho Valle 
Fevereiro de 2025

7 de dez. de 2024

O MINISTÉRIO DO LEITOR E DA LEITORA NA LITURGIA DA PALAVRA

 

A tradição cristã, enraizada na fé hebraica, sempre atribuiu lugar central e especial à Palavra de Deus. Tanto que as religiões judaica e cristã são conhecidas como “religião da Palavra”. É pela Palavra que Deus cria e sustenta o universo; é ela que ilumina e orienta o povo no caminho da salvação, é a Palavra que conduz o fiel ao bom caminho. O ponto culminante da Palavra, contudo, não se concentra apenas no som audível, no que escutamos. A plenitude da Palavra está na Encarnação: em Jesus Cristo, o Verbo que se fez carne. Como declara São João: “Logos sarx egheneto”“A Palavra se fez carne” (Jo 1,14). Aqui encontra-se o ápice da Palavra de Deus.

Este é um motivo mais que suficiente para compreender porque a Liturgia oferece atenção especial à Palavra em suas celebrações. Porém, há um Mistério profundo que não podemos esquecer: a Palavra encarnada foi silenciada na Cruz, e a tentativa de calar Deus culminou na morte de Jesus. Esse silêncio, no entanto, não foi o fim. Pelo contrário, foi a semente que, ao cair na terra, gerou frutos de vida e tornou-se o alicerce da Igreja. Jesus profetizou: “Se o grão de trigo não cair na terra e morrer, ficará só; mas, se morrer, produzirá muito fruto” (Jo 12,24).

 

Este é o fundamento, a iluminação e o grande aprendizado para o Ministro da Palavra: ele é um semeador do Verbo; semeador da “semina verbum”. Sua missão é manter viva essa Palavra, semeando-a em sua comunidade e além dela, testemunhando aquilo que proclama do ambão pelo seu modo de viver. Ele não apenas proclama um texto, mas planta a semente divina no coração dos celebrantes, confiando que essa Palavra encontrará terreno fértil e produzirá frutos.

 

A Liturgia e a Palavra viva

Há muitas formas de entrar em contato com a Palavra: oração, estudo, meditação, silenciamento interior entre outras mais. Contudo, a Liturgia é a experiência mais profunda e transformadora de se estar em contato com a Palavra de Deus. Na celebração litúrgica, a Palavra é proclamada, contemplada no silêncio e semeada com solenidade para gerar vida divina (santificação) nos corações dos celebrantes. É essa solenidade dedica à Palavra que exige do leitor e da leitora o compromisso de proclamar a Palavra com reverência, técnica comunicativa e sensibilidade espiritual.

 

A Liturgia é a guardiã da Palavra e o espaço onde a Palavra de Deus se torna “viva, eficaz e mais penetrante que uma espada de dois gumes” (Hb 4,12). Na proclamação litúrgica da Palavra, vivemos o mesmo mistério dos discípulos de Emaús: o Senhor fala, e nossos corações ardem ao ouvi-lo (Lc 24,32). Essa experiência responsabiliza ainda mais o papel do leitor: a Palavra não foi dada para permanecer em silêncio, nos livros, mas para ser anunciada com força e clareza, alcançando o mais íntimo dos celebrantes. E para isso, além da técnica, é preciso a vivência da Palavra.

 

Os símbolos que envolvem a proclamação da Palavra – a semente, a espada, o alimento – destacam a responsabilidade do Ministério do Leitorato. O ambão, como “mesa da Palavra”, lembra que a Palavra é alimento espiritual. Assim, o leitor e a leitora se tornam instrumentos de Deus, emprestando sua voz e seu coração para que a Palavra nutra a vida cristã e frutifique na comunidade. Para isso, como um garçom que leva comida até seus clientes, o leitor deve ter a Palavra na bandeja do seu coração para levar este alimento até os celebrantes.

 

O silêncio e a Palavra

O Mistério da Palavra também está envolvido pelo silêncio. Assim como a luz precisa da escuridão para brilhar, a Palavra necessita do silêncio para ser ouvida e acolhida. O leitor e a leitora devem ser, antes de tudo, ouvintes da Palavra, deixando-a ressoar no íntimo de seus corações. E para isso, os leitores são pessoas que conhecem a arte do silenciamento espiritual. Como diz o Evangelho: “A boca fala daquilo que o coração está cheio” (Mt 12,34). É pelo silêncio que a semente da Palavra entra no coração do leitor e da leitora antes de ser proclamada e partilhada na assembleia litúrgica.

 

Esse silêncio interior alimenta a espiritualidade do leitor e da leitora. Proclamar a Palavra não se resume a uma tarefa funcional, é um chamado — talvez seja melhor dizer que se trata de uma provocação — a vivê-la com autenticidade. Quem lê a Palavra deve ser, antes, alguém iluminado por ela, ser alimentado e senti-la como aquela espada de penetra profundamente na vida pessoal (Hb 4,12). A vivência, fruto do acolhimento da Palavra, transforma a proclamação em um testemunho que toca e converte.

 

Portanto, a escolha de quem exerce o Ministério do Leitor não pode ser casual. Feita minutos antes de começar a Missa, por exemplo. Mesmo que não encontremos santos e santas perfeitos para essa missão, é essencial buscar leitores e leitoras que respeitem a dignidade da Palavra, dedicando-se à sua preparação e proclamando-a de forma a impactar profundamente a vida da comunidade. Afinal, a Palavra de Deus nunca volta vazia, mas sempre cumpre a missão para a qual foi enviada (cf. Is 55,10-12). Se a Palavra não produzir o que diz a profecia de Isaias, nem mesmo na vida do leitor e da leitora, talvez seja necessário rever o que acontece.

 

Que este breve itinerário sobre o Ministério do Leitor inspire um renovado amor à Palavra e a consciência de que proclamar a Palavra na Liturgia é, antes de tudo, um ato de fé e serviço à vida da Igreja, que exige a responsabilidade testemunhal da parte do leitor e da leitora.

Serginho Valle
Dezembro de 2024

 

23 de nov. de 2024

Renascer do alto: em busca da espiritualidade litúrgica

Nosso ponto de partida é a passagem do Apocalipse que diz: "quem é morno, eu vomito" (Ap 3,16). São João se refere aos cristãos e cristãs que, após terem contato com o Evangelho, não o assumem como estilo de vida. Essa postura provoca repulsa no “estômago divino” e leva a serem rejeitados. É uma expressão forte, sem dúvida, mas extremamente pertinente em todos os tempos. Não há espaço para a mornidão na vida cristã: ou se assume plenamente o Evangelho, ou se está fora do “coração” de Deus.

Aqui, o termo “estômago” carrega um simbolismo especial, remetendo ao lugar onde os alimentos são processados e se tornam fonte de energia para a vida. Assim também é o Evangelho: um alimento espiritual que precisa ser processado na vida espiritual de cada pessoa. Esse é um processo radical, porque, para Deus, não existe o meio-termo: ou somos d’Ele, ou não somos.

Assumir o Evangelho como alimento que gera saúde espiritual na vida cristã acontece em etapas. É um processo contínuo, não um evento único ou resultado de uma única experiência. Jesus nos ensina que é uma caminhada: começamos com um encontro transformador com Ele e seguimos adiante, até chegarmos à casa do Pai, onde existe um lugar preparado para aqueles que caminharam ao seu lado e se alimentaram do Evangelho (cf. Jo 14,2-4).

Esse processo envolve o anúncio inicial (querigma), a catequese e a mistagogia. Nesta reflexão, destaco especialmente a pedagogia mistagógica presente na Liturgia, nas celebrações dos Sacramentos e Sacramentais.

Fonte espiritual e espiritualidade
A vida cristã bebe de muitas fontes espirituais, como a meditação da Palavra de Deus, a oração, a leitura espiritual e a direção espiritual. Porém, a Liturgia é a fonte e o cume de toda a vida espiritual (cf. SC 10). No contexto atual, para muitos cristãos e cristãs, a Liturgia é a única fonte concreta de espiritualidade. Isso exige que a Pastoral Litúrgica Paroquial (PLP) tome consciência de seu papel em ajudar os celebrantes a “renascer do alto”.

A celebração litúrgica é um momento privilegiado de encontro com Cristo, vivido em fraternidade, na assembleia celebrativa. É ali que pedimos: “accendat ardor cordis” — “fazei arder nossos corações” —, como aconteceu com os discípulos de Emaús (cf. Lc 24,32). Esse ardor não é apenas emocional, mas transforma o Evangelho em um estilo de vida, uma espiritualidade que molda o cotidiano.

Quando a celebração litúrgica reflete o caminho existencial dos celebrantes, o Evangelho torna-se realidade concreta, conduzindo-os a uma vida nova. Assim como os discípulos de Emaús voltaram correndo para anunciar a Ressurreição, também nós somos chamados a viver uma espiritualidade litúrgica que nos impulsiona a transformar a sociedade à luz do Evangelho.

Papa Francisco constantemente nos exorta à renovação da Igreja, colocando ênfase no caminho espiritual. Embora as estruturas pastorais sejam importantes, sua eficácia depende do suporte espiritual, alimentado pela Palavra de Deus e pela Liturgia.

Essa renovação exige celebrações evangelizadas e evangelizadoras, que envolvam os celebrantes no mistério do Evangelho. A Liturgia é o espaço onde o Evangelho não apenas é proclamado, mas celebrado, para que desça do ambão ao coração e transforme vidas. É nesse sentido que a Liturgia se torna fonte de espiritualidade e discipulado.

Pastoral Litúrgica Paroquial (PLP)
Para que tudo isso aconteça, é necessária uma organização cuidadosa da Pastoral Litúrgica Paroquial. Seu objetivo é anunciar o Evangelho e formar discípulos e discípulas por meio da pedagogia mistagógica. Celebrar bem é colocar as pessoas no caminho de Jesus, tornando-as testemunhas do Evangelho na sociedade.

O Papa Francisco nos alerta contra a “desertificação espiritual” dos tempos atuais. Vivemos em uma cultura onde o poder financeiro é visto como a espiritualidade dominante. Contra essa realidade, a Liturgia nos convida a renascer do alto, pelo Espírito Santo, para viver segundo a lógica do Evangelho: simplicidade, gratuidade e caridade fraterna.

O Poço de Sicar
A cena do encontro de Jesus com a samaritana no poço de Sicar (cf. Jo 4,1-41) nos ajuda a compreender a dinâmica da Liturgia como fonte de espiritualidade. A samaritana representa toda a humanidade, em busca da “água viva” que dá sentido à vida. Na Liturgia, encontramos Jesus e somos saciados pelo Espírito Santo. É ali que bebemos da espiritualidade do Evangelho e somos transformados em discípulos e discípulas, capazes de testemunhar a caridade no mundo.

A Liturgia é, portanto, a fonte onde a humanidade encontra a água viva de Deus, renasce do alto e se torna capaz de pensar como Deus e agir com a lógica do Evangelho. É essa espiritualidade que nos permite enfrentar os desafios de hoje e ser luz no mundo.

Serginho Valle
Novembro 2024

8 de nov. de 2024

Celebrações litúrgicas que comprometem

As celebrações, que sempre celebram a fé cristã, comprometem os celebrantes na missão evangelizadora da Igreja. A fé cristã não é um conceito abstrato, limitado a doutrinas ou princípios morais; a fé cristã não é também um crença religiosa. A fé cristrã é uma atitude pessoal de compromisso com Deus, que orienta a mentalidade e o estilo de vida de quem a assume como luz na vida pessoal. As celebrações litúrgicas, nesse sentido, servem como fortalecedoras da fé na vida pessoal dos celebrantes. Para que isso aconteça, é necessário celebrações que comprometam os celebrantes com a fé que professam e vivem. A evangelização só pode acontecer em decorrência da vivência autêntica da fé, no discipulado.


A pedagogia mistagógica e o compromisso evangelizador

Para aqueles familiarizados com o SAL – Serviço de Animação Litúrgica (www.liturgia.pro.br), sabem que as propostas celebrativas são orientadas pela pedagogia mistagógica, considerando a abordagem pastoral do Ano Litúrgico. Cada celebração se conecta com outras celebrações, formando uma continuidade pedagógica para introduzir e orientar os celebrantes no caminho do discipulado. Nessa sequência, os celebrantes, caminhando na estrada de Jesus (discipulado), são conduzidos a fortalecer a fé, celebrada na Liturgia, como compromisso pessoal.

 Esse processo acontece especialmente na Liturgia da Palavra, momento em que a Palavra ilumina a vida do celebrante fazendo-o refletir e se comprometer pessoalmente com o projeto do Reino de Deus. Esse processo não acontece espontaneamente. É necessário uma organização e uma estrutura pastoral para ajudar os celebrantes e introduzi-los mistagogicamente na estrada de Jesus. É o papel da PLP – Pastoral Litúrgica Paroquial.

O papel da pastoral litúrgica paroquial (PLP)

A Pastoral Litúrgica Paroquial (PLP) desempenha um papel essencial na preparação de celebrações que sejam verdadeiramente evangelizadoras, capazes de comprometer a vida dos celebrantes com o Evangelho. Nisso, a necessidade do zelo pastoral litúrgico caracterizado pela participação ativa e consciente nas orações, nas leituras e nas canções... A estrutura da PLP, formada por membros que compreendem e conhecem a pedagogia mistagógica e a dinâmica evangelizadora de cada celebração, é fundamental nas paróquias. Portanto, a importância da formação litúrgica continua daqueles que atuam na PLP, de todos os ministérios.

A formação litúrgica não se restringe a uma organização funcional, como a definição de funções ministeriais; é toda uma estrutura pastoral que sustenta a dimensão formativa da Liturgia em cada comunidade paroquial. A formação em PLP oferece orientações de como estruturar a pastoral litúrgica que prepare celebrações bem planejadas, e isso significa celebrações evangelizadas e evangelizadoras, capazes de fortalecer a fé na vida dos celebrantes tornando-os comprometidos com o projeto do Reino. A Liturgia é vocacionada a tornar os celebrantes compromissados com a fé; não a fé na dimensão de crença, mas na dimensão existencial.

A Liturgia como vocação e compromisso pessoal

A Liturgia não celebra uma crença em Deus, em Jesus Cristo… A Liturgia não celebra uma crença religiosa, mas a fé cristã no Mistério Pascal de Jesus Cristo. Entende-se que os celebrantes celebram a Liturgia porque creem em Deus; essa crença precisa ser transformada em compromisso de vida com o Evangelho, com o Reino. A Liturgia tem a vocação de iniciar os celebrantes no compromisso existencial da fé envolvendo-os de modo consciente nas celebrações.

A importância do envolvimento pessoal nas celebrações está intimamente ligada à vocação cristã como resposta de fé. A Liturgia é um espaço de encontro com Deus onde cada celebrante é convidado a escutar, a refletir e a modelar sua vida com a Palavra de Deus, especialmente o Evangelho. Celebrações bem preparadas têm a função de interpelar e inspirar os celebrantes a abraçar o projeto divino, fortalecendo seu compromisso com o Reino de Deus. Essa dimensão comprometedora, presente em cada celebração, nutre a vocação cristã dos batizados e os encoraja a viver uma vida alinhada com os valores evangélicos e, o mais importante, com uma vida cristã comprometida.

Conclusão: celebrar para comprometer 

Volto a repetir: na Liturgia não celebramos uma crença, mas a fé e isso significa celebrar um projeto existencial. A Liturgia não celebra uma crença, celebra a vida divina sendo oferecida para que a vida humana seja plena (Jo 10,10). Para isso acontecer é fundamental a PLP.

É fundamental que as celebrações litúrgicas sejam bem preparadas e estruturadas para atingir a vida e a mente dos celebrantes, conduzindo-os a um compromisso cada vez mais profundo com a fé e com o projeto divino, que definimos como Reino de Deus. É desse modo que a Liturgia realiza o seu papel de fomentar a vida cristã, como pede a SC 1, à medida que alimenta a fé dos celebrantes e os tornam comprometidos com o Reino e com a evangelização.

Serginho Valle 
Novembro 2024


 

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