11 de mai. de 2024

Não basta mudar os livros litúrgicos

 Recentemente, como Igreja, participamos do acolhimento da 3ª edição do Missal Romano. Não é um novo Missal, mas uma nova edição, do “novo Missal”, publicado pelo Papa São Paulo VI depois da reforma litúrgica. A chegada da 3ª edição do Missal Romano foi momento oportuno para propor formação litúrgica nas comunidades paroquiais. Eu mesmo procurei dar minha contribuição com um curso online, postado na plataforma de cursos da Kiwify, com cinco palestras sobre o Missal Romano. Não é sobre a 3ª edição em si, mas sobre o Missal Romano. Mais informações, clique no link: (https://lp.liturgia.pro.br/missal-romano ).

 Falando de formação litúrgica, conferindo meu arquivo pessoal, deparei-me com o discurso que Papa Francisco proferiu no ano de 2019, na plenária da Congregação para o Culto Divino e Sacramentos. O tema do encontro versava sobre a formação litúrgica. O título que estou propondo neste artigo é uma expressão usada pelo Papa Francisco no seu discurso sobre o modo e o método de realizar a formação litúrgica: “para que a formação litúrgica aconteça, não basta mudar os livros litúrgicos”. O texto do discurso papal encontra-se no link: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2019/february/documents/papa-francesco_20190214_cong-culto-divino.html

 O ano era 2019, 4 anos antes da publicação da 3ª edição do Missal Romano aqui no Brasil, em 2023. Antes disso, em 2022, Papa Francisco publicou a Carta Apostólica Desiderio Desideravi sobre a formação litúrgica. Existem outras intervenções do Papa sobre a importância e a necessidade da formação litúrgica.

 Quem conhece um pouco de História da Liturgia sabe muito bem que o interesse e a preocupação com a formação litúrgica não são do nosso tempo. É uma necessidade que sempre chamou atenção da Igreja, uma vez que a falta de formação litúrgica e a carência formativa é um perigo, não por “pecados” que possam ser cometidos contra rubricas, mas pela facilidade de se poder manipular e instrumentalizar a Liturgia. Por isso, o tema da formação litúrgica não é uma necessidade dos nossos tempos. A bem da verdade, o tema da formação litúrgica começa antes da reforma litúrgica, especialmente presente na pauta do Movimento Litúrgico, que encontrou seu auge na metade do século XIX e se estendeu até os albores do Concílio Vaticano II, no século XX. Este é somente um exemplo.

 O que gostaria de chamar atenção na reflexão do Papa com os membros da Congregação para o Culto Divino (2019) é o foco e a centralidade que o Papa dedica ao tema da formação litúrgica, expressa no pensamento: não basta trocar os livros litúrgicos para melhorar a qualidade da Liturgia. A partir desse pensamento, o Papa traça, em breves linhas a direção e a finalidade da formação litúrgica para nossas comunidades paroquiais. A indicação do Papa é por uma formação litúrgica que se qualifica com celebrações que conduzem ao encontro com o Deus vivo, que conduzem ao encontro com Jesus Cristo. O Papa explica o significado de sua recomendação dizendo que a formação litúrgico não se realiza com um roteiro teórico, mas com celebrações capazes de produzir a experiência de encontro com Deus. Neste sentido, a Liturgia educa à Liturgia, servindo-me da expressão do meu antigo professor, o salesiano, Pe. Achille Triacca.

 Desse modo, Francisco leva-nos perceber que a luz da formação litúrgica tem como finalidade não a transmissão de conceitos e teorias sobre a Liturgia, mas a realidade da vida cristã: “não podemos esquecer que a Liturgia é vida a ser formada, não uma ideia (um conceito) para se conhecer”. Papa Francisco está dizendo que a Formação litúrgica tem a ver com o fomento da vida cristã, que se encontra na primeira finalidade da reforma litúrgica: fomentar a vida cristã (SC 1).

Já tive oportunidade de comentar, em outro texto, que minha inspiração para o curso da Pastoral DA Liturgia encontra-se na Desiderio Desideravi, 37: “uma celebração não evangeliza não é autêntica” (https://lp.liturgia.pro.br/pastoral-da-liturgia ). Agora, acrescento este desafio do Papa, proposto no seu discurso de 2019, de não tratar a formação litúrgica como transmissão de conteúdo, mas de propor uma formação na qual se faça experiência espiritual e fraterna do encontro com Jesus Cristo.

 Em terras brasileiras, sem o risco de generalizar, podemos perceber a distância que existe entre temas da formação litúrgica em nossas paróquias, as vezes preocupando-se com a cor da toalha usada no altar, quantas velas usar... e aquilo que deveria fundamentar a formação em vista da proposta pastoral do Vaticano II: “fomentar a vida cristã” (SC 1).

 Na prática, o discurso de Papa Francisco está dizendo que não se faz formação litúrgica ensinando rubricas e nem inspirando-se num dicionário de semiologia explicando significados de símbolos e sinais. Isto tem o seu valor enquanto formação inicial, formação introdutória e iniciática na Liturgia, mas a formação necessitada, hoje, é aquela que favorece nos celebrantes celebrar para ter contado pessoal com Jesus Cristo. Neste caso, uma formação na qual se aprenda a celebrar celebrando.

 Papa Francisco diz textualmente que “a formação litúrgica não pode limitar-se a oferecer simplesmente conhecimentos (sobre a Liturgia) — isto é errado.” Chama atenção a observação do Santo Padre, apontando como equivocado (errado) reduzir a formação litúrgica a transmissão de conhecimentos sobre a Liturgia. Para o Papa, a formação litúrgica comporta uma qualidade existencial, uma experiência espiritual existencial, para sermos precisos. Para isso, em forma de refrão que se repete no texto, o Papa explica que o existencial, na Liturgia, acontece pelo encontro com Jesus Cristo.

 No pensamento do Papa, a formação litúrgica é um espaço de transformação existencial a partir da celebração. Esta é a proposta que proponho no curso “Pastoral DA Liturgia” (https://lp.liturgia.pro.br/pastoral-da-liturgia ), no qual, a Liturgia é considerada como a fonte da vida cristã. Mais que explicar conceitos litúrgicos, é preciso que a formação litúrgica ajude os ministérios a tornar a celebração um espaço espiritual, uma fonte da espiritualidade que, na prática, nada mais é do que é a natureza Liturgia: deixar-se conduzir pelo Espírito Santo para ser envolvido na santidade divina.

Serginho Valle 
Maio de 2024

 

4 de mai. de 2024

A formação litúrgica, uma necessidade paroquial

 A formação litúrgica sempre foi uma necessidade pastoral, especialmente importante, necessária e incentivada desde a reforma litúrgica do Vaticano II. Se a Liturgia é a fonte e o cume de todas as atividades da Igreja e, por extensão, de todas as atividades de uma paróquia, a formação litúrgica é uma necessidade paroquial. A condição para tornar a Liturgia, realmente, fonte e cume de todas as atividades da vida paroquial, passa necessariamente pela formação. Sem a devida formação litúrgica, não será possível ter uma Liturgia evangelizada e evangelizadora na comunidade.

 O conceito de formação litúrgica tem sido entendido com diferentes variáveis. Desde a formação de coisas básicas, compreendendo formação litúrgica como, por exemplo, arrumar o Missal para a Missa, explicação da Missa parte por parte, treinos de como ler na Missa, como cantar, que tipos de arranjos colocar... são temas importantes, mas básicos. A formação litúrgica, da qual se tem urgência, não se contenta em explicar quais os possíveis erros de um leitor, como usar microfone, se precisa ou não fazer inclinação antes da leitura... Todos estes temas entram na categoria formativa de “básicos” e, por serem básicos, são necessários. Contudo, é muito pouco. É preciso dar passos e caminhar por caminhos que introduzam no mistério espiritual da Liturgia.

 Existe a necessidade de um passo a mais e propor formação litúrgica mais substanciosa. Não basta reunir a comunidade, reunir as pessoas que atuam em ministérios litúrgicos para momentos “informativos” sobre temas de Liturgia. Mesmo com sua validade, a formação mais aprofundada é uma exigência que resulte em celebrações evangelizadas e evangelizadoras na comunidade.

A mesmice de algumas comunidades 
O investimento na formação litúrgica, mesmo depois de tantos anos da reforma litúrgica (mais de 60 anos), não é um tema muito considerado e, talvez, nem mesmo apreciado em algumas comunidades. A imagem de comunidades que não investem em formação litúrgica é caracterizada pela mesmice: as mesmas pessoas e o único e mesmo jeito de celebrar sempre do mesmo jeito. São comunidades que vivem da mesmice, atuando como mantenedora de tradições religiosas.

 Isto acontece por desinteresse da comunidade? Pode ser que sim, pode ser que sequer consideram ou desconheçam a riqueza da Liturgia como fonte da vida cristã. Além disso, e infelizmente, não se pode negar que existem comunidades desinteressadas e nada zelosas com a Liturgia. Neste caso, a mesmice celebrativa impera pela falta de zelo para com a Liturgia na comunidade paroquial.

 Experiências de formação na comunidade 

Levando em conta o que foi dito, é natural que surjam algumas perguntas, não somente por curiosidade, mas perguntas que podem ser angustiadas, como do tipo:

Qual formação?

Formação em forma de laboratório celebrativo?

Formação informando e explicando as celebrações parte por parte? 

Formação do tipo acadêmico? 

Com qual método realizar a formação?

 Todas, e outras mais perguntas que possam surgir, podem ser respondidas com um “sim”. Sim, a formação pode ser acadêmica, pode ser básica, pode ser com método de laboratório... é claro que o método formativo, o como realizar a formação, é algo que merece atenção dependendo da realidade cultural da comunidade paroquial. Se uma comunidade nunca realizou uma formação litúrgica, querer adotar um método acadêmico ou de laboratório será complicado; precisará começar do básico, das informações sobre a Liturgia. Mas, não somente da realidade paroquial, conta também o grau de conhecimento, digamos assim, dos participantes da formação litúrgica.

 Muito possivelmente, você e sua comunidade já passaram por esse tipo de experiência: o padre ou o diácono ou os responsáveis pela Equipe Litúrgica convidam um especialista (liturgista), que nem sempre conhece a paróquia, para falar sobre Liturgia. Depois de uma semana ou de final de semana repleto de informações litúrgicas, o pessoal que fez o curso, olha um para o outro e diz: legal, o que vamos fazer com isso?

 Nem todas as formações precisam ter finalidade prática para “mudar ou inovar” o jeito de celebrar. Um bom número delas poderia ser teóricas, oferecendo condições para refletir a Liturgia de algum ponto de vista: teológico, antropológico, pastoral... Isso produziria luzes com ênfase na dimensão pastoral da Liturgia, luzes para se servir da criatividade litúrgica em vista de celebrações evangelizadas e evangelizadoras, como proponho no meu curso (totalmente online) chamado “Pastoral DA Liturgia” (cf. sobre o curso: https://lp.liturgia.pro.br/pastoral-da-liturgia )

Concluindo 
Este artigo é uma introdução, com a finalidade de chamar atenção, sobre a importância, a necessidade e a urgência da realização da formação litúrgica, periódica e continua, em nossas comunidades paroquiais. No próximo artigo estarei tratando da formação litúrgica do ponto de vista histórico.

Entre os diferentes modos de realizar a formação litúrgica, convido você a conhecer o meu curso Pastoral DA Liturgia. É um curso preparatório com a finalidade começar a pensar a Liturgia de modo evangelizado e evangelizador. Para mais informações sobre o curso clique no link: https://lp.liturgia.pro.br/pastoral-da-liturgia

Serginho Valle 
Maio de 2024



 

6 de abr. de 2024

PASTORAL DA LITURGIA

Existe uma diferença entre “Pastoral Litúrgica” e “Pastoral DA Liturgia”. Fiz questão de distinguir os dois termos com cores diferentes para acentuar a diferença entre o que se entende por “Pastoral Litúrgica” e “Pastoral DA Liturgia”. Além disso, fiz questão de distinguir a preposição DA para enfatizar que a Liturgia tem uma dimensão pastoral. Estou falando de uma “dimensão”. Entre outras dimensões e, juntamente com outras dimensões, a Liturgia tem uma dimensão pastoral.

 Dimensão pastoral da Liturgia
Falar de pastoral é chamar em causa uma atitude evangelizadora. Fazer pastoral é um modo de evangelizar. Assim, ao dizer que a Liturgia tem uma dimensão pastoral, estou dizendo também que a Liturgia evangeliza com e através das celebrações. Papa Francisco, na Desiderio Desideravi (DD 5), repetindo a Evangelium Gaudium (EG 27) apresenta a Liturgia como momento evangelizador. Por isso, não estou inventando e nem propondo alguma novidade; é o próprio Magistério da Igreja que apresenta a Liturgia, em suas celebrações, como momento evangelizador. Na Carta Apostólica Desiderio Desideravi, Papa Francisco escreve:

   “A compreensão teológica da Liturgia não permite de modo algum entender estas palavras como se tudo se reduzisse ao aspeto cultual. Uma celebração que não evangeliza não é autêntica, tal como não o é um anúncio que não leve ao encontro com o Ressuscitado na celebração: ambos, por fim, sem o testemunho da caridade são como o bronze que soa e como o címbalo que retine (cf. 1Cor 13, 1)." (DD 37)

A Liturgia é uma atividade pastoral. É evidente que não podemos identificar Liturgia com Pastoral. Se a Teologia Litúrgica não faz tal afirmação, nunca deixou de propor, igualmente, a dimensão pastoral da Liturgia. E com um detalhe: não se trata de uma pastoral entre outras pastorais, mas é uma dimensão pastoral que a torna fonte e cume (SC 10) de todas as atividades da Igreja; de todas as pastorais da comunidade paroquial.

 Nos meus dois cursos — Pastoral Litúrgica Paroquia (PLP) e “Pastoral DA Liturgia” (PDL) — minha primeira inspiração vem da atividade pastoral da Liturgia na Igreja modelo do Bom Pastor (Jo 10,1-31). Na atividade própria do Bom Pastor encontra-se o significado e o modo litúrgico do agir pastoral da Liturgia: conduzir os celebrantes na estrada de Jesus (discipulado) e alimentá-los com a vida divina, para que sejam evangelizados e enviados como missionários (testemunhas) evangelizadores.

 Outra inspiração consiste em compreender a atividade da dimensão pastoral da Liturgia, nos meus cursos, está no modelo de Igreja Videira do Pai Agricultor. Também este inspira-se no Evangelho de São João (Jo 15,1-17). A Teologia e a Espiritualidade Litúrgicas ensinam que a Liturgia alimenta os celebrantes com a seiva do Espírito Santo. Como o ramo é fortalecido pela seiva que vem do caule, assim a Liturgia nutre os celebrantes, ramos unidos ao caule Jesus Cristo.

 Conduzir e alimentar os celebrantes com a nutrição da Palavra e do Sacramento celebrado é o que mais caracteriza a dimensão pastoral da Liturgia. E, reconhecendo nisso uma dimensão pastoral, entende-se que as celebrações não podem ser realizadas de qualquer modo; existe a exigência de organização, estrutura, formação, preparação, pedagogia, dinâmica, comunicação... e tantos outros requisitos para fortalecer quem atua em algum ministério litúrgico e quem celebra algum Sacramento ou Sacramental.

 Organizar a Pastoral Litúrgica
Não foi considerar todos os temas propostos na listagem que acabei de propor. Farei somente duas considerações: uma sobre a PLP e outra para a PDL.

 PLP – Pastoral Litúrgica Paroquial 
A dimensão pastoral da Liturgia contém a exigência de ser organizada e bem estruturada para ser efetiva e proativa. Esta exigência pertence ao que denomino nos meus cursos de PLP — Pastoral Litúrgica Paroquial. Neste caso, por uma simples questão didática e favorecedora da distinção, não estou falando de “Pastoral DA Liturgia”. Nisto a primeira distinção: uma coisa é a PLP e outra é a “Pastoral DA Liturgia”, a PDL.  

 A PLP tem a finalidade de organizar todas as atividades litúrgicas da comunidade. É uma atividade funcional, de fazer a Liturgia (celebrações) acontecer. Faz funcionar para que a dimensão da “Pastoral DA Liturgia” seja efetiva e produza frutos. É a esta atividade que dedico todo um curso com fundamentos eclesiológicos, fundamentos da Teologia Pastoral, proponho um método Pastoral adequado para a organização da PLP e, evidentemente, proponho como organizar a PLP na paróquia.

Pastoral DA Liturgia
A “Pastoral DA Liturgia”, como facilmente se intui, se serve da organização proposta pela PLP para tornar as celebrações momentos evangelizados e evangelizadores. Os dois cursos têm a mesma finalidade: tornar a Liturgia fonte e cume (SC 10) de todas as atividades da paróquia com celebrações evangelizadas e evangelizadoras.

 Para realizar celebrações evangelizadas e evangelizadoras, a “Pastoral DA Liturgia” se serve de uma antiquíssima tradição litúrgica da Igreja, que ´é a pedagogia mistagógica. Mesmo que o curso da “Pastoral DA Liturgia” faça referência à pedagogia mistagógica, a esta atividade — de como preparar e realizar celebrações mistagógicas — dedicarei um outro curso. No momento é tempo de tomar contato com a “Pastoral DA Liturgia” para se criar um movimento em favor da dimensão “Pastoral DA Liturgia”.

 
A Liturgia a serviço da evangelização
É com a finalidade de criar um processo evangelizador nas celebrações litúrgicas de todos os Sacramentos e Sacramentais, mas especialmente nas celebrações Dominicais da Eucaristia ou da Palavra (onde não se celebra a Missa) que proponho o curso “Pastoral DA Liturgia”.

 A celebração que não evangeliza, repito Papa Francisco (DD 37) não é autêntica. Por isso, a sugestão para pensar a Liturgia de modo diferente, sempre mais e cada vez mais evangelizada e mais evangelizadora. Ou seja, celebrações onde a comunicação litúrgica, em todas as suas formas e movimentos, semeie sementes do Evangelho no coração-terreno dos celebrantes (Mt 13,1-9).

 Se você percebeu a importância de valorizar a dimensão da “Pastoral DA Liturgia”, para que as celebrações de sua comunidade paroquial sejam mais evangelizadas e evangelizadoras, convido você a me acompanhar nesta caminhada, que talvez esteja dando os primeiros passos, de pensar a Liturgia de modo diferente, mais evangelizada e mais evangelizadora. N

 Creio que você está começando a entender que não basta que a Missa e todos as celebrações de Sacramentos e Sacramentais comecem no começo com o Sinal da Cruz e terminem no fim com a bênção do envio. Existe uma necessidade maior que isso: é preciso que as celebrações litúrgicas sejam momentos evangelizados e evangelizadores.

 Para conhecer um pouco mais este meu trabalho e minha proposta, convido você a clicar no link:

https://lp.liturgia.pro.br/pastoral-da-liturgia

 

Serginho Valle
São José do Rio Preto, abril de 2024

 

 




15 de jul. de 2023

Pessoal do fundo da igreja

Por um bom tempo acompanhei a luta do padre de uma comunidade para trazer o pessoal para frente, durante as celebrações, especialmente, na missa. Convidava por bem, fazia apelos sorrindo para que viessem mais para frente e nada. Um dia, na missa da tarde, entrei na igreja e o fundo estava com as luzes apagadas. Fui preparar-me para fazer a leitura e, antes da procissão de entrada, ele me falou: vou escurecer o fundo para ver se os “devotos da porta” vêm para frente.

            Ele sentia-se mal celebrando as missas durante a semana, com uma espécie de vácuo, no meio da assembleia. Na frente ficavam as senhoras do Apostolado da Oração, outro grupo da RCC e mais alguns devotos... logo em seguida, bancos vazios e, lá no fundo, um grupo de pessoas que chegavam cedo para ocupar os últimos bancos. Alguns gostavam tanto de ficar nos últimos bancos que ficavam na parede do fundo, caso não encontrassem lugar no banco derradeiro. Mas, com a luz apagada, o padre tinha os devotos iluminados na frente e os “devotos da porta”, apagados no fundo da igreja.

            Quando acabou a missa, ele ficou impressionado com a teimosia dos banqueiros da última fila. Mesmo às escuras preferiam ficar lá no fundo. Isso já tinha virado causa de honra e eu, como outros, ficávamos na expectativa para ver quem iria ganhar: o padre ou os banqueiros da última fila. Um dia, ele quase levou um altar para o fundo da igreja. Celebrar naquelas condições lhe fazia mal. Foi numa reunião para preparar a celebração dessa Domingo que alguém comentou que o publicano parecia os banqueiros da última fila. Caiu a ficha! Quer dizer, entrou o respeito pelo jeito de rezar de quem ficava no fundo da igreja. Na reunião, fizemos uma prece pelo nosso pessoal do fundo da igreja, o padre voltou a iluminá-los e um dia relembrando o caso, comentou comigo: “um dia um senhor chegou para mim e disse que ficava no fundo da igreja porque tinha vergonha da roupa; vinha do trabalho e antes de voltar para casa, participava da missa. Vinha suado e, por isso, preferia ficar lá no fundo da igreja. Era um alcoólatra em recuperação.” Tinha trocado o bar pela igreja, mas no banco do fundo.

            Brincando, lembro que comentei que reparei que ele abria mais os braços na bênção final. Ele respondeu sério: “é verdade, é para tocar os banqueiros da última fila, eles precisam de um carinho abençoado.”

Serginho Valle
Julho 2023

 

1 de jul. de 2023

Música nas celebrações batismais

 

Todas as celebrações litúrgicas que contam com assembleias contemplam a música como rito litúrgico e como meio participativo na celebração. Isto é muito claro nas celebrações Eucarísticas e nas celebrações sacramentais como Matrimônio, Crisma, Ordenação e nas celebrações do Batismo. Vamos considerar a música nas celebrações batismais.

 
Uma curiosidade 

    Mesmo que a História da Igreja registre que se batiza crianças desde os seus primórdios, o Rito de Batismo das Crianças é o mais recente de todos. Foi elaborado depois da reforma litúrgica do Concílio Vaticano II. Antes do ritual atual, usava-se o Ritual de Batismo para Adultos, adaptado para crianças.

Três características marcam o antigo rito do Batismo: era em latim e só o padre o compreendia, como só o padre compreendia, ele fazia tudo sozinho. A terceira característica, os celebrantes assistiam e ficavam calados em quase toda celebração. São características que levaram muitos autores a interpretar (sem menção a qualquer tipo de juízo) que o “padre “fazia” os novos cristãos”. Uma mentalidade que nunca esteve presente na Teologia Litúrgica do Batismo católico.

No contexto proposto pela Reforma da Liturgia (1963), as celebrações ganham uma dimensão participativa e pastoral. Duas dimensões, a participativa e a pastoral, com a finalidade de favorecer a participação e a compreensão do rito.

 

Estrutura da celebração do Batismo das Crianças

Como acontece com todas as celebrações da Liturgia Romana, a celebração do Batismo das Crianças também é estruturada em 4 partes: Ritos iniciais, Liturgia da Palavra, Liturgia Sacramental e os Ritos Finais.

Se a estrutura celebrativa, no modo como era celebrado o Batismo de Crianças antes da Reforma Litúrgica, indicam passividade, a celebração batismal pós concílio é muito dinâmica e alegre. O dinamismo é percebido desde a acolhida dos pais e padrinhos, na porta da igreja, convidando-os a entrar para celebrar o batizado do filho ou da filha. A alegria é própria do nascimento de uma criança dentro da família e para isso contribui, e muito, a música na celebração do Batismo das Crianças.

Por isso, o primeiro critério para escolher as músicas para uma celebração batismal de crianças é a alegria. Escolher músicas alegres, para que a dinâmica e a alegria celebrativa do Batismo possam transparecer ainda mais. Outro critério, ainda na generalidade, é escolher canções que destaquem os ritos e as liturgias da celebração do Batismo de crianças. Por exemplo: a música inicial será de acolhida, de boas-vindas; no momento do batizado, o rito pede uma música que fale da vida nova, etc...

 

Menções de canções

O ritual do Batismo de Crianças (1999) destaca os seguintes momentos para cantar no batizados de crianças:

    acolhida dos pais, padrinhos e das crianças, na porta da igreja (n. 37) 

    durante a assinalação das crianças (n. 44)

    procissão de entrada, da porta da igreja até o ambão (n. 45)

    preparando a Liturgia da Palavra, com o canto de um refrão (n. 47)

    ladainha de todos os santos (n. 52)

    durante a procissão ao batistério, cantar a Ladainha de Todos os Santos (n. 61)

    durante os batizados, se o número de crianças for muito grande (n. 76)

    durante a aspersão da assembleia, depois dos batizados (n. 78)

    aclamação ao receber a Luz de Cristo, no Círio Pascal (n. 83)

    durante a procissão do batistério ao altar, com as velas acesas (n. 89)

    depois da “devoção (consagração) à Maria” (n. 95)

O ritual não se prevê canto final, mas pode-se cantar uma canção.

 

Equipes de celebrações para Batismo de Crianças

            Minha última anotação é sobre a necessidade da equipe de celebração no Batismo de Crianças. No ritual usado antes da reforma litúrgica (1963), o padre conseguia fazer tudo sozinho, porque tudo dependia dele. Hoje, o rito pede participação e para isso acontecer é necessária a presença de uma equipe de celebração para o Batismo de Crianças. Como estou tratando de música na celebração do Batismo, destaco que o ministério da música participa da equipe de celebração do Batismo.

Serginho Valle
Julho 2023

           

15 de abr. de 2023

Música e silêncio

 


Silêncio e música são irmãos. Não é possível, especialmente tratando de Música Litúrgica, a ausência do diálogo entre música e silêncio. O silêncio é necessário para que a música cante no coração e na mente dos celebrantes e, de outro lado, a música interrompe o silêncio para expressar o que está sendo celebrado. São dois irmãos que atuam em forma de diálogo celebrativo. 
    É diante desse quadro, que vamos considerar alguns elementos da Música, na celebração da Eucaristia, pontuando quatro momentos celebrativos: cantar de modo orante, o silêncio antes da Missa, os ritos silenciosos, o silêncio na Oração Eucarística e o equilíbrio dialógico entre música e silêncio.

 
Cantar e tocar instrumentos de modo orante  

    No documento litúrgico “Musicam sacram” (n. 17), duas coisas chamam atenção: a finalidade do silêncio não é reduzir os celebrantes a expectadores, mas com a ajuda, inclusive da música, introduzi-los de modo mais interiorizado no mistério celebrado. Neste sentido, a música tem a função de conduzir ao silêncio e de ajudar os celebrantes a tornar o silêncio frutuoso. Isto é facilitado com canções orantes em suas poesias e no modo de executá-las. É um convite a analisar a poesia das canções e o modo de executar as canções. 
Músicas tocadas e cantadas agressivamente, de forma barulhenta... em vez de ajudar os celebrantes a descansar na oração silenciosa, dispersa-os. Considerando que o barulho agride os ouvidos dos celebrantes e os dispersa, é cada vez mais importante valorizar a arte de usar liturgicamente os instrumentos musicais e de cantar interpretando liturgicamente as canções.

 

Silêncio antes da Missa  
    Nas Instruções Gerais do Missal Romano (IGMR 45) encontramos dois aspectos importantes: existem “silêncios” diferenciados e, a importância do silêncio antes da Missa. O silêncio antes da Missa é importante para favorecer o clima de oração e de tranqüilidade antes de entrar na celebração. Por isso, a recomendação se faz oportuna para que haja silêncio também naqueles locais onde os ministros se preparam para participar da celebração, como por exemplo, na sacristia. 
    Dentro da igreja, o espaço celebrativo deveria acolher os celebrantes com o silêncio ou, quem sabe, uma música suave (instrumental ou gregoriano), tocando no sistema de som da igreja, antes da celebração começar. É antipático ser acolhido com afinações de instrumentos ou músicos testando microfones. Além de antipático favorece a dispersão de quem chega. Por isso, os músicos estejam devidamente preparados com antecedência para evitar ajustes barulhentos de última hora. Quando isto for necessário, o local é a sacristia ou a sala dos ministérios.

 
Ritos silenciosos  
    Quanto às diversas modalidades de silêncio na celebração, é útil recordar que alguns ritos são participados  pelo próprio silêncio. É o caso da preparação ao ato penitencial. O rito prevê um espaço de silêncio e um momento silencioso antes da invocação penitencial. Por isso, entrar com fundo musical é invadir e destruir o rito, impedindo que se realize no modo como é proposto: silenciosamente. 

O silêncio na Liturgia da Palavra, por exemplo, é um silêncio de audição; quer dizer, uma atitude educada de quem se dispõe a silenciar para ouvir Deus falando pela sua Palavra. O músico que afina instrumentos ou fica treinando acordes para o salmo responsorial demonstra-se mal educado, a ponto de não respeitar a voz de Deus falando na assembléia. Pode acontecer que algum instrumento desafine. Nesse caso, o melhor é sair da igreja, discretamente, para afinar os instrumentos na sacristia. 
    Destaque especial merece a notação do silêncio depois da comunhão. É um silêncio importante; silêncio ritual destinado à oração pessoal silenciosa. Não é momento para rezar com fórmulas ou fazer devoções eucarísticas. É silêncio ritual de oração para proporcionar a oração pessoal. Isto significa que os celebrantes sejam educados para silenciar e deixar o Espírito Santo rezar neles. Se um instrumentista entra e começa a tocar um solo instrumental, mesmo que seja ótimo no que faz, provoca ruído porque invade o rito silencioso que é próprio daquele momento. Depois do silêncio e como continuação do mesmo, então sim... então pode-se cantar uma canção de agradecimento, de louvor ou de compromisso com a celebração. 
    Conta muito, neste caso, o jeito de tocar, o jeito de executar os instrumentos. O pessoal do Ministério da Música precisa compreender que devem entrar no silêncio na ponta dos pés, com acordes baixos, tom suave e jeito de cantar suave. Passa-se do silêncio ao cantar sussurrado até o cantar com voz alta. Esta é uma sensibilidade que ainda precisa ser aprendida em muitas comunidades.

 
Silêncio na Oração Eucarística  

    Para aqueles músicos que sempre exigiam algum texto escrito por Roma para silenciar na hora da consagração, eis um documento da Santa Sé é claro neste sentido. Estou falando da “Redemptionis Sacramentum” (n. 53). Ali diz que, durante a Oração Eucarística, se faz silêncio, inclusive silenciando os instrumentos. Tudo se cala diante do Mistério da Salvação presente no altar. Se existe uma invasão e uma demonstração de falta de sensibilidade litúrgica é esta de músicos cantando ou fazendo fundo musical durante a proclamação da Oração Eucarística.
    O mesmo vale para aqueles que cantam canções devocionais no momento da elevação do Corpo e Sangue consagrados ou em substituição à aclamação litúrgica do “Mistério da fé”. 
Por aclamações devocionais entende-se as canções “Eu te adoro hóstia divina”, “Deus está aqui”, “Viva Jesus na hóstia santa” e outras canções semelhantes. São canções de louvor Eucarístico, é claro, mas não apropriadas para serem cantadas depois da elevação do Pão e Vinho consagrados. Aliás, nem se deve cantar.


Equilíbrio dialógico entre música e silêncio  
    Por fim, a importância do equilíbrio entre a canção e o silêncio. Não se pode fazer uma celebração totalmente silenciosa e nem totalmente musicada. Por isso, a necessidade do equilíbrio que permite celebrar cantando e celebrar silenciando. A canção conduzindo ao silêncio e o silêncio preparando o louvor, a súplica, a canção.

Serginho Valle
Outubro 2021

 

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