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Oração e abraço da paz na Missa

Uma prece memorial, dirigida a Jesus Cristo, é o segundo rito da preparação para a Comunhão Eucarística. É o rito da paz, realizado com uma oração presidencial e concluída com o rito do gesto da partilha da paz e reconciliação.
Sendo oração presidencial, a prece pela paz é recitada somente pelo padre que preside a Eucaristia. A assembléia participa da prece em silêncio. Do ponto de vista comunicativo, isto tem sua função e importância. Algumas comunidades transformam os ritos preparatórios para a Comunhão Eucarística numa grande recitação de orações, começando pelo Pai nosso e concluindo no Cordeiro de Deus. Algumas comunidades nem mesmo respeitam a secreta da comunhão. Com o tempo isso torna-se automatizado e os celebrantes não se atentam para o que dizem, apenas vão recitando, transformando o rito que prepara a comunhão eucarística em falatório.
É considerando o processo ritual proposto pela Liturgia que se compreende o rito preparatório da Comunhão Eucarística como momento marcado por orações e pelo silêncio. Fora disso se deturpa o rito e se extravia a assembléia de sua finalidade.

Momento ritual da oração pela paz
Quanto ao momento ritual do abraço da paz, este tem sido motivo de várias considerações da parte dos liturgistas. Em tempos da história recente da Liturgia se pensou — e se pensa — em transferir o abraço da paz para antes da apresentação e preparação das  oferendas. Adotar-se-ia, neste caso, o mesmo momento ritual da Liturgia Ambrosiana. O motivo da troca está na passagem evangélica, na qual Jesus orienta a deixar a oferta diante do altar, se o oferente estiver necessitado de reconciliação fraterna (Mt 5,24). A oferta só é acolhida por Deus se o coração do oferente estiver em paz com o outro.
Mas, é este mesmo princípio evangélico de Mt 5,24 que fundamenta o rito da paz na nossa Liturgia Romana: a necessidade de estar reconciliado, estar em paz com todos, para se participar dignamente da Comunhão Eucarística. Existe, portanto, a necessidade de se estar em comunhão fraterna com todos para se comungar dignamente o Corpo e Sangue do Senhor. Neste sentido compreende-se que o rito da paz é essencialmente um rito de reconciliação. Comunga dignamente quem está reconciliado com Deus, consigo mesmo, isto é, estar em estado de graça, que é um estado de paz interior,  e com os irmãos e irmãs.
Hoje, o sentido reconciliador do abraço da paz nem sempre é considerado em algumas celebrações, principalmente quando transformam o rito da paz numa espécie de "recreio", onde se canta, bate-se palma, se abraça, se caminha pela igreja... Isto acontece entre os celebrantes e, também com alguns padres que abandonam o altar para andar pela igreja para distribuir abraços, beijos e cumprimentos. Além disso, existem os músicos desavisados, ou desconhecedores do sentido ritual do abraço da paz, que entoam canções falando de amigos, de amizades ou de uma “paz romanceada”. 

Música no abraço da paz?  
A segunda parte do rito da paz é celebrada com a partilha da paz, entre os celebrantes, por meio de um gesto fraterno. O gesto escolhido para partilhar a paz respeita os costumes de países e culturas. O Missal orienta que seja um gesto simples para não se perder o silêncio e o clima de oração próprios dos ritos preparatórios da comunhão. 
O rito do abraço da paz caracteriza-se pela atenção que se dedica a quem e com quem se está partilhando a paz. Não comporta, por este motivo, canções, aplausos, gestos de aceno a pessoas distantes ou coisas do gênero. O rito do abraço da paz realiza-se de modo sóbrio, simples e respeitoso de quem está diante de Jesus Cristo, presente na Eucaristia e, diante do outro.

Abraço da paz no final da Missa?
Alguns padres não realizam o abraço da paz no momento previsto e o transferem para o final da Missa, para antes ou depois da bênção final. É uma criatividade sem sentido litúrgico e desprovida de qualquer fundamentação Litúrgica-Teológica. Neste caso, não existe criatividade litúrgica, mas uma invenção pessoal.
Nada contra que se realizem despedidas no final da Missa entre os celebrantes desejando a paz, desejando uma boa semana repleta de paz e coisas do gênero. O que é estranho é transferir um rito, que é preparatório para a Comunhão Eucarística, para um momento ritual que cumpre a finalidade reconciliadora em preparação à Comunhão Eucarística. E assim se procedendo, não deixa de ser manifestação de um desconhecimento da finalidade do rito da paz e da sua fundamentação teológica.
Serginho Valle
2017


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