A Quaresma é um período importante para os cristãos, um tempo de reflexão, conversão e renovação espiritual. Uma das propostas da Igreja, nesse contexto, é a Campanha da Fraternidade, que busca ressaltar a responsabilidade social do cristão. Tal proposta, contudo, nem sempre é bem acolhida pela dificuldade de relacionar a religião com questões sociais.
Para muitos, a religião é algo a ser vivido dentro da Igreja, sem impacto direto nas questões sociais e cotidianas. É uma visão em desacordo com a Doutrina Social da Igreja que, como ensinava Papa Bento XVI em sua mensagem de Quaresma de 2006, a Quaresma é um tempo para alinhar o nosso olhar com o olhar de Jesus Cristo; olhar para o mundo com compaixão e promover um desenvolvimento integral da pessoa e da sociedade com os valores do Evangelho. A proposta da Igreja, com a Campanha da Fraternidade, consiste em ajudar católicos e católicas e, em caso de Campanhas de Fraternidade ecumênica, ajudar os cristãos e cristãs a ter o mesmo olhar compassivo de Jesus diante do povo que é agredido por alguma questão social.
As celebrações litúrgicas, especialmente a Eucaristia e o Sacramento da Penitência, nos ajudam a adotar esse olhar de Jesus sobre as necessidades sociais, como suplica a Oração Eucarística para Diversas Circunstâncias IV, na versão da 2ª edição do Missal Romano: "Dai-nos olhos para ver as necessidades de nossos irmãos e irmãs." Esses olhos não são os olhos de interesse ou de indiferença; refere-se ao olhar como Jesus olhava para a multidão – com misericórdia, e não com julgamentos.
A tradução proposta pela 3ª edição do Missal Romano, intercede para que os olhos sejam abertos a fim de “perceber as necessidades dos irmãos e irmãs (...)” e conclui a súplica intercedendo a graça de a Igreja ser “testemunha viva da verdade e da liberdade, da justiça e da paz” que, entende-se, em vista de uma sociedade solidariamente fraterna. Neste sentido, a Liturgia, em sua dimensão evangelizadora, propõe aos celebrantes ler os sinais dos tempos com os mesmos critérios e valores do Evangelho para a convivência social, como diz a Oração Eucarística para Diversas Circunstâncias III, onde se suplica: “Fazei que todos os fiéis da Igreja, discernindo os sinais dos tempos à luz da fé, empenhem-se coerentemente no serviço do Evangelho.”
Com tais pressupostos, compreende-se que a Campanha da Fraternidade não é uma campanha política ou ideológica. Ela tem inspiração religiosa, cristã, que se inspira diretamente no olhar de Jesus. É um convite para que cada cristão seja mais sensível e compassivo às necessidades de seus irmãos e irmãs, especialmente aqueles que enfrentam consequências das injustiças sociais. Por isso, a Campanha da Fraternidade é uma oportunidade para viver a fé de maneira mais concreta, acolhendo os desafios sociais e promovendo o amor que Jesus nos ensinou.
A Igreja dentro da sociedade
A Igreja, ao se
inserir na sociedade, corre o risco de ser influenciada por ideologias
políticas, que, muitas vezes, se apresentam de forma sutil, capazes tentar e
desviar a finalidade do projeto evangelizador da Igreja. As ideologias, quando
entram em uma comunidade eclesial, agridem e dividem e, como todas as ideologias,
sem condições de oferecer soluções e, na maior parte das vezes, usando a
miséria e a desigualdade social para manipular. A Campanha da Fraternidade, no
contexto da dimensão evangelizadora da Liturgia, tem a função de ajudar os
celebrantes a perceber o pecado de ideologias que manipulam e impedem e, às
vezes, até matam a dignidade da vida humana em muitos setores da sociedade.
A Igreja, como
instituição, jamais pode se envolver com partidos políticos, uma vez que se
guia pela Doutrina Social da Igreja, que tem como base o Evangelho e busca
defender a dignidade humana em todas as esferas da vida social. A Campanha da
Fraternidade, que ocorre durante a Quaresma, pretende ser uma oportunidade de
iluminar a realidade social à luz do Evangelho, sem se deixar instrumentalizar
politicamente. A Igreja não é uma bolha que vive na sociedade como se não
pertencesse à sociedade, ao contrário, vive na sociedade como fermento (Mt
13,33), como sal da terra e como luz do mundo (Mt 5,13).
A espiritualidade da Quaresma
A Quaresma é um
tempo de conversão que não se limita à transformação pessoal, mas propõe também
a conversão eclesial e social. A Igreja renova sua consciência da necessidade
de conversão. Também a sociedade é necessitada de conversão para que a semente
do Evangelho seja semeada em terra boa e não em terrenos impropriados (Mt
13,38ss). Neste sentido, a Campanha da Fraternidade, não julga a sociedade, mas
convida a Igreja, convida os celebrantes, a ser cultivador do terreno social onde
lançar a semente boa do Evangelho para que produza frutos. Esta é uma dimensão
importante da espiritualidade da Quaresma em vista da conversão pessoal,
eclesial e social.
A Igreja, ao se
engajar com as questões sociais, adota o olhar de Jesus sobre a realidade do
mundo, especialmente sobre os mais pobres e marginalizados sociais. A
espiritualidade da Quaresma, representada pelo deserto e pelo silêncio, convida
os cristãos a refletirem sobre a vida e a realidade social, buscando, com os
olhos de Cristo, uma verdadeira mudança que também afete a sociedade, como pede
Papa Francisco tratando da Nova Evangelização. Por isso, a Quaresma não é um
tempo somente para pequenas penitências pessoais, é um momento favorável de
renovação social, no qual os cristãos se empenham em ações de caridade e
solidariedade. Este é um dos propósitos da Campanha da Fraternidade.
Práticas quaresmais e conversão social
A Quaresma
também é um tempo de práticas espirituais que visam a conversão não só pessoal,
mas também social, como proposto acima. As práticas de oração, penitência e
caridade não devem ser limitadas a gestos e atitudes unicamente de esforço
pessoal, como acontece com a privação de algum hábito (deixar de beber álcool,
não assistir filmes, não comer doce...) mas devem ser dirigidas para a
transformação da sociedade. Fazer um esforço para o bem comum proposto pela
Campanha da Fraternidade. Neste ano de 2025, por exemplo, o esforço do cuidado
da “casa comum” através da ecologia integral.
A
espiritualidade quaresmal da Liturgia não pode ser isolada do contexto social, mas
propõe a luz do Evangelho sobre as injustiças e as desigualdades sociais, como
no caso da depredação ecológica, tema da Campanha da Fraternidade de 2025. O
compromisso com a caridade social deve ser concreto, com ações que promovam a
justiça e a dignidade humana, e não se reduzir a ideologias ou políticas
partidárias.
Conclusão:
Com a finalidade
de aprofundar este tema, gravei uma catequese litúrgica publicada no meu canal
de Youtube — Lectio Liturgica —, que você acesse pelo endereço https://youtu.be/jl8B3BUvkAM
É uma catequese
litúrgica, na qual desenvolvo o tema de modo mais aprofundado com a metodologia
catequética para refletir e compreender como a Igreja entende a necessidade e
os motivos para realizar a Campanha da Fraternidade no tempo da Quaresma.
A verdadeira
conversão que a Quaresma pede é aquela que transforma a vida pessoal, a vida eclesial
e a comunidade social em um compromisso com a justiça, a solidariedade e a
dignidade humana à luz do Evangelho.
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