A tradição cristã, enraizada na fé hebraica, sempre atribuiu lugar central e especial à Palavra de Deus. Tanto que as religiões judaica e cristã são conhecidas como “religião da Palavra”. É pela Palavra que Deus cria e sustenta o universo; é ela que ilumina e orienta o povo no caminho da salvação, é a Palavra que conduz o fiel ao bom caminho. O ponto culminante da Palavra, contudo, não se concentra apenas no som audível, no que escutamos. A plenitude da Palavra está na Encarnação: em Jesus Cristo, o Verbo que se fez carne. Como declara São João: “Logos sarx egheneto” – “A Palavra se fez carne” (Jo 1,14). Aqui encontra-se o ápice da Palavra de Deus.
Este é um motivo mais que suficiente para compreender porque a Liturgia oferece atenção especial à Palavra em suas celebrações. Porém, há um Mistério profundo que não podemos esquecer: a Palavra encarnada foi silenciada na Cruz, e a tentativa de calar Deus culminou na morte de Jesus. Esse silêncio, no entanto, não foi o fim. Pelo contrário, foi a semente que, ao cair na terra, gerou frutos de vida e tornou-se o alicerce da Igreja. Jesus profetizou: “Se o grão de trigo não cair na terra e morrer, ficará só; mas, se morrer, produzirá muito fruto” (Jo 12,24).
Este é o
fundamento, a iluminação e o grande aprendizado para o Ministro da Palavra: ele
é um semeador do Verbo; semeador da “semina verbum”. Sua missão é manter
viva essa Palavra, semeando-a em sua comunidade e além dela, testemunhando
aquilo que proclama do ambão pelo seu modo de viver. Ele não apenas proclama um
texto, mas planta a semente divina no coração dos celebrantes, confiando que
essa Palavra encontrará terreno fértil e produzirá frutos.
A Liturgia e a Palavra viva
Há muitas formas
de entrar em contato com a Palavra: oração, estudo, meditação, silenciamento
interior entre outras mais. Contudo, a Liturgia é a experiência mais profunda e
transformadora de se estar em contato com a Palavra de Deus. Na celebração
litúrgica, a Palavra é proclamada, contemplada no silêncio e semeada com
solenidade para gerar vida divina (santificação) nos corações dos celebrantes.
É essa solenidade dedica à Palavra que exige do leitor e da leitora o
compromisso de proclamar a Palavra com reverência, técnica comunicativa e
sensibilidade espiritual.
A Liturgia é a
guardiã da Palavra e o espaço onde a Palavra de Deus se torna “viva, eficaz
e mais penetrante que uma espada de dois gumes” (Hb 4,12). Na proclamação litúrgica da Palavra, vivemos o mesmo
mistério dos discípulos de Emaús: o Senhor fala, e nossos corações ardem ao
ouvi-lo (Lc 24,32). Essa experiência responsabiliza
ainda mais o papel do leitor: a Palavra não foi dada para permanecer em
silêncio, nos livros, mas para ser anunciada com força e clareza, alcançando o
mais íntimo dos celebrantes. E para isso, além da técnica, é preciso a vivência
da Palavra.
Os símbolos que
envolvem a proclamação da Palavra – a semente, a espada, o alimento – destacam
a responsabilidade do Ministério do Leitorato. O ambão, como “mesa da
Palavra”, lembra que a Palavra é alimento espiritual. Assim, o leitor e a
leitora se tornam instrumentos de Deus, emprestando sua voz e seu coração para
que a Palavra nutra a vida cristã e frutifique na comunidade. Para isso, como
um garçom que leva comida até seus clientes, o leitor deve ter a Palavra na
bandeja do seu coração para levar este alimento até os celebrantes.
O silêncio e a Palavra
O Mistério da
Palavra também está envolvido pelo silêncio. Assim como a luz precisa da
escuridão para brilhar, a Palavra necessita do silêncio para ser ouvida e
acolhida. O leitor e a leitora devem ser, antes de tudo, ouvintes da Palavra,
deixando-a ressoar no íntimo de seus corações. E para isso, os leitores são
pessoas que conhecem a arte do silenciamento espiritual. Como diz o
Evangelho: “A boca fala daquilo que o coração está cheio” (Mt 12,34). É pelo silêncio que a semente da
Palavra entra no coração do leitor e da leitora antes de ser proclamada e partilhada
na assembleia litúrgica.
Esse silêncio
interior alimenta a espiritualidade do leitor e da leitora. Proclamar a Palavra
não se resume a uma tarefa funcional, é um chamado — talvez seja melhor dizer
que se trata de uma provocação — a vivê-la com autenticidade. Quem lê a Palavra
deve ser, antes, alguém iluminado por ela, ser alimentado e senti-la como aquela
espada de penetra profundamente na vida pessoal (Hb
4,12). A vivência, fruto do acolhimento da Palavra, transforma a
proclamação em um testemunho que toca e converte.
Portanto, a
escolha de quem exerce o Ministério do Leitor não pode ser casual. Feita minutos
antes de começar a Missa, por exemplo. Mesmo que não encontremos santos e
santas perfeitos para essa missão, é essencial buscar leitores e leitoras que
respeitem a dignidade da Palavra, dedicando-se à sua preparação e proclamando-a
de forma a impactar profundamente a vida da comunidade. Afinal, a Palavra de
Deus nunca volta vazia, mas sempre cumpre a missão para a qual foi enviada (cf. Is 55,10-12). Se a Palavra não produzir o
que diz a profecia de Isaias, nem mesmo na vida do leitor e da leitora, talvez seja
necessário rever o que acontece.
Que este breve
itinerário sobre o Ministério do Leitor inspire um renovado amor à Palavra e a
consciência de que proclamar a Palavra na Liturgia é, antes de tudo, um ato de
fé e serviço à vida da Igreja, que exige a responsabilidade testemunhal da parte
do leitor e da leitora.
Serginho Valle
Dezembro de 2024