7 de dez. de 2024

O MINISTÉRIO DO LEITOR E DA LEITORA NA LITURGIA DA PALAVRA

 

A tradição cristã, enraizada na fé hebraica, sempre atribuiu lugar central e especial à Palavra de Deus. Tanto que as religiões judaica e cristã são conhecidas como “religião da Palavra”. É pela Palavra que Deus cria e sustenta o universo; é ela que ilumina e orienta o povo no caminho da salvação, é a Palavra que conduz o fiel ao bom caminho. O ponto culminante da Palavra, contudo, não se concentra apenas no som audível, no que escutamos. A plenitude da Palavra está na Encarnação: em Jesus Cristo, o Verbo que se fez carne. Como declara São João: “Logos sarx egheneto”“A Palavra se fez carne” (Jo 1,14). Aqui encontra-se o ápice da Palavra de Deus.

Este é um motivo mais que suficiente para compreender porque a Liturgia oferece atenção especial à Palavra em suas celebrações. Porém, há um Mistério profundo que não podemos esquecer: a Palavra encarnada foi silenciada na Cruz, e a tentativa de calar Deus culminou na morte de Jesus. Esse silêncio, no entanto, não foi o fim. Pelo contrário, foi a semente que, ao cair na terra, gerou frutos de vida e tornou-se o alicerce da Igreja. Jesus profetizou: “Se o grão de trigo não cair na terra e morrer, ficará só; mas, se morrer, produzirá muito fruto” (Jo 12,24).

 

Este é o fundamento, a iluminação e o grande aprendizado para o Ministro da Palavra: ele é um semeador do Verbo; semeador da “semina verbum”. Sua missão é manter viva essa Palavra, semeando-a em sua comunidade e além dela, testemunhando aquilo que proclama do ambão pelo seu modo de viver. Ele não apenas proclama um texto, mas planta a semente divina no coração dos celebrantes, confiando que essa Palavra encontrará terreno fértil e produzirá frutos.

 

A Liturgia e a Palavra viva

Há muitas formas de entrar em contato com a Palavra: oração, estudo, meditação, silenciamento interior entre outras mais. Contudo, a Liturgia é a experiência mais profunda e transformadora de se estar em contato com a Palavra de Deus. Na celebração litúrgica, a Palavra é proclamada, contemplada no silêncio e semeada com solenidade para gerar vida divina (santificação) nos corações dos celebrantes. É essa solenidade dedica à Palavra que exige do leitor e da leitora o compromisso de proclamar a Palavra com reverência, técnica comunicativa e sensibilidade espiritual.

 

A Liturgia é a guardiã da Palavra e o espaço onde a Palavra de Deus se torna “viva, eficaz e mais penetrante que uma espada de dois gumes” (Hb 4,12). Na proclamação litúrgica da Palavra, vivemos o mesmo mistério dos discípulos de Emaús: o Senhor fala, e nossos corações ardem ao ouvi-lo (Lc 24,32). Essa experiência responsabiliza ainda mais o papel do leitor: a Palavra não foi dada para permanecer em silêncio, nos livros, mas para ser anunciada com força e clareza, alcançando o mais íntimo dos celebrantes. E para isso, além da técnica, é preciso a vivência da Palavra.

 

Os símbolos que envolvem a proclamação da Palavra – a semente, a espada, o alimento – destacam a responsabilidade do Ministério do Leitorato. O ambão, como “mesa da Palavra”, lembra que a Palavra é alimento espiritual. Assim, o leitor e a leitora se tornam instrumentos de Deus, emprestando sua voz e seu coração para que a Palavra nutra a vida cristã e frutifique na comunidade. Para isso, como um garçom que leva comida até seus clientes, o leitor deve ter a Palavra na bandeja do seu coração para levar este alimento até os celebrantes.

 

O silêncio e a Palavra

O Mistério da Palavra também está envolvido pelo silêncio. Assim como a luz precisa da escuridão para brilhar, a Palavra necessita do silêncio para ser ouvida e acolhida. O leitor e a leitora devem ser, antes de tudo, ouvintes da Palavra, deixando-a ressoar no íntimo de seus corações. E para isso, os leitores são pessoas que conhecem a arte do silenciamento espiritual. Como diz o Evangelho: “A boca fala daquilo que o coração está cheio” (Mt 12,34). É pelo silêncio que a semente da Palavra entra no coração do leitor e da leitora antes de ser proclamada e partilhada na assembleia litúrgica.

 

Esse silêncio interior alimenta a espiritualidade do leitor e da leitora. Proclamar a Palavra não se resume a uma tarefa funcional, é um chamado — talvez seja melhor dizer que se trata de uma provocação — a vivê-la com autenticidade. Quem lê a Palavra deve ser, antes, alguém iluminado por ela, ser alimentado e senti-la como aquela espada de penetra profundamente na vida pessoal (Hb 4,12). A vivência, fruto do acolhimento da Palavra, transforma a proclamação em um testemunho que toca e converte.

 

Portanto, a escolha de quem exerce o Ministério do Leitor não pode ser casual. Feita minutos antes de começar a Missa, por exemplo. Mesmo que não encontremos santos e santas perfeitos para essa missão, é essencial buscar leitores e leitoras que respeitem a dignidade da Palavra, dedicando-se à sua preparação e proclamando-a de forma a impactar profundamente a vida da comunidade. Afinal, a Palavra de Deus nunca volta vazia, mas sempre cumpre a missão para a qual foi enviada (cf. Is 55,10-12). Se a Palavra não produzir o que diz a profecia de Isaias, nem mesmo na vida do leitor e da leitora, talvez seja necessário rever o que acontece.

 

Que este breve itinerário sobre o Ministério do Leitor inspire um renovado amor à Palavra e a consciência de que proclamar a Palavra na Liturgia é, antes de tudo, um ato de fé e serviço à vida da Igreja, que exige a responsabilidade testemunhal da parte do leitor e da leitora.

Serginho Valle
Dezembro de 2024

 

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