11 de out. de 2025

Liturgia e Peregrinação: celebrar o caminho que nos leva ao encontro com Deus

A primeira vez que ouvi falar sobre Liturgia e peregrinação foi durante uma aula de Exegese, lá pelo segundo ou terceiro ano do curso de Teologia. Estávamos mergulhados no estudo dos Livros Sapienciais, mais precisamente no Livro dos Salmos.

O professor era o pastor luterano Milton Schwantes, um estudioso que tinha o dom de aproximar a Bíblia da vida. Ele nos ajudava a perceber o que o salmista estava vivendo e, assim, trazia a experiência do texto para dentro da nossa própria história. Na prática, era como se o leitor se tornasse um “novo salmista”, em comunhão com aquele que um dia rezou e cantou as mesmas dores e alegrias relatadas no salmo.

No Salmo 121, o salmista, tomado de alegria, reza:

“Que alegria quando me disseram: vamos à casa do Senhor! Meus pés agora se detêm diante das tuas portas, ó Jerusalém!”

O salmo revela a alegria do peregrino que caminha com fé. Não é o entusiasmo de um turista religioso, mas a emoção de quem parte movido pelo desejo de se encontrar e fazer experiência de contato com o sagrado: viver o encontro com Deus, na companhia de outros, homens e mulheres da mesma idade, que partilham a mesma esperança.

Esta é uma experiência profundamente litúrgica que o peregrino experimenta quando celebra a Eucaristia, por exemplo, juntamente com outros peregrinos e peregrinas. O turista, no mesmo santuário, se distrai e a Missa se torna longa. O peregrino e a peregrina sentem a comunhão espiritual e o calor humano de todos que vivem a mesma alegria de estar perto de Deus: é a alegria de estar na casa do Senhor (Sl 121) e não o prazer de estar em um monumento turístico.


A esperança que sustenta cada passo

O peregrino carrega muito mais do que uma mochila. Ele leva sua história inteira: dores, perguntas, lembranças e, sobretudo, uma grande esperança — esperança de cura, de mudança, de respostas que só Deus pode oferecer. É toda essa motivação interior que dá sentido à caminhada, que se chama peregrinação, e mantém os olhos fixos na meta.

Há peregrinos e peregrinas que caminham para suplicar; outros, para agradecer. Mas todos partilham a mesma fé e esperança no mesmo caminho e na mesma caminhada: a certeza de que cada passo tem valor diante de Deus.

A fé do peregrino e da peregrina é visível no “pagamento da promessa” e no momento da celebração litúrgica. Padres que trabalham em santuários partilham que a confissão de um peregrino é diferente da confissão de quem, apenas, visita o santuário e “aproveita” para confessar. A experiência litúrgica do peregrino, no caso da confissão, é fortalecida pelo propósito de mudança de vida. Não apenas “aproveitar” o momento da visita ao santuário para a desobrigação de confessar-se. Em certo sentido, a experiência da peregrinação ajuda a levar a Liturgia a sério no que se refere ao compromisso.

A peregrinação contém três elementos fundamentais:

  • o risco, porque o peregrino deixa a segurança do conhecido para enfrentar o incerto;
  • a fadiga, o esforço real de caminhar, sentir o peso da mochila, enfrentar o cansaço e, mesmo assim, saborear a paisagem e o silêncio;
  • a meta, que não é apenas um ponto no mapa, mas o sentido profundo de todo o percurso.

E é bonito perceber: mesmo quando a chegada acontece, a busca não termina, porque Deus sempre chama a ir mais além. Quando o cansaço é recompensado pela alegria da chegada — como canta o salmista do Salmo 121 — o peregrino se sente revigorado e, em seu coração, já nasce o desejo de refazer o caminho. Somos, afinal, homo viator, seres em constante travessia. Peregrinar é fazer conscientemente a experiência que somos viajantes espirituais — sempre em movimento, sempre com o coração voltado para o céu.

Este fato é conhecido de muitos peregrinos e peregrinas que fazem longas peregrinações, como o “Caminho da fé”, aqui no Brasil, ou o “Caminho de Santiago”, da França à Compostela, na Espanha. Depois de contar a experiência é comum ouvir deles: “se eu puder repetir, vou fazer novamente”. Um desses peregrinos, que conheci, me perguntava: por que a Missa na minha comunidade não é igual ao do santuário? Novamente, a Liturgia tem sentido quando nela se celebra intensamente a caminhada da vida nas estradas da história.

O turista apenas visita o santuário, o peregrino faz experiência de se encontrar com Deus no santuário. O turismo religioso não consegue oferecer a experiência do peregrino porque é marcado pela comodidade. A peregrinação não tem nada de cômodo, mas o esforço de caminhar e vencer o cansaço. O turismo religioso e o peregrino chegam ao mesmo destino, mas de modos diferentes, por isso a experiência de um é profunda e do outro é apenas fotográfica. O peregrino fala de uma experiência, o turista fala de uma lembrança.


O silêncio que acolhe e transforma

Quando o peregrino chega ao destino, experimenta uma sensação única: a de estar em um lugar sagrado. Não é apenas a beleza arquitetônica que impressiona, como acontece com o turista, mas a presença de Deus que percebe e sente. Santuários, igrejas, capelas de beira de estrada… o que os torna especiais é a experiência viva do sagrado. É a experiência que marca a vida e não apenas um registro fotográfico.

E então, vem o silêncio — um silêncio diferente, cheio de significado. É o silêncio que acolhe e cura, que ajuda a fazer as pazes com o passado, a encontrar equilíbrio no presente e a sonhar um futuro mais leve. Nesse silêncio, o peregrino descobre que a viagem não foi apenas geográfica, mas também interior. Eis outra grande diferença entre o peregrino e o turista religioso. O peregrino descansa seu cansaço na paz do seu coração. Essa experiência — a peregrinação interior — está presente em inúmeros relatos de homens e mulheres que se puseram a caminho para fazer a experiência de peregrinos e peregrinas.

A peregrinação torna-se, no fundo, um convite à conversão: sair de si mesmo, abrir-se a Deus, caminhar fraternalmente com quem caminha lado a lado. Isso se torna mais forte no momento da celebração; é a experiência de celebrar com quem faz o mesmo caminho da vida comigo sentindo-se peregrino com o outro e como o outro.

Concluindo

Escrevi este artigo porque, recentemente, um amigo meu voltou a comentar, pela enésima vez, sua experiência de peregrino no “caminho da fé”, que sai de Minas Gerais e termina no Santuário de Nossa Aparecida. Contou do caminho e falou da celebração. Nunca mais esqueceu aquela Missa e a sua confissão. Partilhei com ele minhas peregrinações, especialmente uma que me marcou: a peregrinação ao Santuário de Nossa Senhora de Lourdes, na França. Ainda hoje, sinto o silêncio da gruta de Nossa Senhora e o terço que rezei sentado perto do rio que corta o espaço da construção do santuário.

Outro motivo é que ontem, 10 de outubro de 2025, vi várias reportagens e relatos em redes sociais de peregrinações de romeiros dirigindo-se para o Santuário de Aparecida. Por isso, este texto talvez seja um incentivo para você fazer a mesma experiência realizar uma peregrinação.

Serginho Valle
12 de outubro 2025
Data de peregrinação ao Santuário de Aparecida

 

4 de out. de 2025

Dia e local do batizado

Toda celebração litúrgica tem relação direta com o Mistério Pascal de Jesus Cristo. A palavra “Mistério”, no contexto litúrgico, não tem o significado de “misterioso”, incompreensível, algo abstrato... mas refere-se a um acontecimento salvífico (uma intervenção, ou uma ação divina) que aconteceu na história. O nascimento de Jesus é um Mistério; é um acontecimento divino, manifestado na Encarnação e no seu nascimento da Virgem Maria, por exemplo. E, a palavra “pascal” é compreendida a partir da palavra hebraica “pessah”, que significa passagem. Assim, Mistério Pascal é um acontecimento histórico — que aconteceu na história humana — da passagem divina em algum momento da história humana.

 

A data (dia) do batizado

A Igreja considera que o ingresso no Mistério Pascal de Jesus Cristo realize-se solenemente em uma data especial: o Domingo.

 

A escolha do Domingo como dia do batizado tem relação com o Mistério Pascal de Jesus Cristo, fazendo com que o Batismo seja celebrado em sintonia com o grande mistério da Ressurreição de Jesus Cristo. Por isso, a Igreja orienta que, sempre que possível, os Batismos sejam realizados nos Domingos ou durante a Vigília Pascal, quando se celebra a Páscoa (passagem) de Cristo através da morte com a vitória final na sua Ressurreição.

 

Esse detalhe, que parece apenas uma escolha de data, na verdade está imbuído de um profundo significado teológico: o Batismo como mergulho no Mistério Pascal de Jesus Cristo. Quem é batizado, no dia que se celebra a Páscoa de Jesus Cristo, faz sua passagem pela Ressurreição de Jesus. Isto é, simbolicamente, representado pelo mergulho na água. É o rito e a celebração do renascimento para uma vida nova em Cristo.

 

Talvez você esteja se perguntando: Mas por que tanta preocupação com a data do Batismo? A resposta é simples e, ao mesmo tempo, profunda: a Liturgia é feita de sinais. O dia do Batismo é um sinal temporal, ligado à Ressurreição de Jesus Cristo, na qual o batizado (a pessoa batizada) é mergulhado no Mistério Pascal de Jesus.

 

O local do batizado

Outro elemento que, pela força do hábito, perdeu a força do significado, é a escolha do local: a igreja paroquial. No dia do batizado, toda a família, juntamente com a comunidade, se dirige à igreja paroquial para acompanhar a celebração do Batismo de mais um membro da comunidade.

 

Isso é significativo. Se antes, eu falava de um sinal temporal (dia), agora estou falando de um sinal espacial; é o local visível onde todos nós, sem distinção, nascemos da mesma fonte batismal. Essa fonte batismal encontra-se na igreja paroquial e, por esse motivo, também, a fonte batismal deve ser visível na igreja paroquial.

 

Por isso, a Igreja pede que o Batismo aconteça, sempre que possível, na igreja da comunidade, na fonte batismal, e de preferência em celebrações comunitárias. Não se trata apenas de uma questão de organização prática. É uma escolha pastoral que evita exclusões sociais e reforça o sentido de que todos, ricos e pobres, nascem da mesma fonte. Esta torna-se um sinal de fraternidade na mãe Igreja.

 

Essa orientação pastoral é muito importante para evitar que o Batismo se transforme em um evento privado, realizado em chácaras, salões ou locais reservados apenas para familiares que, entre possíveis motivos, consegue pagar um local especial e, desse modo, se distancia da comunidade, apresentando-se como alguém especial na comunidade. O Batismo é uma celebração da Igreja, e cada criança batizada, rica ou pobre, representa a alegria de toda a comunidade. Da mesma forma, quem é batizado também é acolhido por toda a comunidade, acolhida por ricos e pobres.

 

Concluindo

Se você quiser entender melhor o sentido de cada um desses aspectos — o dia, o local e a forma comunitária da celebração —, preparei uma série de vídeos especiais sobre o Batismo. São conteúdos que explicam em linguagem pastoral, de forma simples e acessível, o porquê de cada gesto do Batismo católico. Eu gravei vários vídeos sobre o Batismo explicando os ritos e seus significados. Para acessar a playlist sobre o Batismo basta clicar neste link: https://www.youtube.com/playlist?list=PL0h4xujwJqhmKKT4lcxrOwRtx2rfN5iro 

 

É sempre importante considerar que o Batismo é uma experiência de fé que envolve a comunidade inteira e celebra a vida nova em Cristo! O Batismo não é um ato isolado, é o início de uma caminhada na fé, que continua com a participação na vida da Igreja, que se prolonga com o acompanhamento espiritual e na educação cristã das crianças através da catequese e da participação nos demais Sacramentos.

Serginho Valle

Agosto 2025

 

Playlist BATISMO –

https://www.youtube.com/playlist?list=PL0h4xujwJqhmKKT4lcxrOwRtx2rfN5iro 

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