A primeira vez que ouvi falar sobre Liturgia e peregrinação foi durante uma aula de Exegese, lá pelo segundo ou terceiro ano do curso de Teologia. Estávamos mergulhados no estudo dos Livros Sapienciais, mais precisamente no Livro dos Salmos.
O professor era o pastor luterano Milton Schwantes,
um estudioso que tinha o dom de aproximar a Bíblia da vida. Ele nos ajudava a
perceber o que o salmista estava vivendo e, assim, trazia a experiência do
texto para dentro da nossa própria história. Na prática, era como se o leitor
se tornasse um “novo salmista”, em comunhão com aquele que um dia rezou
e cantou as mesmas dores e alegrias relatadas no salmo.
No Salmo 121, o salmista, tomado de alegria,
reza:
“Que alegria quando me disseram: vamos à casa do
Senhor! Meus pés agora se detêm diante das tuas portas, ó Jerusalém!”
O salmo revela a alegria do peregrino que
caminha com fé. Não é o entusiasmo de um turista religioso, mas a emoção de
quem parte movido pelo desejo de se encontrar e fazer experiência de contato
com o sagrado: viver o encontro com Deus, na companhia de outros, homens
e mulheres da mesma idade, que partilham a mesma esperança.
Esta é uma experiência profundamente litúrgica que
o peregrino experimenta quando celebra a Eucaristia, por exemplo, juntamente
com outros peregrinos e peregrinas. O turista, no mesmo santuário, se distrai e
a Missa se torna longa. O peregrino e a peregrina sentem a comunhão espiritual
e o calor humano de todos que vivem a mesma alegria de estar perto de Deus: é a
alegria de estar na casa do Senhor (Sl 121) e não o prazer de estar em um monumento
turístico.
A esperança que sustenta cada
passo
O peregrino carrega muito mais do que uma mochila.
Ele leva sua história inteira: dores, perguntas, lembranças e,
sobretudo, uma grande esperança — esperança de cura, de mudança, de
respostas que só Deus pode oferecer. É toda essa motivação interior que dá
sentido à caminhada, que se chama peregrinação, e mantém os olhos fixos na
meta.
Há peregrinos e peregrinas que caminham para
suplicar; outros, para agradecer. Mas todos partilham a mesma fé e esperança no
mesmo caminho e na mesma caminhada: a certeza de que cada passo tem valor
diante de Deus.
A fé do peregrino e da peregrina é visível no “pagamento
da promessa” e no momento da celebração litúrgica. Padres que trabalham em
santuários partilham que a confissão de um peregrino é diferente da confissão de
quem, apenas, visita o santuário e “aproveita” para confessar. A experiência
litúrgica do peregrino, no caso da confissão, é fortalecida pelo propósito de
mudança de vida. Não apenas “aproveitar” o momento da visita ao santuário para a
desobrigação de confessar-se. Em certo sentido, a experiência da peregrinação
ajuda a levar a Liturgia a sério no que se refere ao compromisso.
A peregrinação contém três elementos
fundamentais:
- o
risco,
porque o peregrino deixa a segurança do conhecido para enfrentar o
incerto;
- a
fadiga, o
esforço real de caminhar, sentir o peso da mochila, enfrentar o cansaço e,
mesmo assim, saborear a paisagem e o silêncio;
- a
meta,
que não é apenas um ponto no mapa, mas o sentido profundo de todo o
percurso.
E é bonito perceber: mesmo quando a chegada
acontece, a busca não termina, porque Deus sempre chama a ir mais além. Quando
o cansaço é recompensado pela alegria da chegada — como canta o salmista do
Salmo 121 — o peregrino se sente revigorado e, em seu coração, já nasce o
desejo de refazer o caminho. Somos, afinal, “homo viator”, seres em
constante travessia. Peregrinar é fazer conscientemente a experiência que somos
viajantes espirituais — sempre em movimento, sempre com o coração voltado para
o céu.
Este fato é conhecido de muitos peregrinos e
peregrinas que fazem longas peregrinações, como o “Caminho da fé”, aqui no
Brasil, ou o “Caminho de Santiago”, da França à Compostela, na Espanha. Depois
de contar a experiência é comum ouvir deles: “se eu puder repetir, vou fazer novamente”.
Um desses peregrinos, que conheci, me perguntava: por que a Missa na minha
comunidade não é igual ao do santuário? Novamente, a Liturgia tem sentido
quando nela se celebra intensamente a caminhada da vida nas estradas da
história.
O turista apenas visita o santuário, o peregrino
faz experiência de se encontrar com Deus no santuário. O turismo religioso não
consegue oferecer a experiência do peregrino porque é marcado pela comodidade. A
peregrinação não tem nada de cômodo, mas o esforço de caminhar e vencer o cansaço.
O turismo religioso e o peregrino chegam ao mesmo destino, mas de modos diferentes,
por isso a experiência de um é profunda e do outro é apenas fotográfica. O
peregrino fala de uma experiência, o turista fala de uma lembrança.
O silêncio que acolhe e
transforma
Quando o peregrino chega ao destino, experimenta
uma sensação única: a de estar em um lugar sagrado. Não é apenas a
beleza arquitetônica que impressiona, como acontece com o turista, mas a
presença de Deus que percebe e sente. Santuários, igrejas, capelas de beira
de estrada… o que os torna especiais é a experiência viva do sagrado. É a
experiência que marca a vida e não apenas um registro fotográfico.
E então, vem o silêncio — um silêncio
diferente, cheio de significado. É o silêncio que acolhe e cura, que
ajuda a fazer as pazes com o passado, a encontrar equilíbrio no presente e a
sonhar um futuro mais leve. Nesse silêncio, o peregrino descobre que a viagem
não foi apenas geográfica, mas também interior. Eis outra grande diferença
entre o peregrino e o turista religioso. O peregrino descansa seu cansaço na
paz do seu coração. Essa experiência — a peregrinação interior — está
presente em inúmeros relatos de homens e mulheres que se puseram a caminho para
fazer a experiência de peregrinos e peregrinas.
A peregrinação torna-se, no fundo, um convite à
conversão: sair de si mesmo, abrir-se a Deus, caminhar fraternalmente com quem
caminha lado a lado. Isso se torna mais forte no momento da celebração; é a
experiência de celebrar com quem faz o mesmo caminho da vida comigo sentindo-se
peregrino com o outro e como o outro.
Concluindo
Escrevi este artigo porque, recentemente, um amigo
meu voltou a comentar, pela enésima vez, sua experiência de peregrino no “caminho
da fé”, que sai de Minas Gerais e termina no Santuário de Nossa Aparecida.
Contou do caminho e falou da celebração. Nunca mais esqueceu aquela Missa e a
sua confissão. Partilhei com ele minhas peregrinações, especialmente uma que me
marcou: a peregrinação ao Santuário de Nossa Senhora de Lourdes, na França.
Ainda hoje, sinto o silêncio da gruta de Nossa Senhora e o terço que rezei
sentado perto do rio que corta o espaço da construção do santuário.
Outro motivo é que ontem, 10 de outubro de 2025, vi
várias reportagens e relatos em redes sociais de peregrinações de romeiros dirigindo-se
para o Santuário de Aparecida. Por isso, este texto talvez seja um incentivo
para você fazer a mesma experiência realizar uma peregrinação.
Serginho Valle
12 de outubro 2025
Data de peregrinação ao Santuário de Aparecida