23 de nov. de 2024

Renascer do alto: em busca da espiritualidade litúrgica

Nosso ponto de partida é a passagem do Apocalipse que diz: "quem é morno, eu vomito" (Ap 3,16). São João se refere aos cristãos e cristãs que, após terem contato com o Evangelho, não o assumem como estilo de vida. Essa postura provoca repulsa no “estômago divino” e leva a serem rejeitados. É uma expressão forte, sem dúvida, mas extremamente pertinente em todos os tempos. Não há espaço para a mornidão na vida cristã: ou se assume plenamente o Evangelho, ou se está fora do “coração” de Deus.

Aqui, o termo “estômago” carrega um simbolismo especial, remetendo ao lugar onde os alimentos são processados e se tornam fonte de energia para a vida. Assim também é o Evangelho: um alimento espiritual que precisa ser processado na vida espiritual de cada pessoa. Esse é um processo radical, porque, para Deus, não existe o meio-termo: ou somos d’Ele, ou não somos.

Assumir o Evangelho como alimento que gera saúde espiritual na vida cristã acontece em etapas. É um processo contínuo, não um evento único ou resultado de uma única experiência. Jesus nos ensina que é uma caminhada: começamos com um encontro transformador com Ele e seguimos adiante, até chegarmos à casa do Pai, onde existe um lugar preparado para aqueles que caminharam ao seu lado e se alimentaram do Evangelho (cf. Jo 14,2-4).

Esse processo envolve o anúncio inicial (querigma), a catequese e a mistagogia. Nesta reflexão, destaco especialmente a pedagogia mistagógica presente na Liturgia, nas celebrações dos Sacramentos e Sacramentais.

Fonte espiritual e espiritualidade
A vida cristã bebe de muitas fontes espirituais, como a meditação da Palavra de Deus, a oração, a leitura espiritual e a direção espiritual. Porém, a Liturgia é a fonte e o cume de toda a vida espiritual (cf. SC 10). No contexto atual, para muitos cristãos e cristãs, a Liturgia é a única fonte concreta de espiritualidade. Isso exige que a Pastoral Litúrgica Paroquial (PLP) tome consciência de seu papel em ajudar os celebrantes a “renascer do alto”.

A celebração litúrgica é um momento privilegiado de encontro com Cristo, vivido em fraternidade, na assembleia celebrativa. É ali que pedimos: “accendat ardor cordis” — “fazei arder nossos corações” —, como aconteceu com os discípulos de Emaús (cf. Lc 24,32). Esse ardor não é apenas emocional, mas transforma o Evangelho em um estilo de vida, uma espiritualidade que molda o cotidiano.

Quando a celebração litúrgica reflete o caminho existencial dos celebrantes, o Evangelho torna-se realidade concreta, conduzindo-os a uma vida nova. Assim como os discípulos de Emaús voltaram correndo para anunciar a Ressurreição, também nós somos chamados a viver uma espiritualidade litúrgica que nos impulsiona a transformar a sociedade à luz do Evangelho.

Papa Francisco constantemente nos exorta à renovação da Igreja, colocando ênfase no caminho espiritual. Embora as estruturas pastorais sejam importantes, sua eficácia depende do suporte espiritual, alimentado pela Palavra de Deus e pela Liturgia.

Essa renovação exige celebrações evangelizadas e evangelizadoras, que envolvam os celebrantes no mistério do Evangelho. A Liturgia é o espaço onde o Evangelho não apenas é proclamado, mas celebrado, para que desça do ambão ao coração e transforme vidas. É nesse sentido que a Liturgia se torna fonte de espiritualidade e discipulado.

Pastoral Litúrgica Paroquial (PLP)
Para que tudo isso aconteça, é necessária uma organização cuidadosa da Pastoral Litúrgica Paroquial. Seu objetivo é anunciar o Evangelho e formar discípulos e discípulas por meio da pedagogia mistagógica. Celebrar bem é colocar as pessoas no caminho de Jesus, tornando-as testemunhas do Evangelho na sociedade.

O Papa Francisco nos alerta contra a “desertificação espiritual” dos tempos atuais. Vivemos em uma cultura onde o poder financeiro é visto como a espiritualidade dominante. Contra essa realidade, a Liturgia nos convida a renascer do alto, pelo Espírito Santo, para viver segundo a lógica do Evangelho: simplicidade, gratuidade e caridade fraterna.

O Poço de Sicar
A cena do encontro de Jesus com a samaritana no poço de Sicar (cf. Jo 4,1-41) nos ajuda a compreender a dinâmica da Liturgia como fonte de espiritualidade. A samaritana representa toda a humanidade, em busca da “água viva” que dá sentido à vida. Na Liturgia, encontramos Jesus e somos saciados pelo Espírito Santo. É ali que bebemos da espiritualidade do Evangelho e somos transformados em discípulos e discípulas, capazes de testemunhar a caridade no mundo.

A Liturgia é, portanto, a fonte onde a humanidade encontra a água viva de Deus, renasce do alto e se torna capaz de pensar como Deus e agir com a lógica do Evangelho. É essa espiritualidade que nos permite enfrentar os desafios de hoje e ser luz no mundo.

Serginho Valle
Novembro 2024

8 de nov. de 2024

Celebrações litúrgicas que comprometem

As celebrações, que sempre celebram a fé cristã, comprometem os celebrantes na missão evangelizadora da Igreja. A fé cristã não é um conceito abstrato, limitado a doutrinas ou princípios morais; a fé cristã não é também um crença religiosa. A fé cristrã é uma atitude pessoal de compromisso com Deus, que orienta a mentalidade e o estilo de vida de quem a assume como luz na vida pessoal. As celebrações litúrgicas, nesse sentido, servem como fortalecedoras da fé na vida pessoal dos celebrantes. Para que isso aconteça, é necessário celebrações que comprometam os celebrantes com a fé que professam e vivem. A evangelização só pode acontecer em decorrência da vivência autêntica da fé, no discipulado.


A pedagogia mistagógica e o compromisso evangelizador

Para aqueles familiarizados com o SAL – Serviço de Animação Litúrgica (www.liturgia.pro.br), sabem que as propostas celebrativas são orientadas pela pedagogia mistagógica, considerando a abordagem pastoral do Ano Litúrgico. Cada celebração se conecta com outras celebrações, formando uma continuidade pedagógica para introduzir e orientar os celebrantes no caminho do discipulado. Nessa sequência, os celebrantes, caminhando na estrada de Jesus (discipulado), são conduzidos a fortalecer a fé, celebrada na Liturgia, como compromisso pessoal.

 Esse processo acontece especialmente na Liturgia da Palavra, momento em que a Palavra ilumina a vida do celebrante fazendo-o refletir e se comprometer pessoalmente com o projeto do Reino de Deus. Esse processo não acontece espontaneamente. É necessário uma organização e uma estrutura pastoral para ajudar os celebrantes e introduzi-los mistagogicamente na estrada de Jesus. É o papel da PLP – Pastoral Litúrgica Paroquial.

O papel da pastoral litúrgica paroquial (PLP)

A Pastoral Litúrgica Paroquial (PLP) desempenha um papel essencial na preparação de celebrações que sejam verdadeiramente evangelizadoras, capazes de comprometer a vida dos celebrantes com o Evangelho. Nisso, a necessidade do zelo pastoral litúrgico caracterizado pela participação ativa e consciente nas orações, nas leituras e nas canções... A estrutura da PLP, formada por membros que compreendem e conhecem a pedagogia mistagógica e a dinâmica evangelizadora de cada celebração, é fundamental nas paróquias. Portanto, a importância da formação litúrgica continua daqueles que atuam na PLP, de todos os ministérios.

A formação litúrgica não se restringe a uma organização funcional, como a definição de funções ministeriais; é toda uma estrutura pastoral que sustenta a dimensão formativa da Liturgia em cada comunidade paroquial. A formação em PLP oferece orientações de como estruturar a pastoral litúrgica que prepare celebrações bem planejadas, e isso significa celebrações evangelizadas e evangelizadoras, capazes de fortalecer a fé na vida dos celebrantes tornando-os comprometidos com o projeto do Reino. A Liturgia é vocacionada a tornar os celebrantes compromissados com a fé; não a fé na dimensão de crença, mas na dimensão existencial.

A Liturgia como vocação e compromisso pessoal

A Liturgia não celebra uma crença em Deus, em Jesus Cristo… A Liturgia não celebra uma crença religiosa, mas a fé cristã no Mistério Pascal de Jesus Cristo. Entende-se que os celebrantes celebram a Liturgia porque creem em Deus; essa crença precisa ser transformada em compromisso de vida com o Evangelho, com o Reino. A Liturgia tem a vocação de iniciar os celebrantes no compromisso existencial da fé envolvendo-os de modo consciente nas celebrações.

A importância do envolvimento pessoal nas celebrações está intimamente ligada à vocação cristã como resposta de fé. A Liturgia é um espaço de encontro com Deus onde cada celebrante é convidado a escutar, a refletir e a modelar sua vida com a Palavra de Deus, especialmente o Evangelho. Celebrações bem preparadas têm a função de interpelar e inspirar os celebrantes a abraçar o projeto divino, fortalecendo seu compromisso com o Reino de Deus. Essa dimensão comprometedora, presente em cada celebração, nutre a vocação cristã dos batizados e os encoraja a viver uma vida alinhada com os valores evangélicos e, o mais importante, com uma vida cristã comprometida.

Conclusão: celebrar para comprometer 

Volto a repetir: na Liturgia não celebramos uma crença, mas a fé e isso significa celebrar um projeto existencial. A Liturgia não celebra uma crença, celebra a vida divina sendo oferecida para que a vida humana seja plena (Jo 10,10). Para isso acontecer é fundamental a PLP.

É fundamental que as celebrações litúrgicas sejam bem preparadas e estruturadas para atingir a vida e a mente dos celebrantes, conduzindo-os a um compromisso cada vez mais profundo com a fé e com o projeto divino, que definimos como Reino de Deus. É desse modo que a Liturgia realiza o seu papel de fomentar a vida cristã, como pede a SC 1, à medida que alimenta a fé dos celebrantes e os tornam comprometidos com o Reino e com a evangelização.

Serginho Valle 
Novembro 2024


 

Para conhecer o curso de PLP, acesse:

https://lp.liturgia.pro.br/plp1

← Postagens mais recentes Postagens mais antigas → Página inicial