7 de set. de 2019

Celebrações terapêuticas ou celebrações da fé?

A Igreja tem registro de curas acontecidas durante celebrações litúrgicas. Hoje, se faz propaganda de celebrações com promessas terapêuticas e curas físicas e espirituais. Não se duvide que Deus possa agir no decorrer de uma celebração litúrgica. Tenho participado de muitas curas espirituais no Sacramento da Reconciliação e, até mesmo, curas físicas em celebrações da Unção dos Enfermos. O mesmo aconteceu em celebrações Eucarísticas. Minha interrogação vai na direção da pretensão de realizar celebrações com promessas de curas e milagres. Considero que ninguém pode ter controle de pretender que Deus aja para curar “naquela celebração”, marcada para “aquela hora” e com alguns ritos introduzidos — nem sempre litúrgicos — em alguma celebração particular. Ninguém pode controlar o Espírito de Deus que age na liberdade e não com agendas de data e hora marcadas.
            Além do mais, considero útil servir-se do bom senso, e para isso um bom começo pode estar nas Instruções do Sacramento da Unção dos Enfermos — Praenotanda 6 — que reconhece a importância e a necessidade da intercessão pela saúde corporal e de ser atendido “se esta for a vontade Deus”. Percebe-se que não se trata de uma promessa, mas de uma possibilidade real de quem, humildemente, se coloca em atitude de aceitar a vontade divina. Este aspecto de cura na Liturgia e pela Liturgia foi contemplado no Concílio de Florença (1431-1445) (Cf. Ds 1325) e está presente no Catecismo da Igreja Católica (n. 1520), que trata deste tema como “dom particular do Espírito Santo”, entendendo a necessidade da intercessão deste dom presente nos ritos sacramentais propostos pela Igreja.
Algumas celebrações transmitidas na mídia exageram em promessas de milagres e curas de todo tipo. Não tenho o direito de emitir julgamento, mesmo porque todo julgamento sempre recai em ressaltar o negativo; é preciso reconhecer que muitas dessas celebrações, sempre com forte acento emocional, tem sido caminho de conversão pela cura espiritual para muitas pessoas. Não julgo, mas constato este fato no que diz respeito ao aspecto psicológico da emoção, que é sempre passageiro e, por isso, passível de equívoco. No que se refere às curas espirituais, a Direção Espiritual e os místicos da Igreja, insistem na necessidade de entrar e fazer o caminho do discipulado. A conversão de São Paulo é um bom exemplo disso.
Na prática, do ponto de vista celebrativo, estou falando do perigo da instrumentalização da Liturgia. Esta pode ser instrumentalizada para servir a interesses políticos e sociais, como tem acontecido, e pode ser instrumentalizada com promessas terapêuticas e curativas. De um modo ou de outro, é sempre instrumentalização, o que implica em considerar uso equivocado da Liturgia.

Despertar a fé
Uma das finalidades inerentes na celebração da Liturgia é o despertar da fé. Repito: finalidade inerente, porque toda celebração serve para despertar e fazer crescer a fé, em primeiro lugar. Despertar, animar e alimentar a fé. Toda celebração litúrgica é, neste sentido, um momento para confirmar a fé. E isso vale especialmente quando celebramos com irmãos e irmãs debilitados fisicamente ou espiritualmente. Não se pode perder este aspecto, pois, em casos extremos, existe sim o risco de instrumentalizações com fins beirando a “efeitos mágicos”, o que não tem nada a ver com celebração litúrgica. Seria muito triste se assim acontecesse ou que se ritos fizessem supor um conceito próximo a isso.
Um modelo para compreendermos bem este aspecto encontra-se no episódio dos discípulos de Emaús (Lc 24,13-35). Debilitados espiritualmente em suas esperanças, os discípulos retornam de onde partiram. A Liturgia da Palavra, realizada com Jesus no caminho, até a pousada, e a partilha do pão, reascenderam neles a fé, restabeleceu a esperança no coração e os tornou missionários e anunciadores do encontro com o Senhor. Para isso acontecer em nossas celebrações, é importante que os responsáveis pela preparação das celebrações, as equipes de celebrações, saibam conduzir o coração dos celebrantes ao coração do Mistério da fé. É a dinâmica mistagógica que, na prática, significa conduzir para dentro do Mistério da Salvação. Não para dentro do misterioso, mas para dentro da ação divina onde acontece o Reino de Deus. Neste caso, o sofrimento pode ser acolhido como parte do caminho da vida pessoal e não usado para desafiar a Deus com milagres, como tem acontecido com Jesus, narrado em Mt 16,1-4.
Mais que promover celebrações terapêuticas com promessas de curas é preciso compreender que toda atividade de serviço divino em favor do povo — como se entende pela etimologia da palavra “Liturgia”, que é serviço a favor do povo e serviço do povo dirigido a Deus — realiza-se na liberdade do Espírito e querer programá-la para finalidades ou interesses humanos, por mais justos e benevolentes que sejam, é algo que, ao meu ver, não nos compete. Em situações de crises, físicas ou espirituais, a celebração é fonte para discernir qual a vontade de Deus em todos os momentos de nossas vidas ou num momento existencial em particular. Se Deus quiser agraciar-nos com sua bênção curativa, bendito seja o seu nome pelos séculos dos séculos.
Serginho Valle  

Agosto de 2019 

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