Toda celebração litúrgica propõe um compromisso existencial do celebrante com Deus. Da parte divina, o compromisso sempre acontece, porque Deus derrama sua graça e nos alimenta com sua vida. Da parte humana, dada nossa fragilidade, nem sempre assim acontece. Não poucas vezes, celebramos descompromissadamente. Isso pode ser por desatenção ou pelo modo de celebrar, favorecendo manifestações de espiritualismos “psicologizantes e analgésicos” ou do tipo autoajuda.
Tais
celebrações estão estritamente voltadas para o individualismo com promessa de
socorrer ou sarar um mal-estar psicológico, causado por uma decepção, uma
tristeza, uma angústia ou algum fracasso. Que uma celebração litúrgica bem
realizada promove bem-estar psicológico, produz paz interior e alegria
espiritual, não se discute. O tema presente são as celebrações direcionadas e
realizadas carregadas unicamente no emocional e no sentimental. Minha
preocupação pensa em assembleias, nas quais a ladainha de dores e mazelas
sempre é anunciada com dramaticidade, pedindo que os que sofrem levantem as
mãos, fechem os olhos, coloquem a mão no coração, coloquem a mão no ombro de
quem está ao lado... Ritos que não pertencem ao ritual litúrgico da Igreja. Não
os classifico em categorias de litúrgicos ou não litúrgicos; o ponto está na
finalidade: usados unicamente para emocionar e confundir a emoção como
experiência mística.
A
celebração litúrgica, evidentemente, contém sentimento e emoção, mas não se
serve deles de modo abusivo, dado o risco de desvio na experiência espiritual. No
meu consultório de psicólogo tenho atendido várias pessoas que criaram
escrúpulos por se sentirem curadas no momento emocional (uma espécie de transe
psicológico) e, na volta para o cotidiano, perceberam que nada tinha acontecido.
Assuntos como castigo divino, não se sentir amado por Deus, sentimento de
vulnerabilidade espiritual... São temas que acendem um sinal de alerta aos
bispos, padres e responsáveis pela Pastoral Litúrgica.
Espiritualismos
analgésicos são capazes de consolar as pessoas e promoter esperanças por um
momento. Usam e abusam de frases de autoajuda com promessas e garantias que
Deus está curando ou resolvendo situações problemáticas. Alguns presidentes de
assembleias litúrgicas indicam esta ou aquela oração poderosa; algo que também
é estranho na Teologia Espiritual católica, porque a oração, e particularmente
a oração litúrgica, nunca se apresenta com adjetivos de poderosa, milagrosa...
mas com a simplicidade humildade da adoração, do memorial e da súplica. Falar
de fórmulas orantes poderosas, ao meu ver, é descrer na oração humilde e
sincera elevada a Deus.
Pode
ser que falte formação, pode ser que na tentativa de fazer o melhor se apele
para o que não tem relevância nem na Teologia Litúrgica e nem na
Espiritualidade Litúrgica. Não estou discutindo a boa intenção de quem introduz
tais ritos na Liturgia. Apenas peço atenção para a diferença entre a finalidade
proposta por estes ritos e a finalidade proposta pela Liturgia. É preciso ter cuidado
para não confundir as pessoas. A Liturgia não promete milagres, curas e
libertações com ritos e rezas. As praenotandas do Ritual da Unção dos Enfermos
e do Ritual de Bênçãos chamam atenção que o efeito de curas e resolução de
problemas é sempre vontade de Deus e, para que isso aconteça, a Liturgia
católica, na sua história milenar, sempre primou por se colocar como serva,
simples e humilde, confiante e suplicante, diante de Deus para adorá-lo e
suplicar a graça necessária respeitando a vontade divina. Deus, em sua bondade,
misericórdia e sabedoria infinitas, saberá fazer o que precisa ser feito.
Serginho
Valle
Setembro
2020
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