
Penso
que a distribuição da Eucaristia, na Missa, poderia ser
denominada e descrita como "partilha do Pão e do Vinho
Eucaristizados"; o que de fato é. Na distribuição da Eucaristia acontece a
partilha da vida divina, presente no Corpo e Sangue de Jesus, entre
os celebrantes.
Para
melhor expressar a partilha da vida divina, o ideal seria que os celebrantes
comungassem do Pão e do Vinho consagrados. Infelizmente, isso nem sempre é
possível por vários motivos, que não vem ao caso considerá-los neste
espaço. Fica apenas o incentivo para que, onde isso for possível, a Comunhão
seja feita sob duas espécies, principalmente naquelas celebrações previstas
pela Igreja.
Comunhão na mão ou na boca?
O
Pão consagrado pode ser colocado na palma da mão ou na boca do comungante. Não
existe certo ou errado, mas existem duas tradições.
A
segunda tradição, de comungar recebendo o Pão na boca, é a mais
recente e foi motivada por uma Teologia Eucarística que, na prática, proibia a
leigos e leigas tocar na Hóstia consagrada. É uma Teologia derivada de fonte devocionalista,
como lemos na História da Liturgia, que separava e distanciava Jesus
Eucarístico do contato pessoal. Não deixa de ser algo estranho, porque Jesus
viveu sendo tocado e se deixando tocar. Respeito quem incentiva a comunhão na
boca, mas convido a considerar as motivações de tal prática a partir da
Teologia e da Tradição da celebração Eucarística.
A
primeira tradição, de receber a Eucaristia na palma da mão, é a mais
antiga. Inicia-se na Última Ceia, quando Jesus parte o pão e o entrega, na mão de cada
um dos comensais. Entrega o pão na mão e não o coloca na boca. Tal prática
é também descrita em vários textos da Patrística com indicações de
que se comungue acolhendo o Corpo de Cristo na palma da mão,
apresentada ao sacerdote em formato de trono. Um dos mais belos testemunhos
que vem da antiguidade sobre a comunhão nas mãos é a orientação de como
comungar proposta por São Cirilo de Jerusalém (morreu em 381): “Quando te aproximares, não caminhes com as
mãos estendidas ou os dedos separados, mas faze com a esquerda um trono para a
direita, que está para receber o Rei; e logo, com a palma da mão, forma um
recipiente; recolhe o corpo do Senhor, e dize: “Amém”. A seguir, santifica com
todo o cuidado teus olhos pelo contato do Corpo Sagrado, e toma-o. Contudo
cuida de que nada caia por terra, pois, o que caísse, tu o perderias como se
fossem teus próprios membros. Responde-me: se alguém te houvesse dado ouro em
pó, não o guardarias com todo o esmero e não tomarias cuidado para que não te
caísse das mãos e para que nada se perdesse? Sendo assim, não deves com muito
esmero cuidar de que não caia nem uma migalha daquilo que é mais preciso do que
o ouro e as pedras preciosas?” (Catequese Mistagógica V 21 s).
Isso
significa, de acordo com a antiga Tradição: apresentar a palma da mão direita
estendida e sustentada pela mão esquerda. Nada de "pegar" o
pão consagrado com dois dedos, em forma de pinça. Devido ao fato que, no
início da Igreja, os textos fazerem referência da comunhão na mão, é que considero esta
a forma tradicional, no sentido de pertencer à Tradição, com "T"
maiúsculo, da Liturgia da Igreja; faz parte da Tradição Eucarística. Considere-se
ainda o cuidado para que nada cai por terra.
Quem comunga primeiro
O
primeiro a comungar é aquele que preside a Eucaristia. Depois de comungar, ele
distribui a Eucaristia aos ministros. O termo é distribuir, no sentido que o
padre entrega o pão aos ministros que irão auxiliá-lo na distribuição
Eucarística. Em outras palavras, o ministro não se “auto-comunga”, mas
recebe a comunhão. Nem tampouco busca a Eucaristia no altar. Esta é dada
pelo padre para ser distribuída aos celebrantes.
Esta
prática não tem nada a ver com a ideia de que o altar é exclusividade do padre.
Tem a ver, sim, em repetir o gesto de Jesus realizado na Última Ceia, de tomar
o pão, repartir e entregar aos discípulos. O mesmo aconteceu na multiplicação
dos pães: Jesus partiu e entregou aos discípulos para que estes o
distribuíssem. Ou seja, a distribuição da Eucaristia não é um rito funcional —
com a função de distribuir a Eucaristia —, é rito simbólico, sacramental e
enquanto tal considera que também a distribuição da Eucaristia é presidida pelo
padre que age “in persona Christi”. Os ministros comungam, recebendo a comunhão
das mãos do padre e depois o auxiliam na distribuição do Pão da Vida aos
celebrantes. .
Depois
dos ministros, os celebrantes comungam. Os últimos a comungar são os
músicos. Isto por um motivo muito simples: os músicos estão a serviço da assembléia.
Eles comungam por último e, desse modo, favorecem o silêncio pós-comunhão, nem
sempre respeitado porque os músicos não param de cantar.
A
este repeito, a IGMR 86 orienta de modo muito claro que, logo depois da
apresentação e do convite para a Comunhão, “enquanto o padre recebe o
Sacramento”, isto é, enquanto estiver comungando, inicia -se o canto de
comunhão. Por isso, naquele momento, os músicos não devem estar na fila para
comungar, mas cantando com a assembléia.
De pé ou ajoelhado
Houve
um tempo que os fiéis recebiam a comunhão ajoelhados. Com a reforma litúrgica
(1963), a orientação foi receber a comunhão estando de pé. Também esta, diz a
história da Liturgia, era a prática normal. Em nossos tempos, a Igreja
admite que os celebrantes recebam a Comunhão de joelhos ou de pé.
Não
está errado comungar ajoelhado. A Igreja respeita quem considera que assim
demonstra mais respeito para com a Eucaristia. Muitos dos que comungam
ajoelhados apoiam-se em textos bíblicos, como este: "para que ao nome de
Jesus todo joelho se sobre no céu e na terra" (Fl 2,10). É um texto
adorante, que convida a adoração e reconhece que Jesus é o Senhor. Mas, o rito
da Comunhão da Eucaristia é momento de adoração ou de ceia, na qual se sela um
compromisso de vida com Jesus e com seu projeto de vida?
O
comungar de pé, aproximando-se da Eucaristia caminhando, tem um significado que
merece ser considerado.
Indica,
primeiramente, ser participante do povo a caminho, do povo que caminha em busca
do alimento divino. O povo a caminho é uma expressão bíblica de grande
significado. É o Povo de Deus, o povo que acolhe a disposição de Jesus ao ver o
povo caminhando na sua direção, como se lê no início do capítulo 6 de João e no
decorrer de todo o texto joanino sobre o chamado “Discurso do Pão da Vida” (Jo
6).
Além
do rito simbólico de caminhar para comungar, o estar de pé, na Liturgia, como
já comentamos em outras oportunidades, simboliza a postura de quem é
ressuscitado. Mas, o estar de pé tem ainda outra dimensão: aquele que recebe do
Ressuscitado, presente no Pão Divino, e é enviado para viver o que está
comungando. É, portanto, um rito dinâmico e não parado; um rito que faz a
Comunhão com o projeto divino e, uma vez fortalecido pelo alimento Eucarístico,
parte para testemunhar a vida nova. Tudo acontece muito rapidamente, mas o
significado é rico e denso.
Nosso padre não distribui a comunhão
Uma
prática muito estranha tem aparecido em algumas comunidades: aquela do padre
não distribuir a Eucaristia aos celebrantes. Ele comunga e senta na cadeira
presidencial em uma típica atitude de recusar colocar-se a serviço dos
celebrantes. É um gesto que nunca houve na Igreja, uma vez que todos
os gestos e atitudes litúrgicas, especialmente aquelas Eucarísticas, são
considerados a partir do serviço. Por isso, pensar em introduzi-lo seria negar
algo central na Eucaristia: contexto de serviço, na qual foi instituída a
Eucaristia, atitude que se ilumina no gesto do lava-pés e na entrega da vida de
Jesus. Assim, entende-se que distribuir a Eucaristia não é privilégio para
o padre, mas serviço que ele assumiu no dia da ordenação: o serviço
de alimentar o seu povo com o Pão da vida.
Já ouvi
de padres que não distribuem a Comunhão para demonstrar valorização aos
leigos. A ideia é bonita, mas o momento e o local são impróprios. A valorização consiste
em se colocar com os leigos a serviço dos celebrantes, a serviço
da assembleia com o maior se todos os dons: a partilha da vida Eucarística.
Aliás, nada representa tão bem a vocação sacerdotal como o gesto de servir
partindo o Pão e distribuindo a Eucaristia entre seu povo.
Para
finalizar, lembro de um antigo axioma litúrgico que diz: aquele que partilha o
pão da Palavra é o mesmo que partilha o Pão da Eucaristia. No momento da
distribuição Eucarística, portanto, o local do padre não é sentado passivamente
na cadeira presidencial, mas agindo ativamente no meio dos celebrantes, em
atitude de serviço, distribuindo o Pão Sagrado.
Serginho Valle
Agosto 2017
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