A
auto apresentação de Jesus como aquele que veio para servir e não para ser
servido (Mt 20,28) encontra seu momento alto e sua plena realização na sua Páscoa
ritual (5f Santa), na sua Páscoa dolorosa (6f Santa) e na sua Páscoa gloriosa (Sábado
Santo e Domingo da Páscoa). Uma reflexão sobre o serviço divino, exercido por
Jesus Cristo, nas principais celebrações da Semana Santa.
Jesus, o servo obediente de Deus
O
tema do serviço é totalmente pertinente na reflexão da Semana Santa. Está
presente na Palavra do Domingo de Ramos, apresentando Jesus como servo
obediente que, pela obediência ao projeto do Pai, fez da sua vida terrena um serviço
em favor da vida humana. É o próprio Jesus que se apresenta como alguém que
veio para servir e não para ser servido (Mt 20,28). Tal disposição de servir está
simbolizada na sua entrada em Jerusalém, no Domingo
de Ramos, montado num jumentinho, animal servidor, cooperador nos trabalhos
diários das pessoas, no tempo de Jesus e, ainda hoje, em muitas partes do
mundo.
A cena de Jesus entrando em Jerusalém
montado num animal de serviço simboliza sua atividade servidora e indica o
serviço como alternativa ao poder social. Não o poder da dominação, que cria
classes entre servidores e servidos, mas o poder pelo serviço, que cria
relacionamentos de ajuda mútua pela fraternidade.
Noutro momento da Semana Santa, o
serviço divino realizado por Jesus está simbolizado no rito do lava-pés. Na Quinta-feira Santa, Jesus ritualiza a
vida cristã no gesto de lavar os pés de seus discípulos, com a recomendação
para fazer o mesmo que fizera (Jo 13,15). Neste mesmo contexto, outro gesto
coloca em evidência a amplitude deste serviço como doação da vida: o gesto da
“fractio panis”; um gesto doméstico que Jesus transformou em sacramento da
doação da sua vida divina para todos os tempos e em todas as partes da terra.
A
“fractio panis” favorece a compreensão da Eucaristia em relação ao pão como
fruto do trabalho humano e como necessário para alimentar a vida humana. Símbolo
do que é essencial para a existência humana. A fração do pão representa a
partilha da vida, a partilha do trabalho humano, não com o fim egoísta do
enriquecimento, mas como promoção da vida partilhada entre todos. O
gesto diário de repartir o pão, fruto do trabalho humano, em nossas mesas, é usado
por Jesus como doação da vida divina no altar, local onde se oferece a Deus um
sacrifício santo e agradável, mesa onde é repartido o Pão da vida e o Cálice da
Salvação.
Aquilo
que Jesus realiza ritualmente, na Última Ceia, é vivenciado no seu corpo em sua
Paixão e Morte. É a entrega plena da sua vida, presente no seu corpo, como
oferenda (sacrifício) ao Pai. Na Paixão de Jesus, o amor divino torna-se
serviço na doação da vida divina em vista da plenitude da vida humana. A
Palavra da Sexta-feira Santa, no
contexto do serviço, ilumina-se no servo sofredor; alguém que se faz servidor
da humanidade acolhendo a vontade divina, e por causa disso, passa, faz sua
passagem (faz sua Páscoa) pelo sofrimento humano. Gesto compreendido como
serviço obediente ao Pai, simbolizado no “servo sofredor” de Isaias (Is
52,13—53,12).
A
obediência é um aspecto natural de quem se faz servo. Todo servo fiel é servo
obediente, alguém que acolhe a vontade do seu Senhor. Assim viveu Jesus. E
assim podemos mensurar a grandeza e a profundidade da obediência de Jesus ao
projeto do Pai. Tamanha foi sua obediência, tamanha sua fidelidade que aceitou
passar (fazer sua Páscoa) pela morte de Cruz, considerada morte ignominiosa.
A reação divina
Todo este conteúdo, teologicamente
compreensível, causa dificuldades do ponto de vista humano. O conhecido
questionamento — por que Deus, que é bondoso e misericordioso, permitiu que seu
Filho morresse? — enfraquece-se na Teologia do Servo Sofredor; na Teologia do
Serviço. Os servos de Deus, na Bíblia (e fora da Bíblia), sempre se
confrontaram com o sofrimento humano e, muitos deles, com a morte, com o
martírio. A causa está em Deus ou na dificuldade humana de acolher o projeto
divino? Ou de se incomodar com o projeto de divino, a ponto de causar
sofrimento aos servos de Deus?
Outro questionamento: a reação
divina. Como Deus reage diante da morte do seu Filho ao expressar seu sentimento
de abandonado pelo próprio Pai (Mt 27,46)? A resposta está na Vigília Pascal e no Domingo da Páscoa: a reação divina é a Ressurreição; a destruição
da morte.
A
Páscoa de Jesus é a passagem pela morte; passagem como indicativo de não
permanência. Deus não deixou Jesus na morte; ele desce e passa pela
"mansão dos mortos", mas lá não permanece; passa pela mansão dos
mortos e lá derrota a força da morte com a sua Ressurreição. O
início da Vigília Pascal ritualiza
esta passagem da escuridão da noite para a iluminação da luz da Ressurreição simbolizada
no fogo novo. A Páscoa de Jesus é a luz divina para o mundo.
Serginho Valle
Março de 2019
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