
Para quem está chegando agora e para a geração dos que
completam até 40 anos de idade, ver o padre voltado para a assembléia é a coisa
mais natural do mundo. No início, quando a Liturgia retomou o modo original de
celebrar a Eucaristia, com o presidente de frente para a assembléia, muita
gente deixou de ir à Missa. E ainda hoje, tem gente que não aceita este modo de
celebrar a Eucaristia. Querem que o padre não olhe para o povo, mas com o povo
esteja voltado para o altar.
A celebração da Missa com o padre de frente para a
assembléia retoma o modo original de celebrar, nos primeiros tempos da Igreja e
se fundamenta em razões teológicas. Do ponto de vista pastoral, demonstra que está
diante da assembléia para exercer um ministério: prestar o serviço de presidir
a assembléia celebrativa com a comunidade. A Constituição litúrgica
Sacrosanctum Concilium fundamenta teologicamente tal serviço dizendo que Cristo
está presente no padre que preside a assembléia (SC 7). Isso significa que o
padre é sacramento, é sinal de Cristo presidindo a Eucaristia, pois age “in
persona Christi”. No rito de Pio V, todos, inclusive o padre, se voltam para o
altar. No rito de Paulo VI, que usamos atualmente, todos, inclusive o padre, se
reúne ao redor do altar. Muda a direção, mas não muda a essência teológica da
celebração.
No atual rito de Paulo VI, o espaço ocupado pelo padre na
Missa é de estar diante da assembléia, e também como parte da assembléia,
reunida em torno do altar, que é Jesus Cristo. Existem momentos que o padre
está no meio do povo e momentos, como na Eucaristia, que ele é chamado a servir
seu povo, estando na frente da assembléia litúrgica. Este é um motivo forte
para entender que o padre não é o “dono da Missa”, mas aquele que preside a
Missa. A Missa é sempre da Igreja, reunida em assembléia celebrativa e
assembléia eucarística, isto é, uma assembléia de ação de graças. Na celebração
Eucarística o padre é um servidor e um sinal da presença do Cristo que, como em
Emaús, partilha o pão e o vinho na parada que fazemos em nossa caminhada. Como
em Emaús, o padre representa Jesus partilhando o pão e o vinho eucaristizados,
sentados na mesma mesa; um voltado para o outro.
Os padres precisam ter consciência do seu ministério na Missa.
Ter consciência que estão diante da assembléia não como animadores de auditório,
nem artistas que se apresentam a uma platéia e muito menos para cumprir uma
obrigação profissional, como se fossem profissionais da religião. O padre
precisa ser bom na arte de comunicar para favorecer uma participação ativa e
consciente, rezando, ouvindo a Palavra e animando o caminho no discipulado. Quando
o padre entende que estar na frente da assembléia é convite para transformar o
presbitério em palco, então a Missa é colocada em segundo plano, o padre deixa
de exercer seu ministério de serviço presidencial. Do ponto de vista da
Teologia Litúrgica, o padre não foi ordenado para ser apresentador da Missa,
mas seu presidente, aquele que a preside com o povo e para o povo, que é a
Igreja reunida em assembléia celebrativa.
Serginho
Valle
Transcrevo as palavras do Papa Bento XVI sobre a Liturgia do livro “Luz do mundo”:
ResponderExcluir“Esse é um assunto vasto. Quer dizer que não devemos celebrar a liturgia à imagem e semelhança da paróquia, dizendo que é importante que cada um participe pessoalmente, e depois, no fim, só o próprio “eu” importe realmente. Trata-se muito mais de entrarmos em algo muito maior. Trata-se, de algum modo, de podermos sair de nós próprios e mergulhar na imensidão. É por isso que é tão importante que a liturgia não seja, de modo algum, uma criação de cada um. A liturgia é, na verdade, um processo através do qual nos deixamos introduzir na fé e na oração profundas da Igreja. É por essa razão que os primeiros cristãos rezavam virados para o Oriente, para o nascer do Sol, o símbolo do Cristo que regressa. Eles queriam com isso mostrar que o mundo inteiro vai ao encontro de Cristo e que Ele abraça totalmente esse mundo. Essa relação com o Céu e a Terra é muito importante. Não é por acaso que as igrejas antigas eram construídas assim, de forma a deixar que a luz do Sol penetrasse num momento muito específico na igreja. Precisamente hoje, que temos de novo consciência do significado da interdependência entre a Terra e o universo, deveríamos voltar a reconhecer o caráter cósmico da liturgia. Bem como o histórico. Deveríamos reconhecer que ela não foi só inventada, algures no tempo e por uma pessoa qualquer, mas que se desenvolveu organicamente desde Abraão. Esses elementos provenientes dos tempos mais antigos estão na liturgia. Em termos concretos, a liturgia renovada pelo Concílio Vaticano II é a forma válida de a Igreja celebrar hoje a liturgia. Quis melhorar o acesso à forma anterior sobretudo para manter a coesão interior da História da Igreja. Não podemos dizer que antes estava tudo errado e agora está tudo certo, porque, numa comunidade na qual a oração e a eucaristia são o mais importante, não pode ser totalmente errado o que antes era o mais sagrado. Para mim, o importante era a reconciliação interior com o próprio passado, a continuidade interior da fé e da oração da Igreja.”